Reportagem Russian Circles no Porto
Cloakroom
O romance entre os Russian Circles e o público português voltou a ter um novo capitulo no passado fim-de-semana, com a sétima passagem do trio de Chicago pelo nosso país, desta vez para apresentar os temas de “Guidance”.
Verdade seja dita, independentemente das frequentes visitas do grupo - especialista em combinar o melhor dos mundos do post-rock e do post-metal - a reacção calorosa do público nesta noite de sábado provou que o interessse em torno dos Russian Circles continua elevado.
Contudo, antes da chegada dos cabeças de cartaz, houve muito para ver e sentir, começando logo com a prestação mantida surpresa dos Putan Club, dupla franco-italiana já bastante familiar com Portugal graças a uma série de devastadoras actuações por cá.
Tudo no universo do grupo é pouco ortodoxo, mas muito do charme reside nessa assumida busca pela originalidade. Opondo-se veementemente às edições discográficas e preferindo permanecer junto do público em detrimento do palco, proporcionam uma viagem surreal por um universo musical frenético e imprevisível, numa potentíssima fusão de noise, industrial, electrónica, e qualquer outro território que queiram explorar, pois não há regras para os Putan Club; o que interessa é a celebração anárquica, o sentimento de que tudo pode acontecer e que não há barreiras que não possam ou não devam ser quebradas. Basta observar a postura desafiante da baixista Gianna Greco - que insiste em olhar o público nos olhos ou encostar-se ao mesmo - para nos apercebermos que até na postura (fora) de palco existe uma tentativa deliberada de criar desconforto. Houve ainda um apaixonado discurso em que o duo explicou o seu peculiar modus operandi e deixou bem claro que, mais do que uma mera banda, os Putan Club são um manifesto sonoro.
Seguiram-se os Cloakroom, tendo sido interessante observar o contraste estilístico. No lugar da diversão desenfreada instalou-se um clima mais introspectivo, como se estivéssemos a lidar com a ressaca após a festa. Essa mudança funcionou, por um lado, como uma lufada de ar fresco, mas também pareceu algo brusca, demasiado diferente para o seu próprio bem. Contudo, a mistura elegante de slowcore, shoegaze e um emo na tradição dos míticos American Football é suficientemente entusiasmante para que acreditemos plenamente num futuro bastante promissor para esta banda. Falta somente vê-la num local mais intimista, onde as suas delicadas camadas de distorção possam ser devidamente apreciadas. Talvez aí os Cloakroom tenham o encanto que os seus discos possuem.
Quanto aos Russian Circles, cada visita é um pouco como reencontrar um velho amigo: sabemos com o que contar, mas é precisamente essa familiaridade que desejamos.
Poucas são as bandas instrumentais capazes de construir paisagens sonoras tão inteligentes e emotivas, jogando impecavelmente com o peso e melodia e não necessitando de comunicação verbal para se fazerem entender – que o diga a vasta legião de seguidores que encheu a Sala 1 do Hard Club.
É certo que nem tudo foi perfeito – a guitarra de Mike Sullivan podia ter estado mais alta em certas alturas, por exemplo - mas a coesão do trio, com destaque para o fenomenal desempenho do baterista Dave Turncrantz, é inegável. Num setlist bastante equilibrado, novidades como “Vorel” ou “Afrika” coexistiram harmoniosamente com pérolas do passado como “Harper Lewis” ou “Youngblood”. No final, por muito que já tenhamos visto – e continuaremos a ver – os Russian Circles a pisar um palco nacional, a experiência acaba sempre por justificar uma repetição, pois saímos da sala com a sensação agradável de uma noite bem passada.
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sexta-feira, 22 novembro 2024