Reportagem Suede em Lisboa
Depois de um excelente concerto no Optimus Primavera Sound de 2012, os Suede voltaram a Portugal (país que sempre os tratou bem, de onde gozaram de imensa popularidade) com disco novo na bagagem: Bloodsports, um daqueles discos de regresso (foi o primeiro registo novo em mais de dez anos) que foge à regra e não envergonha nem sucumbe ao peso de uma carreira de décadas. Bloodsports encaixaria facilmente na discografia da banda de Brett Anderson nos 90, quando os Suede estavam no seu pico, e mostra o grupo em boa forma, revelando dez canções que soam não tanto a uma desculpa para uma digressão e mais a uma banda que, depois de ter regressado em 2010, quer continuar uma carreira de forma relevante e criativa, assumindo o passado de olhos postos no futuro. E se o disco novo está ao nível que sempre tiveram, o mesmo se pode dizer da banda em palco.
Infelizmente, o presente não é generoso para os deuses do britpop. Foi um Coliseu a menos de metade o que os acolheu, com plateia minimamente composta mas bancadas vedadas, com um público composto em grande parte de quarentões entusiasmados e casais que quiseram reviver o passado. Poucos mas bons, sim, mas é triste verificar que a austeridade que se vive começa a influenciar a vida dentro e fora das salas de espectáculo; após o coliseu também a menos de metade que recebeu os Tindersticks, fica-se com a certeza de que a carteira dos portugueses não anda virada para nostalgias. A banda de Brett Anderson não goza da popularidade de outrora, e mesmo com um belo disco novo para apresentar foram poucos os que saíram para os ver. Noutros tempos, o cenário teria sido diferente.
A noite começou com os Teleman, britânicos com uma pop que tanto lembra os Belle & Sebastian como os Radio Dept, com a voz do vocalista a trazer à mente tanto um Roger Waters dos anos 70 como um Stuart Murdoch em início de carreira. Música agradável e, no geral, calma, com os teclados a unirem-se a um baixo minimalista (tal como a bateria) e linhas de guitarra simples mas eficazes. Só cativaram o público (completamente desconhecedor) mais perto do final, quando o vocalista brincou com o facto de ter uma folha com o alinhamento e outra com algumas palavras em português, num momento espontâneo de simpatia que faz sentido vindo de quem faz música também ela tão simpática. Os Teleman são isso mesmo: simpáticos, e nada mais. Para primeiro contacto (e que primeiro contacto arriscado que é, fazer a primeira parte duma banda), foram quarenta minutos que às tantas cansaram, mas que com sorte lhes ganhou alguns curiosos. Música bonita, para aquecer a noite.
Os Suede vieram meia-hora depois, quando o relógio já passava das dez, e tiveram um público que compensava em entusiasmo o que não tinha em número. Abriram com Pantomime Horse, clássico do disco homónimo (lançado há vinte anos) que os levou à ribalta, e de imediato ficámos com uma impressão que a noite só viria a confirmar: a banda continua em grande forma, e Brett Anderson devia dar aulas sobre como ser um bom frontman. Do primeiro ao último momento, o vocalista não parou; foi ao público várias vezes (a certa altura foi de um lado ao outro da plateia), saltou pelo palco, insistiu que cantassem com ele as músicas que sabia que toda a gente tinha na ponta da língua, e transmitiu em palco uma energia no mínimo impressionante para quem já tem 46 anos. Bajulação ao público? Não houve, os grandes não precisam disso. De que vale um “Obrigado” quando comparado com um vocalista que canta nos braços do público com um sorriso estampado na cara? Tanto tempo depois, Anderson continua uma verdadeira força da natureza (ou, neste caso, da música). Além da energia (foi mesmo absolutamente imparável), é de destacar também a voz impressionante que ao vivo espanta pelo poder que tem. Se Anderson canta em disco sem falhas, em concerto é ainda melhor; ao longo dos anos o tom mais agudo foi-se tornando mais forte, mais grave, e agora chega a deixar de boca aberta (“A voz dele é espectacular!”, oiço alguém dizer ao meu lado a certa altura) quem tem a sorte de ver Suede ao vivo. Um vocalista que é uma verdadeira lição.
O público, esse, rapidamente se rendeu. As três músicas que se seguiram a Pantomime Horse, retiradas do disco novo, mostraram-se bem conhecidas dos presentes, com o single It Starts and Ends With You a ser recebido como se de um verdadeiro clássico se tratasse, com braços no ar e letra cantada a plenos pulmões, perante um vocalista sorridente.
