Reportagem Woven Hand - Lisboa
O Deserto aqui tão perto.
Noite ventosa em Lisboa, particularmente para as bandas da Sé, anunciando a chegada de uma das figuras mais enigmáticas do rock americano (leia-se “country alternativo”) das últimas duas décadas.
E que melhor data para celebrá-la do que a véspera do dia da Imaculada Conceição.
David Eugene Edwards, mensageiro do Evangelho, vem pregando a palavra dos áridos ventos do Colorado desde 1992, ano de fundação dos 16 Horsepower, multiplicando-se em vários projectos e colaborações, desde os Slim Cessna’s Autoclub aos franceses Noir Désir. Wovenhand, a mais recente encarnação do apóstolo, passara já por Paredes de Coura e Leiria, em 2005 e 2007, respectivamente. O último concerto fora uma celebração mais íntima, mas tão intensa que terá deixado água na boca a muitos dos que acorreram nesta noite ao Santiago Alquimista. Com o mesmo núcleo duro que o acompanha desde o início – a secção rítmica de precisão suíça, composta por Pascal Humbert no baixo e Ordy Garrison na bateria – Eugene Edwards apresentou “The Threshing Floor”, o álbum sucessor do mais contemplativo “Ten Stones”, acrescentando à formação um teclista e o irmão mais novo, como discreto vocalista de apoio.
Início com “Heart and Soul”, original dos Joy Division, seguindo-se uma reprodução praticamente integral dos seis primeiros temas do novo disco. “Sinking Hands” deixa já um sabor da quietude irrequieta de Edwards, que sacode freneticamente a cabeça como um Mustang excitado com a iminência do próximo feedback. “Threshingfloor”, “Raise Her Hands”, “His Rest” ou “Orchard Gate” são composições que espelham esta necessidade de reinvenção, que o fez sair do formato quase acústico que o levou a Leiria. Sobra ainda espaço para os ambientes, o noise, o delay, o conforto do manjolin (instrumento híbrido, que conjuga o banjo e o bandolim), mas também para épicas sequências de distorção de guitarra ou de frenesim tribal.
Seguiu-se um breve revisitar do álbum “Ten Stones”, com o tema “Kingdom Of Ice”, recuando depois até àquele que será provavelmente o melhor trabalho da banda, o irrepetível “Consider the Birds”, recuperando os clássicos “Tin Finger e “Speaking Hands”, este último rematado com um murro certeiro nos microfones.
Foram poucos os momentos em que Edwards não resistiu a levantar-se do banco em que esteve sentado durante todo o concerto, tremelicando a bota nervosa, para dar um pezinho de dança. Foram tantas as vezes em que a boca rasou de um microfone para o outro, entre o som saturado de rádio amador, a nitidez da sua dúvida celestial, ou simplesmente o eco vazio do fundo do poço. Para o fim, “Your Russia”, do álbum homónimo, antes de um encore iniciado com um tema a solo e encerrado em beleza com “Winter Shaker”. Os gregos Seven Seas Duet asseguraram a primeira parte, e o percussionista foi mesmo ajudando a banda em vários momentos do concerto, acrescentando um tom balcânico inebriante que não se via desde a passagem dos Secret Chiefs 3 por esta casa.
Longo e difuso é o legado de Edwards. Impenetrável, a sua mensagem. Talvez a resposta se encontre no enigma que nos foi proposto por um sábio, à saída do sermão: