Reportagem Swans na Aula Magna
Swans Are...
Impossível não começar pelo fim. Os Swans que se apresentaram na Aula Magna são o perfeito produto das cinzas. Renascem e alimentam-se delas, para criar novas e abundantes colheitas.
Em inícios de 2010, a frase “Swans Are Not Dead”, publicada no site do grupo, confirmava os rumores de que o hiato artístico decretado há mais de uma década estaria para ser quebrado. Michael Gira, o mentor, não se aborreceu durante esse período. Através da Young God Records, lançou nomes agora quase requentados como Devendra Banhart, Lisa Germano, e Akron / Family, sucumbindo ele próprio aos tentáculos do indie-rock ao encabeçar o projecto Angels of Light.
Mas não terá sido a última passagem de Gira por Lisboa ou Leiria que deixou mais saudades aos seus fãs. Então, como explicar a boa afluência, “em tempo de crise”, numa sala que em breve receberá concertos de Patrick Watson, Aloe Blacc, Tindersticks e PJ Harvey? Mais de metade das cadeiras cheias para assistir ao ressurgimento de uma banda morta e enterrada, vinda confessamente para apresentar um novo álbum que nunca terá rodado mais de duas vezes no iPod da maioria dos presentes?
My Father Will Guide Me Up A Rope To The Sky é o móbil destes novos Swans, que surgem um a um sobre o feedback deixado a soar antes do início do concerto, lentamente, em pegajosas camadas de ruído sobreposto.
Phil Puleo e Thor Harris, a curiosa secção rítmica resgatada aos Angels of Light, são os primeiros a entrar. O primeiro, a personificação ambidestra da compenetração na bateria; o segundo, exuberante, qual divindade Asgardiana a abater a fúria do mjonlir sobre um arsenal de pratos, gongos e carrilhões de orquestra.
Junta-se-lhes a velha guarda, Norman Westberg e Christoph Hahn nas guitarras eléctrica e transversal, estes já veteranos dos tempos áureos dos Swans; e Chris Pravdica no baixo, a comprimir ainda mais o espaço na sala antes da chegada de Gira.
O início com dois temas novos – “No Words/No Thoughts” e “Jim” – não poderia ter soado mais familiar. Estes são os antigos Swans. Os Swans anteriores à elegância de Jarboe, em que Gira surgia em palco apenas com uma toalha enrolada à cintura, a desafiar tudo e todos, lei ou sexo, criatura ou criador. Ou os novos Swans, que já passaram por tudo isso, e que por eles terá também passado uma década mais branda, de menor ou nula ruptura musical, ou de simples revivalismo.
As maratonas do novo disco e mesmo alguns temas inéditos ("Avatar" e "The Apostate") são intercaladas por "I Crawled", de Cop, e "Sex, God, Sex", de Children of God, únicas memórias do passado, com o plangente solilóquio final, "JESUS CHRIST, COME DOWN!" a emudecer a plateia, receosa do aplauso.
É esse o efeito de Gira. Mais do que um maestro, é inflexível na forma como controla as emoções de quem assiste, intimidador ao exigir dos seus músicos os crescendos, suspensões, ou inícios abruptos e sincopados que contribuem para o clima irrespirável por que ficaram conhecidos os seus concertos.
Final e encore com “Eden Prison” e “Little Mouth”, ambas de My Father Will Guide Me Up A Rope To The Sky, com Michael Gira tão vigoroso como no início, um autêntico “Man in Black” que faria Johnny Cash tremer de cagaço e meter a viola no saco.
A banda que em inícios de carreira foi comparada a Howlin’ Wolf, pelo espírito inovador, e que influenciou projectos musicais do pós-rock ao dark ambient, ou mesmo ao sludge, regressou aos palcos para inventar tudo outra vez.
Quem esteve presente poderá pensar que, afinal, tudo pode ter começado aqui.