Reportagem de Voivod no Porto
Tivemos a oportunidade de falar com Daniel Mongrain, mais conhecido como “Chewy”, ainda antes do concerto, numa conversa que em tudo fez adivinhar o ambiente incrivelmente positivo que se viria a sentir. O guitarrista dos Voivod falou do último álbum The Wake, sobre como é voltar às origens (ainda mais) experimentais de uma banda em constante inovação e muito mais.
Mesmo em 2018, assume-se o Metal, em geral, como um género musical escuro. E não se deixem enganar. De facto, 9 em cada 10 pessoas – estimativa conservadora – usava uma t-shirt preta, na sua maioria de bandas. Mas a “escuridão” acaba aí. É absolutamente impossível não sorrir com uma banda como Voivod em cima do palco.
A noite começou com os Nightrage que, infelizmente, vieram acompanhados de problemas técnicos. Alguma questão com a cablagem da guitarra do fundador Marios Iliopoulos fez com que o som fosse emitido de forma intermitente. Uma situação que se manteve nas primeiras três músicas. Desta feita, “Being Nothing”, “In Abhorrence” e “From Ashes to Stone” souberam a pouco e dificultaram o trabalho da banda fundada na Grécia que hoje em dia está sediada na Suécia. Depois de 12 anos sem vir a Portugal, e pela primeira vez no Porto, os Nightrage precisavam de fazer melhor para fechar esta tour da melhor maneira. A tour dos Voivod começou com os Maggot Heart como banda de abertura, trouxe os Nightrage ao Porto, e receberia de seguida os Bio-Cancer na última parte da tour. No entanto, a subida de ritmo só se sentiu verdadeiramente algures entre “Insidious” e “Affliction”, para atingir o cume mais tarde em “The Tremor”, do já longínquo ano de 2003. Da formação que nesse ano editou Sweet Vengeance, apenas se mantém Marios Iliopoulos, reflexo de uma banda que teve uma formação diferente em praticamente todos os álbuns que editou. O death metal melódico dos Nighrage, claramente influenciado por bandas precursoras do movimento nu metal, como Pantera, acabou por servir o seu propósito, criando – ainda que lentamente – ambiente para a banda canadense.
Falando de formações, o concerto dos Voivod começou precisamente com o mais novo membro da banda. Dominique “Rocky” Laroche, o baixista que substituiu o fundador “Blacky” no baixo em 2014. Com um riff que em tudo lembra Motorhead – particularmente a “Ace of Spades”- o concerto começou com um dos trabalhos mais recentes da banda, “Post Society” do EP de mesmo nome, datado de 2016. Instantes depois vê-se Denis "Snake" Bélanger pela primeira vez. A epítome do carisma cool que converteu milhares de metaleiros nos anos 80, ali à nossa frente. Com um colete de cabedal. Não poderia ser melhor.
Em conversa com Chewy, falamos da evolução dos Voivod. Nos 14 álbuns de estúdio dos Voivod, o modus operandi aparente ser a “constante inovação”, nas palavras do próprio. Começando pelo speed metal dos primeiros álbuns, passando pelas fases que se assemelhavam mais ao metal alternativo ou até a correntes mais mainstream, até à combinação idiossincrática de thrash metal e metal progressivo com uma vertente experimental extremamente latente, houve espaço e tempo para um pouco de tudo. A setlist, como não poderia deixar de ser, revisita esses espaços e tempos que consagraram os Voivod como uma das bandas mais respeitadas no mundo. É certamente possível afirmar que os Voivod não partilham o mesmo apelo mainstream que bandas como Megadeth, Metallica, ou até Annihilator. Mas há poucas bandas que tiveram uma influência tão grande e que são tão universalmente respeitadas – pode-se até dizer que são underrated.
De uma fase transitória, veio de seguida “Ravenous Medicine”. A música do icónico Killing Technology, foi muito mais bem-recebida que a que a antecedeu, provavelmente por ter sido mais facilmente reconhecida. Mais de 30 anos depois, “Snake” dá a mesma energia a uma sala praticamente cheia, transportando-a para 1987 – não fossem os inúmeros telemóveis a gravar o momento.
“Obsolete Beings” foi a primeira música do último álbum The Wake a ser apresentada. A música, que também é a primeira do álbum, estabelece o mote para o álbum: “Is there some use for mankind?”. Depois de uma alteração de ritmo e de um solo de guitarra absolutamente delicioso (pontos extra por manter o fator wow ao vivo), “Snake” faz a pergunta que traduz as dúvidas da banda. “Chewy” esclarece que é precisamente esse o objeto de análise do álbum, “o que estamos aqui a fazer” porque “coisa boa não é de certeza”. “Tudo é uma dúvida. Para onde vamos? A situação ainda é recuperável ou é tarde de mais?”
Logo de seguida veio “Technocratic Manipulators”, um dos inúmeros temas com influências hardcore punk bastante claras, particularmente habituais nos anos iniciais do projeto. A música, como os Voivod nos habituaram, é um desafio do status quo. Esse desafio parece ser, aliás, a melhor forma de os definir – sendo importante relevar que é mesmo muito difícil pô-los em qualquer caixa que não a de “gajos porreiros”. Esta abordagem é apenas um efeito residual das pessoas que compuseram a banda ao longo da história.
“Chewy”, com o seu olhar de gigante gentil e o seu sorriso plasmado permanentemente, conta-nos que o objetivo não é ser paternalista ou tomar uma posição de superioridade moral. Seja a abordar a forma como a humanidade abusa dos recursos disponíveis, a Guerra Fria, ou a fantasiar sobre outros mundos, o objetivo é apenas a “honestidade sem censura, pelo menos que seja consciente”. É apenas a “transposição das (nossas) preocupações para a (nossa) música”.
Pelo meio do reportório com “quase 35 anos” (palavras do próprio “Snake”), há tempo para revisitar temas do primeiro álbum War and Pain (“Voivod”), passando por Angel Rat (“The Prow”) ou Nothingface (“Into My Hypercube”), com um destaque compreensível para Killing Technology e o recentemente editado The Wake.
O último single “Iconspiracy” assentou como uma luva no meio do alinhamento. Captando a atenção de todos os fãs, deu lugar aos primeiros momentos em que se tornou palpável o quão especial são os Voivod. “Rocky” cumprimentava pessoas pelo meio das músicas; “Chewy” sorria e engajava constantemente com o público; “Snake” continua tão carismático como sempre, com a benesse de agora ter uma calma que vem com a idade; “Away”, provavelmente o membro mais calmo do grupo (pelo menos em palco), deixava a bateria falar por ele, e que eloquência!
Como não poderia deixar de ser, houve espaço para encore no fim. Os Voivod voltaram ao palco, acedendo ao pedido do público, para tocar “Overreaction”, mais um tema de Killing Technology.
Talvez seja caso para recorrer aos clichés e admitir: já não se fazem bandas como estas.
-
terça-feira, 02 outubro 2018