Reportagem Slowdive no Porto
O mês de Março foi uma delícia para os amantes do shoegaze, com um dos seus maiores vultos históricos a passar pelo nosso país. Falamos de Slowdive, a banda inglesa que, após 20 anos de interregno, voltou como se nunca tivesse parado, e ditou o destino que dia 9 de Março marcaria novo encontro entre os portuenses, no Hard Club. Ao contrário de muitos regressos ao activo, este coroou com um excelente álbum homónimo, lançado faz agora um ano.
Por isso, e apesar das triunfais mas recentes passagens por Portugal (com destaque para o estatuto de cabeças de cartaz no NOS Primavera Sound e Vodafone Paredes de Coura), havia pois claro interesse em rever os autores de “Souvlaki”.
Mas antes, houve espaço para a synth pop dos parisienses Dead Sea, que começaram a aquecer a sala principal do Hard Club com temas do seu recém gravado álbum, disponível pela primeira vez em formato físico neste mesmo concerto. Assistidos por um interessante e simples espectáculo de luzes, os Dead Sea mostraram o ar de sua graça, e nem o facto de não serem uma banda que orbite sonoramente à volta de Slowdive lhes dificultou a tarefa. A buscar muitos elementos aos anos 80, mas dando-lhes a necessária maquilhagem contemporânea, os Dead Sea abriram e bem o apetite a quem se deslocou cedo para os lados da ribeira.
Porém, a noite era a do tão aguardado regresso da banda britânica, que pelas 21h21 subiram a palco na noite fria do Porto. Com a sala a arrebentar pelas costuras, o quinteto fez a ponte entre os seus registos dos anos 90 e a actualidade, como se o tempo nunca tivesse passado. Ajudados por hipnóticas projecções em constante exibição, a banda arrancou como o seu último registo arranca, com a frágil e nostálgica “Slomo”, regressando logo de seguida às suas raízes com “Slowdive”, onde a massa sónica se adensa mais e a clareza dos riffs é abafada pelo reverb. Saltamos para “Crazy for You”, bem mais cristalina e presa na constante repetição de “crazy for lovin' you” na voz de Neil Halstead.
Voltamos um pouco para o último álbum com “Star Roving”, etérea apesar do ritmo bem definido pelo baixo e pela bateria, um pouco mais mexida do que lhes é habitual, e rapidamente apalpamos terrenos mais densos com “Avalyn”, golfando camadas de distorção de copo cheio. “Catch the Breezee” remota-nos bem para os inícios da banda, onde a matriz mais post-punk enche de negro, apesar de contrastar maravilhosamente com a paleta colorida das projecções escolhidas para este tema.
“No Longer Making Time” prende-se na simples mas eficaz linha de baixo de Nick Chaplin, e prepara um dos grandes momentos da noite, com a banda a atirar-se a “Souvlaki Space Station” e os seus acordes soltos a ecoar pela sala a não se livrarem de um banho de berros e palmas. “Blue Skied an’ Clear” refresca um pouco os ânimos com a sua roupagem mais tranquila, e a lindíssima “When the Sun Hits” lembram-nos de amores passados.
Ficamos um pouco mais no registo de 1993, “Souvlaki”, com “Alison”, uma pequena história de amor claustrofóbico e discutivelmente um dos temas mais fáceis de consumir da banda, antecedendo o melancólico single “Sugar for the Pill”, num tema algo distante do shoegaze que os fez grandes nos anos 90 e onde o conjunto revela influências e maturidade de ordem mais contemporânea. Pela reacção do público, claramente não é só da discografia antiga que os fãs mais se alimentam, mostrando ao quinteto de Birkshire que o seu regresso a estúdio é para ser celebrado em perfeita comunhão. Para rematar, uma versão de “Golden Hair” do antigo Pink Floyd Syd Barret. Entre doces obrigados, a banda ausenta-se de palco, mas por pouco tempo.
Regressam com um trio de temas, começando mais uma vez pela aventura de 2017 com a dreamy “Don’t Know Why”, e um par de temas de Souvlaki: a quase acústica “Dagger”, com Neil Halsted a focar todas as atenções e com o seu tom definido e algo folk a contrastar com “40 Days”, bem mais noisy e encorpada nos tempos que correm.
Um excelente concerto, a provar que certas bandas merecem regressar da campa, em particular quando se fazem acompanhar de novos registos de estúdio que, no mínimo, podem ser comparados com trabalhos anteriores sem corar de vergonha. As variadas projecções, raramente a repetir o truque, encaixaram que nem uma luva aos temas e proporcionaram um dos melhores concertos que tenho tido o prazer de assistir. Venham mais vezes Slowdive, certamente não ficaram a sofrer dos males da vida sozinhos.
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sexta-feira, 16 março 2018