Reportagem Dead Can Dance em Lisboa
Passaram alguns anos. Desde 2005 que o coletivo australiano não dava concertos, tendo voltado ao ativo no ano passado, em que deram um espetáculo na Casa da Música, no Porto.
Ontem, no Coliseu de Lisboa, assistiu-se a um evento épico (esgotado há alguns meses) protagonizado pelos Dead Can Dance.
A primeira parte do espetáculo ficou a cargo das mãos (e dedos) do alucinante percussionista alemão David Kuckhermann. Durante cerca de meia hora pudemos ouvir algumas músicas do seu disco de estreia, The Path of the Metal Turtle, editado o ano passado. O músico, que nos conseguiu deixar de queixo caído com a sua performance, ainda aproveitou para se auto vender, dizendo que “se gostam da minha música, podem comprar o meu CD ali fora.”
Após uma breve pausa, chegam as 22h00, hora marcada para o início do concerto. Luzes apagadas e, debaixo de uma ensurdecedora chuva de aplausos, os Dead Can Dance entram em palco. Arrancam desde logo com a ritualista "Children of The Sun", do último álbum de originais, Anastasis.
Ao vivo, o coletivo é composto por sete pessoas, que de desdobram em tarefas (tocando vários instrumentos) e o apoio cénico para estes é pouco ou nenhum. Algo que não valia a pena, diga-se. Os DCD dispensam qualquer tipo de suporte visual. A força com que as músicas nos penetram a alma deixam-nos emocionados e perplexos com tamanha sonoridade apresentada.
Brendan Perry e Lisa Gerrard são, obviamente, os protagonistas dos DCD. Se, por um lado, Perry consegue deslumbrar com a sua voz poderosa e profunda, Lisa está noutro patramar. A sua maneira de cantar quase desumana, chegando mesmo a atingir um tom dolorosamente sério, consegue dar-nos umas valentes descargas de consciência. Uma voz estridente, angelical e flutuante.
Por esta altura já tínhamos percebido que o som do concerto estava magnífico. Todos os sons percetíveis, e isto, é algo que muitas vezes não acontece. O público, que esgotou o Coliseu, aplaude, música após música, permanecendo num silêncio absoluto quando algum dos dois vocalistas se chegava ao microfone. Bonito mas, acima de tudo, muito respeito
O alinhamento foi, em grande parte, baseado no formidável Anastasis. Se temas como o hipnótico "Agape", o oriental "Kiko", o neoclássico "Amnesia" e o sepulcral "Opium" mostraram a força de do último álbum, temas do passado como "Black Sun" ou o sublime "Cantara" fizeram as delícias dos presentes, com prestações irrepreensíveis, tanto de Perry, como de Lisa.
Não sendo particularmente comunicativos com o público, a tradicional canção "Ime Prezakias" foi introduzida aos presentes por Perry, dizendo-nos que “trata-se de uma canção grega dos anos 30, que significa algo como “sou um junkie””, aproveitando ainda para referir a crise económica mundial que se tem vindo a sentir desde há alguns anos, “graças aos governos, que não estão a fazer o que era suposto.”
"All in Good Time", numa espetacular interpretação de Perry, anuncia o final do alinhamento. Muitos e muitos aplausos seguidos da primeira despedida da noite da banda, que agradece a todos.
Regressados ao palco, os DCD presentearam-nos com quatro músicas: a belíssima "The Ubiquitous Mr. Lovegrove", como já referimos anteriormente; "Dreams Made Flesh", interpretado por Lisa Gerrard, num tema que gravou com os This Mortal Coil; a muito ovacionada "Song to the Siren", também regravado pelo mesmo grupo, aqui na voz de Perry e a canção final, a glorificante "Return of the She-King", numa bela performance a dois.
A mistura de estilos dos DCD tem sido fundamental para o seu desenvolvimento. É música gótica, é étnica, é medieval, mas também sombria. Místicos e cativantes, os DCD cruzam tradições tão diferentes como música pré-medieval, irlandesa, persa, oriental e uma camada forte de sintetizadores, com a ajuda de instrumentos tão peculiares e fascinantes como o yang ch’in e o bouzouki.
Assistimos no Coliseu a um dos mais belos concertos dos últimos tempos. Se nos parece que a banda se despediu com a sensação de dever cumprido e muita felicidade, dificilmente acreditamos que alguém tenha ficado desiludido com o espetáculo.
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Organização:PicNic
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sábado, 20 dezembro 2014