Reportagem Sunn O))) e Eagle Twin
Quem assistiu de livre vontade à primeira passagem dos Sunn (o “O” é mudo) por Portugal, em Março de 2006, estaria certamente ansioso por este regresso há muito anunciado. Nessa altura, promovendo o aclamado “Black One”, álbum que os consolidou como porta-estandartes do então emergente drone-metal, power-ambient, ou outra etiqueta indecifrável para quem deixou de ouvir música pesada na década de 90, terão deixado poucos dos que saíram da Casa da Música indiferentes ou, pelo menos, com os tímpanos intactos.
Terá sido talvez este o motivo da represália futebolística imposta na noite de terça-feira pelos portistas. Desta vez, o local eleito foi a LX Factory, antiga fábrica de fiação e tecidos, obrigando os devotos nortenhos a descerem à capital, ou mesmo a optarem por uma excursão a Vigo, como já vem sendo comum. O cenário industrial não foi escolhido ao acaso. Em concertos anteriores realizados em capelas e catedrais, o duo de Seattle composto por Stephen O’Malley e Greg Anderson ficou conhecido por fazer cair o pó do tecto com as vibrações disparadas impiedosamente pela “wall of sound”, a muralha de amplificadores, colunas e outros gadgets que sempre os acompanha.
Os primeiros a testar a resistência da estrutura foram os companheiros da editora Southern Lord, Eagle Twin. Outro duo, que se descreve como uma “águia bicéfala com tentáculos de polvo”, demonstraram durante cerca de uma hora como uma bateria e uma guitarra barítono são suficientes para desaparafusar as cabeças de novos e reciclados headbangers. “The Unkindness of Crows”, o álbum de estreia, faz recordar os inícios dos Melvins ou mesmo as aventuras mais recentes dos Harvey Milk, com os ouvidos postos no futuro.
Cortina de fumo para os mestres de cerimónia. Acompanhados por Attila Csihar, voz dos míticos black-metallers noruegueses, Mayhem, e Steve Moore, trombonista e teclista emprestado pelos Earth, banda chave na impulsão do movimento drone, os Sunn O))) rompem a tela com as primeiras descargas de som.
Senhores do estrépito infernal para uns, do bálsamo celeste para outros, impenetráveis, O’Malley e Anderson apontam guitarras ora para o Céu ora para as profundezas da Terra. Sacodem a plateia com os roncos furiosos de “Monoliths and Dimensions”, o mais recente trabalho que os demarcou ainda mais dos seus pares e que explora já territórios mais ecléticos, decorados aqui e ali por arranjos orquestrais e mesmo um coro feminino. No altar dos séculos, Csihar prossegue a reza em timbre profundo, qual lamento de Michael Gira nos tempos mais sofridos dos Swans, à medida que sentimos a sala a ser sugada pelo cosmos, rumo ao buraco negro.
Os tampões de espuma distribuídos pela organização poderão filtrar as frequências mais nefastas, até mesmo privar o ouvinte da experiência total, mas não impedem o corpo de estremecer, os cabelos de se eriçarem, a golfada de ar que se sente a percorrer a roupa. Talvez por isso, O’Malley, Anderson e companhia não dispensem o hábito de monge. Mais do que elemento cénico, será também uma boa capa protectora para quem há tantos anos resiste obstinadamente a este desgaste.