Reportagem Sepultura no Paradise Garage
Actualmente em digressão pelo velho continente, os brasileiros Sepultura passaram pelo Paradise Garage, em Lisboa, com o objectivo de apresentar a mais recente proposta, intitulada “The Mediator Between Head And Hands Must Be The Heart”. Todavia, antes da sua entrada em palco, todos os que se deslocaram à capital puderam assistir a três intensos concertos.
Os primeiros foram os canadianos Mortillery, que proporcionaram uma valente sessão de thrash metal bem old school, como mandavam as regras na saudosa década de 80. Com apenas dois álbuns e um EP no currículo, a jovem banda de Edmonton, Alberta, demonstrou uma garra contagiante, sobretudo por parte da vocalista Cara McCutchen – uma menina talentosa e carismática. Apesar de não trazerem nada de novo, estamos perante um colectivo com bastante potencial, havendo, portanto, curiosidade em acompanhar a sua carreira.
Seguiram-se os veteranos Flotsam and Jetsam, grupo onde em tempos tocou Jason Newsted, futuro baixista daquela que viria a tornar-se a maior banda de heavy metal do mundo – os Metallica. Depois de presenciarmos a actuação desta banda de culto, quase que nos revolta pensar que o legado destes tipos é somente esse e não algo mais grandioso. È certo que a obra “Doomsday for the Deceiver” é vista como um clássico do género, mas a verdade é que os norte-americanos nunca obtiveram o reconhecimento que realmente mereciam, pois face à apaixonada prestação que assinalaram, deviam fazer parte da elite do thrash metal em vez de serem uma nota de rodapé na longa história do estilo. Por outro lado, a recepção calorosa por parte do público provou que, apesar de tudo, possuem um estatuto lendário, tendo protagonizado um espectáculo arrepiante e cheio de atitude, que só pecou pelos problemas vocais de Eric A. K.
Por esta altura já se ia acumulando algum cansaço, mas num concerto de metal, a paixão fala sempre mais alto; quando os holandeses Legion Of The Damned entraram em cena, instalou-se o caos na audiência. Autores de uma infernal mistura de death e thrash metal, mostraram estar contentes por partilhar o palco com os Sepultura – uma das suas principais influencias – e incendiaram o Paradise Garage, através de riffs pujantes e composições mais lentas mas musicalmente furiosas. Podíamos dizer que há momentos onde se repetem um pouco, mas a maioria aderiu com entusiasmo à música do quinteto, portanto resta-nos citar este famoso ditado: “ O cliente tem sempre razão”.
Quanto aos Sepultura, já são uma banda bem conhecida do público português e a relação do grupo brasileiro com os seus “irmãos de língua” – como o guitarrista Andreas Kisser fez questão de nos chamar – é bastante antiga, datando de 1992 e permanecendo bem viva até hoje.
Pelo meio, muito mudou – os irmãos Cavalera já não fazem parte da formação e alguns fãs de longa data deixaram de acompanhar o percurso do quarteto. Contudo, isso nunca desmotivou os Sepultura; com uma persistência exemplar, não baixaram os braços e continuam, 30 anos depois, a dedicar-se de corpo e alma à sua maior paixão – tocar música pesada de forma livre, para quem os aprecia e entende a sua mensagem. Efectivamente há aqui uma ideologia a defender, expressa por Derrick Green: “ We are Sepultura and we are here”. Por outras palavras, não interessa a ausência de um certo apelido na formação da banda, esta está activa e sem planos de abrandar. Talvez tenha sido essa confiança e vontade de provar a sua vitalidade artística a razão pela qual o setlist foi tão equilibrado; ouvimos um pouco de tudo, desde “Inner Self” (do velhinho “Beneath the Remains”) até às novidades do mais recente disco, como “Trauma of War” (logo a abrir) ou “Manipulation of Tragedy”, entre outras. De destacar ainda a interpretação de clássicos como “ Arise”, “Desperate Cry”, “Refuse/Resist”, “Territory” ou “Roots Bloody Roots”. Foi igualmente curioso notar a quantidade de covers tocadas nesta noite – um total de quatro, a saber: “ Orgasmatron” (dos Motorhead), “Polícia” (dos Titãs), “ The Hunt” (dos New Model Army) e “ Da Lama ao Caos” (de Chico Science & Nação Zumbi). Porém, esta decisão não pareceu incomodar nenhum dos presentes, demasiado ocupados a usufruir do concerto e a aceitar a banda tal como ela é actualmente (muito melhor, já agora, com o animal que Eloy Casagrande é por trás da bateria). De certa forma, esta passagem provou que os Sepultura são guerreiros incansáveis numa batalha árdua que, pouco a pouco, parece estar cada vez mais próxima de um merecido fim.
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sábado, 20 dezembro 2014