Reportagem The National em Lisboa
Foi a 11ª visita dos The National a Portugal. Por cá, já rodaram todos os festivais, praticamente todas as salas mais emblemáticas da capital (saltaram directamente da Aula Magna para o Campo Pequeno, sem passar pelo Coliseu), e têm uma legião de fãs ora nos seus vinte, ora nos seus quarenta (algo que se viu facilmente na MEO Arena), que os acompanham com uma devoção e um culto que, diga-se, a banda de Berninger tem merecido.
Se é verdade que nem todas as passagens tiveram saldo positivo, muitas delas foram verdadeiras epifanias. As expectativas, portanto, acabam por ser sempre altas.
Numa carreira sem tropeções, e com um rebentar que começou a ser anunciado com o genial Boxer e que surgiu com o magnífico High Violet, os The National que vimos na MEO Arena traziam na bagagem um sexto disco, Trouble Will Find Me, e uma postura e um espectáculo (magnífico jogo de iluminação, excelentes vídeos projectados em backdrop num ecrã gigante) que são provavelmente o mais perto que alguma vez estarão de ser uma banda de arena. Nesta digressão, que os levou pelas maiores salas pelas alguma vez passaram, a banda de Brooklyn chegou ao topo que se pode chegar por cá, tocando na maior sala da capital e fazendo-nos pensar no tempo que já passou desde que os adoramos e na forma como o crescimento foi progressivo, deixando-nos na mente a típica frase “Quem te viu e quem te vê”.
Infelizmente, e se é verdade que a carreira tem sido sem tropeções, Trouble Will Find Me é o que mais se aproxima dum; tanto ao vivo como em disco. Se este sexto registo está uns bons furos abaixo dos restantes discos da banda (exceptuando o primeiro, homónimo, geralmente ignorado pelos fãs e pelo grupo), sendo bom mas não excelente, a verdade é que foi neste concerto que sentimos na pele a qualidade inferior de canções como Hard to Find ou This is the Last Time, num concerto onde os momentos mornos foram mornos e os momentos bons foram não bons mas incríveis. Não terá sido a melhor passagem do grupo pelo nosso país (vimo-los a fazer melhor há três anos, num Campo Pequeno), mas este concerto número onze terá sido a definitiva confirmação de que a banda tem um conjunto de canções tão boas, nas quais os fãs devotos têm tanto investido emocionalmente, que bastam os trunfos do costume para que o concerto seja, como foi na noite passada, muito bom.
O público que tiveram à sua espera foi o maior que alguma vez tiveram em terras lusitanas, mas não o suficiente para esgotar uma MEO Arena que se ficou pelos dois terços, com uma plateia cheia mas bancadas algo vazias. Público que ia da adolescência à meia-idade, tanto nas bancadas como na plateia, e no ar uma ansiedade em ver (mais uma vez) em palco um grupo que sempre foi bem-recebido por cá, e que já por várias vezes disse que este é, efectivamente, um dos países em que mais gostam de tocar (e, no caso deles, não soa a graxa).
A recta inicial, com uma Don’t Swallow The CaP tão vertiginosa quanto bela a dar início às hostes, e uma comovente I Should Live In Salt a seguir-se e a criar momentum, desenrolou-se a roçar a perfeição. Foi de imediato à terceira música que atiram uma daquelas pérolas que leva qualquer fã perto das lágrimas: Secret Meeting, canção que antes era regular nos alinhamentos mas que se tem tornado uma raridade, retirada do tão amado Alligator. Primeiro murro no estômago da noite, a fazer-nos querer atirar flores para o palco, escrever-lhes cartas de amor, e que nos relembra bem o quanto adoramos de morte uma banda que, esta noite, não nos pareceu adorar tão de volta quanto costume. Pouco faladores durante a maior parte do espectáculo, interagindo verdadeiramente com o público apenas mais na recta final, o que vimos foi, efectivamente, uns The National que por vezes pareceram quase em piloto automático, entregando-nos de forma no geral eficaz um alinhamento ora certeiro ora morno, sem grandes palavras ou entregas de energia. Matt Berninger, vocalista que já por algumas vezes o vimos a cair em palco de tanta entrega que dá, está agora mais calmo e controlado que antes; acabou-se parte daqueles gritos vindos da alma que antes dava (mas tivemos direito a uma grande Abel), parte daquele cambalear em corcunda de microfone na mão que antes fazia, e se é verdade que a voz esteve mais segura que em outras vezes que o vimos, também é verdade que não houve tanto desta vez aquela entrega e aquele sentimento de “estamos entre amigos” que anteriormente se viveu nos concertos dos The National. Culpa duma sala demasiado grande para ser pessoal (o som, não excelente, esteve ainda assim melhor que o esperado) e duma banda que, em concerto final da digressão, por vezes nos levou a perguntar se estavam chateados ou entre eles ou connosco, tendo em conta a boa disposição com que antes nos brindavam e que ficou reservada desta vez mais para o final da noite. Essa parede entre público-banda foi desaparecendo gradualmente, em grande parte devido a uma recta final de concerto que contemplou uns The National seguros e contentes a tocar as músicas que sabem que, à partida, vão ser acompanhadas em coro. O público, esse, comoveu-nos pela voz baixa com que cantou About Today (que esta noite soou mais especial e incrível que nunca), pelo amor com que quase chorou na genial sequência que foi Slow Show (com o início agora em acústica e não em eléctrica, como antes tinha sido costume, numa versão mais próxima da original mas tão boa quanto a outra que antes tocavam) e Apartment Story, ambas pérolas retiradas da obra-magna que é Boxer, e que cantou a altos berros que ainda deve dinheiro ao dinheiro que emprestou naquela bela versão de Bloodbuzz Ohio que tão bem tocam ao vivo.
Estes grandes momentos, no entanto, tiveram pelo meio muitos outros momentos mornos. Num alinhamento que tocou o disco novo quase na íntegra, ficou-se com a confirmação que as canções novas não resultam tão bem nem em disco nem ao vivo, e que a banda por vezes não sabe alternar tão bem quanto deveria as pérolas do passado com este presente um pouco inferior. Existem, claro, excepções: Don’t Swallow the Cap abriu muito bem a noite, e Graceless, já mais perto do fim, revelou-se um dos melhores momentos da noite, tal como a incrível Sea of Love. Mas Demons mostrou-se como, de longe, uma das piores canções que alguma vez fizeram, e I Need My Girl prometia muito mas não deixou memórias. Hard to Find, tocada logo a seguir a Sea of Love, cortou o ritmo a sangue-frio. E temos de nos perguntar, no meio de seis discos e canções tão boas, o porquê de terem tocado Lean, canção não muito impressionante que saiu há poucas semanas e que fizeram para o novo filme da saga Hunger Games.
Se é verdade que em passagens passadas Portugal teve direito a pérolas incríveis, tocadas mesmo como quem diz “Raramente tocamos isto, mas vocês acompanham-nos há tanto tempo que vamos tocar só para vocês” (quem se lembra de Friend of Mine, no Campo Pequeno, ou de Driver, Surprise Me, no Porto?), o alinhamento que Lisboa recebeu não se aproximou dos melhores que a banda tem tocado, sem uma Geeser of Beverly Road ou uma Available, canções que foram espreitando na actual digressão, para lembrar um passado mais distante que o de uma Fake Empire (apoteótica, como sempre, e antes da qual Berninger aproveitou para agradecer ao público português todo o apoio que tem dado) ou uma Squalor Victoria (eficaz e energética). O alinhamento foi, apenas, o costume; e o costume para eles é, felizmente, muito bom, com os momentos certeiros a tornar os fracos meros apontamentos.
O encore, esse, foi perfeição, mesmo com um vocalista a queixar-se do facto de se ter esquecido de trazer a garrafa de vinho. Uma comovente Sorrow, seguida das óbvias e obrigatórias Mr. November (o mais perto que têm de um hino, com Berninger a fazer o típico passeio pelo meio do público) e Terrible Love (quando o épico se alia às lágrimas, cantada pelo vocalista de mão dada com os fãs das primeiras filas), músicas incríveis que queremos ouvir ao vivo mais 11 vezes. Terminaram como já se esperava: à boca do palco, em modo unplugged, a cantar Vanderlyle Crybaby Geeks, canção que põe fim a High Violet e que tem posto fim aos concertos. Momento incrível, com um público a cantar com a banda (ali tão perto), uma das mais belas e simples canções da banda.
Podemos queixar-nos do alinhamento nem sempre certeiro, da banda menos bem-disposta que o costume, e do triste facto de estarmos agora para sempre condenados a vê-los em salas de grande dimensão onde o intimismo das suas canções se perde um pouco, mas tudo isso acabam por ser ninharias perante aquele que foi mais um excelente concerto da banda no nosso país. Se já os vimos a fazer melhor? Sim, já. Mas isso não apaga de forma alguma mais uma noite dada pelo grupo que ficará na memória, em que mais uma vez mostraram ter canções tão boas que não precisam de muito mais que uma mão-cheia delas (faltam sempre tantas que queríamos ouvir, tantas) para que o concerto esteja, à partida, ganho. Portugal sempre os recebeu de braços abertos; que assim continue a ser. E que a próxima seja, rezamos nós, com um conjunto de canções novas que brilhem mais ao vivo. Apesar de as antigas, como bem vimos, atingem-nos sempre de tal forma que nem precisamos de mais nada para sair com um sorriso na cara um algumas lágrimas nos olhos.
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sábado, 20 dezembro 2014
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