Reportagem Scott Kelly - Lisboa
O Carnaval dos outros.
Quem conhecia os sevilhanos Orthodox de outros carnavais mais atribulados – e seguramente mais secos que o da noite de segunda-feira – não estaria à espera dos 40 minutos que antecederam a actuação de Scott Kelly.
O trio que marcara já presença por duas vezes em Portugal, chegando a integrar uma das edições do Outfest, parece ter-se despedido definitivamente do doom dos tempos de “Gran Poder”, e dedica-se agora à música exploratória, com tanto de bom como de mau que a expressão possa fazer pensar.
Se a longa introdução com clarinete e contrabaixo monocórdico pode ter feito temer o pior aos poucos devotos que se arrastaram até ao Santiago Alquimista, a paisagem acabaria por se tornar mais interessante, com a inserção de alguns elementos jazzy e uma maior influência da guitarra (alguém andou a ouvir uns disquinhos de Earth), desvendando-se no último tema com o belo vibrato andaluz de Marco Gallardo. Aguardemos o novo disco “Baal”, a sair este ano.
Poucos minutos de espera e nem podíamos crer que o concerto já estava a começar.
Scott Michael Kelly. Para muitos, o nome dispensa apresentações. Para outros, pode-se resumir dizendo que se trata de um dos pulmões dos norte-americanos Neurosis, de um dos principais contribuidores da editora formada pelo grupo, ou do “médio ofensivo” nos Shrinebuilder, um projecto de all-stars formado com Al Cisneros, Wino e Dale Crover.
Scott Kelly. De camisa de flanela, boné enterrado nas orelhas, com a guitarra atrás e ar de quem podia ser roadie de alguma banda.
Mr. Scott Kelly. Porque o respeitinho é muito bonito.
Há alguns anos, aquando do seu concerto no festival Roadburn, respondeu a um fã mais zeloso, que mandava calar outros membros do público: “I’ll do the shushing around here.” E a conversa terá morrido ali. Pois o silêncio é de ouro, e dele se alimenta a música de Kelly.
Nem uma mosca, o acender de um cigarro, estorvam o palhetar das cordas de aço. “We Let The Hell Come”, tema dos Shrinebuilder, é o primeiro a perturbar o sossego. Quem segue a carreira dos Neurosis, sabe que cada álbum a solo dos seus membros só engrandece o todo, nunca serve para o dividir.
Nem o amachucar de um copo de cerveja, os trocos a tilintar na registadora, travam o seu murmurar. Kelly concentra-se no último trabalho, “The Wake”, álbum lançado em 2008, paralelamente ao do colega Steve Von Till. “Remember Me”, “The Ladder in My Blood” e “Saturn's Eye” envolvem a sala num cortejo atípico do adeus à carne.
Nem o secador de mãos na casa de banho, nem o manto de chuva a ameaçar fazer cair o tecto, que faz o senhor levantar o boné e apontar a barba para cima. “Is that rain I hear? Enjoy the rain… Enjoy it while it lasts.” Sempre críptico...
Para terminar, “Figures”, também do último álbum, e mais duas versões: “Tecumseh Valley”, de Townes Van Zandt e “Lord of Light”, dos Hawkwind. Assim se foi revelando Kelly.
Entre temas, sem cair na lenga-lenga dos músicos que adoram sempre o nosso país, confessa que não esperava a reacção que teve do público português. “Muito respeitosos. Gostei muito. Espero voltar com os meus amigos”. Que sejam amigos de peso.