Reportagem: Scott Kelly and The Road Home no Porto
O regresso de Scott Kelly ao Porto era um evento muito esperado, pois para além do mais recente “The Forgiven Ghost In Me” ter sido um disco muito bem recebido, a estreia do músico norte-americano nesta cidade, em Março de 2011, não podia ter sido mais memorável. Numa noite que se revelou mítica, a figura imponente que é o frontman dos Neurosis exibiu o lado sentimental da sua pessoa, fazendo-se acompanhar de uma simples guitarra acústica e de uma voz possante para fazer o que melhor sabe: brindar os presentes com uma actuação bela, poderosa e emotiva. Todavia, por mais que tentemos adjectivar a experiência vivida, a verdade é que uma imagem vale mais que mil palavras. Quer isto dizer que por mais descrições que façamos, só quem esteve presente é que se recorda do momento inesquecível em que a plateia – já bastante emocionada – se levantou das cadeiras e aplaudiu o músico como se não houvesse amanhã; só quem lá esteve é que lê este texto e entende que não há aqui exageros jornalísticos: todos os que testemunharam este concerto compreendem o puro sentimento de magia que invadiu o espaço intimista do Passos Manuel e originou um serão maravilhoso, daqueles que qualquer melómano sonha poder repetir vezes sem conta. A Amplificasom tem noção do quão especial e marcante esta passagem foi e, três anos depois, a promotora decidiu trazer novamente Scott Kelly ao local onde o mesmo fez história.
No entanto, desta vez o músico não veio sozinho, tendo partilhado o palco com dois amigos particularmente talentosos: Noah Landis (também dos Neurosis) e Gregory James Dale. Juntos enriquecem o som e dão origem a uma interessante e coesa colaboração musical intitulada “Scott Kelly and The Road Home” – um nome que, curiosamente, descreve na perfeição o ambiente desta passada terça-feira: de certa forma, esta data da digressão representou o caminho do guitarrista para casa – não a de Oakland, mas a da Invicta. São vários os artistas que falam bem da cidade onde se encontram, mas o que para uns é uma mera formalidade, para Scott é uma demonstração genuína da empatia que tem para com o nosso país.
Mas se o amor deste senhor (que vontade de escrever a palavra toda em maiúscula!) é compreensível, há que enfatizar a nossa natureza humana e sermos filosóficos: o que é que Scott Kelly tem que o torna tão apelativo para os fãs portugueses? É certo que a música que produz é uma das razões, mas parece haver algo mais, um factor que ultrapassa a fronteira musical e entra no campo da psicologia. Parece-nos, contudo, que a resposta está na personalidade do artista em questão. Scott faz questão de quebrar qualquer barreira hierárquica que haja entre banda e audiência e mostra-se ao mesmo nível de quem está sentado a vê-lo. Brinca inocentemente com o público, elogia-o e, acima de tudo, diverte-se e faz com que todos os outros se divirtam. Há que clarificar, todavia, que “divertimento” é aqui usado como sinonimo de apreciação artística e não como manifestação de um comportamento festivo. Sim, é de folk que aqui falamos, mas de um que se reveste de negro e que possui um toque sulista. Trata-se de um folk feito para meditar e sentir. Composições como “ We Burn Through the Night” ou “We Let The Hell Come” (escrita originalmente pelos Shrinebuilder) são autênticos hinos, interpretados com muito mas muito sentimento. Se este fosse o último concerto das nossas vidas, morreríamos felizes – é com essa sensação que Scott nos deixa. Não assistimos a uma sessão de virtuosismo, nem é isso que para aqui interessa, já que a paixão, o respeito e a humildade são os ingredientes nesta deliciosa receita. Isto nem um concerto realmente foi: Scott Kelly é como um amigo que nos visita e conta-nos as suas aventuras através das seis cordas. Um verdadeiro contador de histórias, um apaixonado pela colecção country/folk do pai e um homem que certamente voltará para mais nos dizer.
Assim o esperamos e assim o queremos. Aguardemos agora uma visita com Neurosis… Será que 2014 é o ano?
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sábado, 20 dezembro 2014