O quinteto (vocalista, teclista que também dá uns toques de guitarra, baixista e guitarrista) revelou-se, ao longo de cerca de hora-e-meia, como um grupo em excelente forma, não só pela forma completamente imaculada com que cada música foi tocada, mas também pela energia com que tal era feito; que dizer com Richard Oakes, guitarrista que passa todo o concerto balançando-se sobre si mesmo de olhos fechados, envolvido ao máximo nos riffs espectaculares que vai atirando? Em palco, os Suede continuam grandiosos, a adorar o que fazem como muitos com metade da idade e da carreira não conseguem.
Após uma incursão de três músicas por Bloodsports, a banda atirou-se de forma imaculada (com arranjos fiéis, mas pujantes, aos quais uma acústica impecável ajudou) a clássico atrás de clássico. Filmstar foi cantada por Anderson no meio do público, com Trash logo de seguida a ser um daqueles momentos arrepiantes em que sentimos estar a ouvir uma música que merece verdadeiramente o título de clássico intemporal, com um público de sorriso na cara e pulmões a dar o máximo. Animal Nitrate veio logo a seguir, e foi o mesmo.
By the Sea, com o vocalista a exigir ao público que cantasse com ele, foi também um dos momentos da noite, tal como Can’t Get Enough, meros exemplos das pérolas que a banda foi buscar ao passado. A noite assumiu-se como autêntica descarga de energia, e só a sequência baladeira The 2 of Us, Another No One e For the Strangers (quarta e última música tocada de Bloodsports, e talvez um dos melhores exemplos do quão bom o disco é) acalmou os ânimos, com o público em silêncio devoto a ouvir um Anderson calmo mas teatral, a cantar de joelhos mesmo na ponta do palco. So Young e em particular Metal Mickey voltaram a criar apoteose, pondo final de forma perfeita ao corpo principal do concerto, quando a satisfação da banda e do público já era tão grande que um coliseu não parecia grande o suficiente para a conter.
Pausa curta, e a banda volta ao palco para encore. “Nesta digressão estamos a misturar músicas antigas com músicas novas”, diz Anderson, numa das poucas vezes em que efectivamente falou ao público (prefere atirar-se a ele de braços abertos, saltar pelo palco, ou insistir que cantem com ele; já tínhamos dito que era um frontman genial?), explicando que “Para vos manter entusiasmados, porque se vocês estão entusiasmados nós também estamos, tentamos mudar um pouco as coisas e tocar algumas músicas de forma diferente. A próxima é uma que já não tocamos há muito tempo”. Seguiu-se She’s in Fashion, tocada em modo acústico, acompanhada por um público com emoção na voz e, acreditamos nós, uma lágrimazita no canto do olho. Momento tão inesperado quanto genial, que teve sabor ainda mais especial ao ter em conta que, efectivamente, esta é uma canção que os Suede têm deixado de fora da digressão.
Para terminar em grande, a óbvia e já esperada Beautiful Ones, talvez o maior clássico do grupo (ou, pelo menos, a sua canção mais popular), que foi o momento alto da noite não só pela música que é mas também pelo precalço que acabou por nos dar um momento genial: a guitarra de Oakes avaria, e Anderson começa a música na mesma, em modo acústico com o outro guitarrista na viola; a guitarra de Oakes volta do nada, e é feita em modo explosivo e perfeito a transição do acústico ao eléctrico, com a bateria a acelerar o ritmo (sempre sem pausas) e a banda a mostrar-se numa harmonia que só anos e anos de estrada podem dar. Incrível. Música cantada a altos berros, Anderson aos saltos duma ponta à outra do palco, sempre de olhos postos no público, e estava dado o final memorável dum concerto que nunca esteve abaixo disso.
Há regressos assim. Os Suede voltaram há três anos, depois de terem terminado em 2003, e não só lançaram um disco excelente como se mostraram ao vivo como absolutamente monstruosos, uma máquina bem-oleada que descarrega energia britpop que coloca sorrisos na cara de toda a gente que tem a sorte de a experimentar. Não se tratou apenas de nostalgia: tratou-se, acima de tudo, de ver em palco uma banda em topo de forma, que toca nos seus quarentas como se estivesse nos seus vintes (a voz de Anderson, aliás, é bem capaz de estar até melhor).
Sem falhas, os Suede deram um concerto de génio ao poucos privilegiados que se deslocaram ao coliseu para os ver, a figurar num daqueles tops que se faz no fim do ano (“Este ano já vi concertos muito bons”, dizem-nos à saída da sala, “mas este é bem capaz de ter sido o melhor”). Façamos agora figas para que regressem em breve, com sorte numa altura em que mais gente os possa ir ver.
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Organização:Everything is New
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sábado, 20 dezembro 2014