Reportagem Tricky no Porto
Na noite chuvosa de 28 de Fevereiro, Tricky e os seus músicos aterraram no Hard Club, perto da ribeira do Porto, para um longo e, por vezes, doloroso concerto. Durante cerca de duas horas, Tricky soube testar a paciência do público, em mais uma passagem sem grande encanto pela invicta.
Falar da pessoa e obra de Tricky é sempre sinónimo de falar de uma das grandes instituições musicais de Bristol, os Massive Attack, onde o músico e produtor britânico se fez notar, antes de se aventurar a solo. O movimento trip-hop foi tremendamente popular em Portugal, por isso não é de admirar que Tricky actue em Portugal com bastante frequência, desta feita para apresentar “Ununiform”, último registo de 2017.
Dado o historial algo...inconstante do artista, não foi de admirar que o concerto começasse com o “pequeno” atraso de 25 minutos, mas onde as coisas até prometiam: “You Don’t Wanna”, tema de 2001 com traços de industrial, bem assentados no sample de “Sweet Dreams” dos Eurytmics, dava o mote para um serão bem agradável. Saltou-se para “I’m Not Going”, com o seu riff trepidante de guitarra mas onde ficou a faltar a voz de Oh Land, como é possível ouvir em Skilled Mechanics, de 2016. Ao terceiro tema da noite chegamos ao novo álbum, onde o refrão doce sem palavras (apenas murmúrios) fazem contraste com a negritude da guitarra e da bateria, que apenas marcam passo no resto da música. É, de longe, nos temas de “Ununiform” que Tricky parece estar mais inclinado a mostrar com prazer: seguiu-se “Armor”, onde a sua electro-pop negra a mostrar a falta de fronteiras sonoras que Tricky tão bem gosta.
Ao quarto tema, os pêlos por detrás do pescoço arrepiam-se um pouco: “The Only Way” é quase um tema gémeo de “Hell is Around the Corner” (possivelmente o tema mais popular da sua longa discografia), que faz uma brilhante ponte entre o passado e presente do artista, entre a inclinação do hip hop e trip hop do passado e as novas influências. Recuamos um pouco até 2013 e visitamos False Idols, através da bamboleante “Parenthesis”, mas não ficamos lá muito tempo, já que Tricky abandona o tema precocemente. E, aqui, começam reais os problemas com o concerto.
Se até aqui a presença vocal de Tricky nos temas era...ténue, e se o seu semblante (ou do pouco que se podia descortinar, dada a ausência de luz) parecia revelar um certo desconforto, as coisas ficaram bem piores. Durante cerca de 10 minutos (que pareceram 30 minutos), nenhum membro da banda surgiu em palco, até que os seus músicos lá apareceram, para interpretar a velhinha “Overcome”. Seria uma interpretação bastante ríspida de “When I Go” (tema que em estúdio nem chega a ter um minuto de duração), a abrir caminho para “Sun Down”, um dueto bem pesado e claustrofóbico, mas que mais uma vez fica compreensivelmente bastante aquém da sua versão em estúdio: com apenas 3 músicos de palco, a alimentação artística fica muito ao cargo das pré-programações e outros ajudantes tecnológicos. Ouvem-se as inconfundíveis teclas sintetizadas de “Nothing’s Change” (onde Martha brilha na voz), para logo “Here My Dear” marcar presença, numa versão bem mais rock do que a presente em estúdio. Finalmente Tricky sai do seu manto distante e agradece a presença do público, mas numa atitude..bom, à Tricky, decide tocar “Hell is Around the Corner”...e dizemos tocar, porque os instrumentos estiveram lá, as segundas vozes também, mas Tricky apenas assistiu, como se lhe desse algum prazer quase tocar o tema. O ambiente, era, pois, tenso, com bastantes olhares de soslaio e, claro, com um ou outro membro do público sempre a mandar aquela posta bem portuguesa.
Mas lá se voltou a “Ununiform”, onde o super dançável “Dark Days” com trejeitos bem indie pop rock arrancou bastantes aplausos, e onde Tricky parecia não querer terminar (os versos “When you go away/When you go again” ficaram gravados no meu crânio durante uns bons minutos). No final, alguma luz no que ia na alma de Tricky: voltou a agradecer e a explicar que estavam a ter alguns problemas técnicos, em particular as luzes. Altura para uma versão mais melancólica e lenta de “Doll Parts”, das Hole de Courtney Love, e para o excelente “Palestine Girl”, tema corrosivo que foi crescendo de intensidade à medida da sua execução. Os ânimos refrearam-se mais com “Running Wild”, um dos temas mais mornos do último registo, e propiciou-se um final caricato, com “Vent” a estender-se por uns bons largos minutos, a finalizar num mood bem mais pesado e com uma espécie de solo de bateria.
No final, banda abandona palco, no que parecia ser o final do concerto, já que Tricky parecia estar claramente desagradado com a noite. Mas...não, ainda havia concerto para dar, e portanto Martha ainda cantou à capela mais um pouco de “Vent”, para depois também Tricky e o resto da banda voltar ao tema um bom tempo depois, duma forma bem atabalhoada, num arrastar do mesmo ritmo, mesmas vocalizações, em algo que era difícil de perceber se era castigo, protesto ou parte do plano inicial. Um concerto repleto de alguns momentos interessantes, mas de muitos momentos baixos e difíceis de decifrar ou engolir.
Adeus Tricky, às vezes é complicado gostar de ti.
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quinta-feira, 08 março 2018