Reportagem Sevdaliza em Lisboa
Sevdalizaatuou em Lisboa pela terceira vez no espaço de um ano, desta feita em nome próprio e no âmbito da digressão europeia “The Great Hope Design”. O cineteatro Capitólio não esgotou mas esteve muito bem composto para receber a diva do trip-hop contemporâneo, que apresentou um espetáculo conceptual com uma forte componente visual, desvendou alguns temas inéditos e distribuiu afetos.
Sevdaliza, nascida Sevda Alizadeth no Irão há 31 anos mas desde cedo criada na Holanda, teve uma ascensão meteórica desde que se estreou em 2015. Os mais de 120 concertos que realizou nos últimos dois anos (entre os quais no Vodafone Mexefest no ano passado e no Super Bock Super Rock há escassos meses) conferiram-lhe maior maturidade e apuraram a sua veia artística. Estas qualidades foram confirmadas na passada quinta-feira, através de um espetáculo conceptual que misturou música e dança contemporânea e que, de acordo com o alinhamento fornecido, incluiu 16 temas distribuídos por quatro capítulos: Big Black / The Lab / Electricity Leaks / Karma.
Acompanhada por três músicos (baterista, teclista e violoncelista) remetidos para segundo plano, Sevdaliza foi o centro de tudo, mesmo quando não esteve em palco. Em “Voodoov”, tema com que abriu o concerto, ouvimos a sua voz inebriante mas apenas a conseguimos vislumbrar através de dois pequenos ecrãs paralelos colocados no fundo do palco, que refletiam imagens das suas mãos presas por cabos elétricos. Só no segundo tema da noite, “Libertine”, a nossa anfitriã surgiria em palco, envergando um esvoaçante vestido branco sem mangas e luvas compridas a condizer.
O jogo dos sentidos não ficou só por ali: algumas das suas músicas mais conhecidas, tais como “Scarlette”, “Shahmaran”, “That Other Girl” e “Marilyn Monroe”, ganharam dimensão performativa através de um belíssimo trabalho coreográfico interpretado pela bailarina Elodie Auger (sempre em interação com Sevdaliza) e transmitido em tempo real através de uma câmara móvel. Aos mais atentos, não terá passado despercebida uma subtiliza: num dos ecrãs as imagens foram emitidas sempre de forma invertida, seguindo a lógica subjacente na capa de “Ison”, álbum lançado no ano passado. Esta importância conferida à imagem não constitui novidade, atendendo a que todas as suas edições têm sido acompanhadas por videoclips com elevado sentido estético, que também ajudam a explicar o sucesso que Sevda tem alcançado.
Ao longo de hora e meia, Sevdaliza e seus cúmplices realizaram uma espécie de ritual hipnótico de purificação da alma, a partir de uma escrita pejada de questões existenciais e de uma sonoridade experimental que mistura diversos géneros, entre os quais um trip-hop muito próximo dos Portishead e dos Massive Attack. Coincidentemente, a influência dessas históricas bandas de Bristol também foi notória na eletrónica experimental de Manuel Bogalheiro aka Mr. Herbert Quain, responsável pela primeira parte do concerto desta noite.
O alinhamento foi maioritariamente preenchido com músicas do seu único longa duração, mas incluiu também algumas incursões ao novíssimo EP “The Calling”, através dos ambientes calmos de temas como “Human Nature” - sussurrada por Sevdaliza através de uma voz alterada digitalmente - e “Soothsayer”, à boleia do harmonioso violoncelo de Jonas Pap.
Contudo, a principal surpresa ficou reservada para a reta final, com a apresentação de quatro músicas inéditas que permitem antever que um novo álbum estará na forja: “Poem > Kalim” foi música-falada de forma ora lenta, ora acelerada; “Darkest Hour” mostrou-nos o teclista/programador Leon den Egelsen a pisar territórios eletrónicos dos Depeche Mode; “Rhode” foi pontuada pela forte percussão do baterista Anthony Marck e acompanhada por um apocalíptico piscar de luzes; enquanto que os cerca de sete minutos de duração de “Key” foram marcados pelo tom intimo e grave do piano tocado por uma Sevdaliza agora vestida de vermelho aveludado.
O concerto fechou sob intensa carga dramática com o tema “Marilyn Monroe”, exemplo máximo da belíssima interação com a bailarina de serviço, que acabou delicadamente suspensa nos braços salvadores de Sevdaliza. A pedido de um público com os telemóveis em riste, Sevda regressaria pouco depois para um breve encore unicamente constituído por “Loves Way”, com voz e piano em perfeita harmonia.
Por fim, a mulher poderosa e dominadora que viramos em cima do palco com gestos tantas vezes robóticos, revelou-se afinal de carne e osso, tal como anteriormente nos assegurara ser, aquando da interpretação do tema “Human”. Descendo do palco, percorreu demoradamente a primeira fila, distribuindo abraços, autógrafos e tirando selfies com um público tão heterogéneo como rendido a uma artista para quem a música parece ser apenas o veículo para conseguirmos chegar ao seu universo.
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quarta-feira, 05 dezembro 2018