Reportagem Tides From Nebula - Lisboa
O Embalar das Guitarras
Um concerto de Post-Rock é sempre algo de especial. Há uns que o são mais, outros que o são menos, mas é sempre algo que normalmente vale a pena; aquelas muralhas sónicas criadas pelas guitarras, aquelas baterias que criam tão bem um ritmo, aqueles sons que transportam o espectador onde o som diz tudo e a voz diz nada. O excelente concerto dado pelos Tides From Nebula foi, dentro dessa categoria, um dos mais especiais; dado por uma banda empenhada, com um bom álbum que ao vivo resulta surpreendentemente ainda melhor e com cada canção a ser um verdadeiro tiro no alvo. E foi, infelizmente, um concerto que merecia muito mais público que aquele que teve.
Foi um Musicbox com duas dezenas de espectadores ou menos o que recebeu a banda, que mostrou uma atitude verdadeiramente louvável e rara ao, mesmo com tão pouco público, tocar com um empenho e com uma entrega que falha a tantas bandas que esgotam coliseus e afins. “Queremos agradecer a cada um de vocês que veio. Não nos interessa se estamos a tocar para muita ou pouca gente, o que nos interessa é que vieram e estamos a tocar para vocês”, diz a certa altura o porta-voz (não têm vocalista, claro… afinal de contas, no post-rock não há cantorias). Tocaram para nós e fizeram-no muito bem. O início foi, por si só, poderosíssimo: Shall We, canção forte e de beleza enorme, onde o quarteto (dois guitarristas, um baterista e um baixista com um baixo de cinco cordas) criou uma muralha sonora de guitarradas transformadas em emoção que logo de imediato conquistou os poucos presentes. Um dos melhores inícios de concerto que vi em muito tempo; e, quem diria, não é que o concerto acabaria por ser todo ele assim tão bom?
O que se viu foi uma hora de música em que a banda fez desfilar os temas do seu primeiro e único trabalho até agora: Aura. Se já em disco eram bons, ao vivo são ainda melhores. Tocam com guitarras no ar, contorcendo-se pelo palco, de olhos fechados verdadeiramente envolvidos pelo que fazem e cada canção ganha ao vivo uma epicidade inexplicável. Veja-se Purr, por exemplo, que pega no espectador, o atira pelo ar e depois o faz pedir por mais. Não há nada, nada, mas nada igual àquelas guitarras com distorção e reverb ao máximo, contando entre si pequenas comoventes histórias onde um vocalista não faz falta. São raros os concertos assim.
Percorreram quase todo o seu álbum de estreia, com cada canção elevada e tornada ainda melhor. O que dizer de momentos como Higgs Boson, que se em disco já dava vontade de abanar a cabeça, ao vivo dá vontade de abanar tudo o resto? E Sleepmonster, com aquela parte final a soar ao vivo como algo verdadeiramente transcendental? Há vários tipos de bandas post-rock e os Tides From Nebula são das que decidem insistir mais em acordes de guitarras bem definidos e construídos que propriamente em apenas criar mesclas de reverb e distorção a torto e a direito. O reverb e a distorção estão lá, claro, mas surgem apenas na altura certa, depois de uma cuidada construção por belas melodias que vai levando a vários clímaxes ao longo da canção. São meio God is an Astronaut meio Mogwai; directos como os primeiros, mas criando camadas como os segundos.
E depois há, claro, a tensão. No post-rock, nunca se sabe o que vai acontecer a seguir; sem algo tão claro como uma voz para guiar o ouvinte, nunca sabemos que mudança de ritmo vai surgir a seguir e sabemos bem que aquelas guitarras podem explodir a qualquer momento. Os Tides From Nebula não vão tanto por aí, mas criam ainda assim alguns verdadeiros momentos de expectativa, algo que foi mais visível em algumas das canções novas (apenas duas ou três) apresentadas pela banda. Uma, que usa teclado, terá certamente feito saltar alguns dos membros do pequeno público, por exemplo. E é esse não saber o que esperar que em parte consegue cativar tanto o espectador.
Os dois guitarristas e o baixista sabem bem o que fazem. Cada um com um painel de pedais à sua frente, vão cuidadosamente criando cada efeito na altura certa, com maior ou menos intensidade. É de louvar o uso de reverb no início ao vivo de várias canções, que criou alguns momentos verdadeiramente belos servindo também, claro, como boa técnica para distrair o público enquanto se afina rapidamente a guitarra. Tocam com guitarras no ar, fazendo headbanging, estando envolvidos pelo som que fazem da mesma forma que quem os ouve. Quando em Tragedy of Joseph Merrick, canção que seria a última não fosse a última canção inesperada, os dois guitarristas saem do palco e vêm ao público, juntando-se ao generalizado movimento de cabeça, tronco e membros que se verificava, poderíamos tê-los imaginado no meio da audiência, não fossem as guitarras. Momento esse que foi, aliás, um dos melhores do concerto; talvez só mesmo Higgs Boson ou Purr o possam ter superado.
Despedem-se e preparam-se para sair do palco, mas o porta-voz volta mais uma vez ao (único) microfone do palco: “Podemos tocar só mais uma? Há problema?”. Não houve e acabaram com uma das mais energéticas canções do set, a lembrar algum do metal que se faz por aí no seu riff directo e rápido. Um final forte dado por uma música nova que não está no álbum, digno de um concerto que foi nada abaixo de espectacular do início ao fim.
Tiveram um público pequeno quando na realidade mereciam sala cheia. Foi um dos grandes concertos agora deste final da temporada, um género musical ali em todo o seu esplendor, tocado com empenho raro. Os Tides From Nebula deram um verdadeiro espectáculo sonoro, que transportou quem ali esteve para um qualquer outro mundo, embalando os ouvintes com aqueles sons de guitarra que tanto envolvem e tanto contam; por vezes, chegou a ser emocional. Quem lá foi, sentiu-se honrado por ter feito parte do pequeno grupo que viu este grande concerto; quem não foi, com sorte quererá ir da próxima. Se houver justiça no mundo, da próxima tocarão numa sala maior, esgotando-a até.