Reportagem Suuns no Porto
Foi na passada terça-feira que o Maus Hábitos acolheu o regresso à Invicta por parte dos Suuns, numa noite particularmente fria mas recheada de calor humano. Em digressão de promoção ao mais recente Felt, o grupo de Montreal reuniu uma casa muito bem composta, fruto não só das regulares visitas ao nosso país – onde se contam passagens por locais como a Casa da Música ou o festival Paredes de Coura- como da consistência e qualidade da sua discografia. Com quatro discos de originais, os Suuns têm cultivado, ao longo dos anos, uma sólida reputação como uma das mais entusiasmantes propostas de psicadelismo da actualidade, neste caso com fortes influências de kraut ou art rock.
Contudo, se há bandas cuja magia de estúdio parece desaparecer quando se apresentam ao vivo, os Suuns fazem de cada prestação uma experiência sublime da qual não queremos sair uma vez contagiados pelo seu encanto.
Pode parecer cliché usarmos a palavra viagem – quantas vezes a mesma não aparece em textos jornalísticos com o objectivo de descrever o efeito que determinados discos, filmes ou performances têm em nós - mas aqui revela-se não só útil, como praticamente obrigatória. Numa prestação bastante eficaz e com um alinhamento concentrado tanto em novidades (das quais “Baseline” e “Look No Further” foram alguns dos destaques) como num passado recente, o colectivo serviu-se de intensos contrastes -melodia versus ruído, energia versus introspecção – para instalar uma atmosfera soberba marcada por uma excitante imprevisibilidade que fez com que a nossa mente navegasse por locais de indescritível beleza, quase como se os sons que emanavam do palco adquirissem, neste contexto, propriedades alucinogénas e nos transportassem para uma realidade à parte do mundo físico que habitamos.
Ainda mais impressionante tudo isto se torna quando pensamos que, mesmo adoptando um registo orgulhosamente experimental, o concerto dos Suuns manteve-se constantemente coeso e nunca precisou de reencontrar o seu ritmo, provando que uma banda pode ser simultaneamente aventureira e inteligente no modo como interpreta a sua arte.
Para o sucesso desta actuação - que até com encore contou - muito contribuiu igualmente o ambiente intimista que o Maus Hábitos proporciona, que nos permitiu assim absorver estas ambiciosas malhas num maravilhoso clima de proximidade entre artista e audiência, como se as barreiras entre os dois fossem quase inexistentes. Todavia, seja numa sala pequena ou num espaço amplo, qualquer serão na companhia dos Suuns é sempre sinónimo de tempo bem passado -que regressem em breve para voltarmos a ser felizes.
Antes assistimos a uma magnífica apresentação de Vive La Void, projecto de Sanae Yamada, teclista e co-fundadora dos Moon Duo, que aqui abraça sonoridades mais próximas do synth-pop e mesmo da darkwave do que necessariamente do legado psicadélico que construiu com a sua banda de raiz. Recorrendo a um brilhante jogo de luzes que lhe cobria a cara e introduzia um ambiente soturno e misterioso, e a um conjunto de apelativas composições, assinou uma prestação verdadeiramente surpreendente, daquelas que ficam na memória muito depois de a testemunharmos. Noites assim, perfeitas do início ao fim, nem sempre são frequentes, mas sabem mesmo bem.
-
terça-feira, 06 novembro 2018