Reportagem Sigur Rós no Porto
Um Coliseu do Porto esgotadíssimo recebeu ontem o pós-rock onusto de emotividade dos islandeses Sigur Rós, banda com quase duas décadas de carreira, envolta numa daquelas auras a que só as bandas de culto têm direito. Após três anos de pausa, uma mão cheia sem uma visita a Portugal e a promessa de tocarem temas novos, é enorme a espectativa em torno da actuação dos rapazes que vieram do frio para aquecer os corações dos fãs devotos no Porto – ontem – e Lisboa – hoje, no Campo Pequeno.
Precedendo o concerto dos islandeses, a incumbência de ir aquecendo o palco do Coliseu coube a Benjamin John Power, um dos membros fundadores dos britânicos Fuck Buttons, com o seu projecto a solo Blanck Mass.
Com uma rede a cobrir o palco, fazendo lembrar uma tela de cinema e sobre a qual se podiam ver tanto projecções como as silhuetas de alguns membros da banda, Jón Þór "Jónsi” Birgisson, Georg "Goggi" Hólm e Orri Páll Dýrason – os Sigur Rós – acompanhados por oito músicos, pisam o palco para encetar a almejada actuação, e logo com um dos tais muito aguardados temas frescos. Escutou-se “Yfirborð”, fazendo desde logo antever o belíssimo espectáculo musical e visual que se viria a confirmar nas duas horas que se seguiram.
O som etéreo característico dos islandeses induz frequentemente a distintos estados de alma e, não raras vezes, à emergência de sentimentos sobre a profundidade das coisas. Se há temas que nos levam a contemplar o milagre da criação, a celebração da vida ou a imaginar a imensidão do universo, há outros, como “Vaka”, tocado sob projecções vermelhas onde se vêm máscaras de gás em câmara lenta, cujas associações deprimentes ao holocausto ou a um cenário pós-apocalíptico são inevitáveis.
Debaixo de luzes strobe, surge na tela uma enorme silhueta de Jónsi, a tocar guitarra com o arco de violoncelo que confere aquela índole especial ao som sideral dos Sigur Rós. “Ný Batterí” é o primeiro tema daqueles que cabem na categoria de “esta é daquelas (mesmo) muito conhecidas”, tendo portanto merecido fortíssimos aplausos por parte do público.
Depois de caída a cortina, posicionada até então à frente dos músicos, seguiram-se mais duas músicas novas: “Hrafntinna” e, logo de seguida, Brennisteinn, dotado de uns graves possantes que fizeram estremecer o Coliseu do Porto (bem mais do que o sismo registado durante a tarde, diga-se).
A caixinha de música e o piano de “Sæglópur” fazem-se ouvir em harmonia com as indecifráveis palavras de vonlenska (ou hopelendic, em inglês) - língua criada pela banda, que serve apenas para conferir ritmo e melodia – em falsete de Jónsi, antes de dar lugar a “Fljótavík”, única representante de Með Suð í Eyrum Við Spilum Endalaust na actuação, durante a qual várias luzes amarelas por entre os músicos pontilham o palco, proporcionando um ambiente intimista. “E-Bow”, com dois colossos cobertos de neve projectados por trás da banda, transportam-nos até uma fria e infindável viagem por territórios melancólicos.
Desenganaram-se e bem, todos aqueles que contavam ir até ao Coliseu para assistir a uma apresentação do mais recente longa-duração dos Sigur Rós, editado em Maio do ano passado, visto que “Varúð” foi o único tema tocado de Valtari. Foi antes Takk… o disco com a presença mais assídua no alinhamento, com “Hoppípolla”, – seguida da espectável “Með Blóðnasir” – recebida com o entusiasmo de um abundante aplauso e com direito a palmas de acompanhamento por parte do público; e “Glósóli”.
Antes de abandonarem o palco, e talvez para aguçar um pouco as ganas pelo encore, tocam mais uma das (quatro) novas músicas: “Kveikur”, sob um ambiente pesado e caótico, perante uma tempestade de luzes strobe. Uma espécie de blitzkrieg agradável.
Assim que se retiram, ávida por mais, a assistência clama pelo regresso dos onze músicos ao palco. Pouco depois, fazem-se ouvir, como que das profundezas do oceano, os radares do submarino que existe em “Svefn-G-Englar”, recebida com júbilo por todos os espectadores.
O tema que conclui, por fim, a impressionante actuação dos islandeses é o poderoso “Popplagið”, cuja progressão impetuosa culmina num aplauso ensurdecedor com sabor a agradecimento e afecto, após o qual a banda abandona definitivamente o palco, deixando assinalado um espectáculo memorável para todos os que estavam presentes no Coliseu do Porto.
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Organização:Everything is New
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sábado, 20 dezembro 2014