Gnration Open Day 2019
Como já é tradição, o gnration celebrou o seu aniversário com um evento de entrada gratuita que juntou música, instalações e atividades didáticas, numa iniciativa que funciona igualmente como uma amostra do tipo de oferta que o espaço recebe regularmente, convidando-nos a mergulhar numa programação excitante e moderna onde a arte e a tecnologia convivem para procurar novas linguagens criativas.
Caminhar por este recinto, outrora um quartel da GNR, revela-se uma experiência deveras enriquecedora: em praticamente cada canto encontramos algo que nos desperta a curiosidade, desde instalações como a do artista digital francês Maotik, intitulada Wavelengths of Light, até concertos como, por exemplo, o do baterista/percussionista João Pais Filipe. Figura conhecida do underground nacional, tem na bateria (e nos gongos que fabrica na sua oficina) uma magnífica plataforma de expressão artística, desenvolvendo um estilo idiossincrático apoiado num sublime tribalismo hipnótico. Não houve comunicação verbal praticamente nenhuma (apenas um tímido obrigado, quando tudo acabou), mas a música que se escutou no pátio exterior do gnration - uma inebriante coleção de sons tão vibrantes quanto misteriosos e ritualistas – falou mais alto e fez-nos viajar sem que tenha sido necessário abandonar o local onde nos encontrávamos. No final, após uma estrondosa ovação, João Pais Filipe voltou a sentar-se na bateria e tocou mais uma música; novamente aplaudido, deu por encerrada - agora sim - a sua prestação. Na nossa cabeça, todavia, permaneceu a tocar em loop – foi assim tão bom.
Por esta altura, quando olhávamos para o público, notávamos uma forte presença de crianças e adolescentes, o que constitui uma das grandes vantagens do evento - a oportunidade de introduzir as gerações mais novas ao universo da arte e, com sorte, deixá-las motivadas para nele se aventurarem. Tendo isso em conta, foi empolgante assistir ao segundo concerto da tarde, o da Escola do Rock Paredes de Coura, iniciativa desenvolvida pela Câmara Municipal da referida vila minhota e que consiste numa orquestra de jovens músicos, sob a direção do Space Ensemble, a estudar e a prestar homenagem ao rock e aos vários capítulos da sua história (assim como a referenciar, propositadamente ou não, o famoso filme de Richard Linklater).
Sim, o que temos aqui são “putos” a tocar covers, de AC/DC a Rage Against the Machine, passando por Arcade Fire, mas há algo de verdadeiramente inspirador no modo como o conceito é executado, talvez por nos saber bem ver um conjunto de miúdos a sentir paixão pela música e, sobretudo, pelo ato de a interpretar. Quem sabe se, daqui a uns anos, não veremos algum deles com a sua banda no palco do gnration?
A oferta musical da tarde terminou com a atuação do britânico Graham Dunning, num espetáculo intitulado Mechanical Techno. O conceito era particularmente intrigante - discos de vinil a rodarem sobrepostos, em loops bloqueados –, pelo que quisemos ver se o projeto resultava também na prática.
Mal mergulhamos na acolhedora escuridão da blackbox, a sala onde normalmente decorrem os concertos no gnration, assistimos a uma prestação genuinamente interessante e criativa, ainda que a reação por parte de alguns membros da audiência tenha sido ligeiramente fria e distante. Contudo, tal cenário acaba por ser compreensível: tratava-se da performance mais desafiante (no sentido de ser pouco ortodoxa) da tarde, pelo que não se esperava que reunisse consenso.
Ainda assim, aqueles que se entregaram emocionalmente a esta singular apresentação foram brindados com uma eficaz sessão de eletrónica exploratória, no início próxima do território do drone, eventualmente mais dançável e pujante; uma proposta original e que encaixou perfeitamente no espírito do gnration.
Finalizada a primeira etapa de concertos, seguiu-se a habitual pausa - um pouco longa, há que admitir, mas que nos permitiu não só descansar, como passear por Braga e descobrir o que a cidade tem para nos oferecer. Uma experiência que, de resto, faz todo o sentido: há uma relação clara entre o gnration e o espaço que o rodeia, relação essa que vai muito além da mera geografia e que se sente no orgulho da organização em dinamizar a região e promover os seus artistas locais (alguns chegam mesmo a criar e a apresentar aqui discos, no âmbito do programa Trabalho da Casa). No fundo, não só está o gnration em Braga, como Braga está no gnration.
Já de volta ao recinto, testemunhamos uma boa prestação dos Sensible Soccers. Em fase de promoção ao mais recente Aurora, a banda encantou quem a veio ver (e ainda eram muitos) com a sua eletrónica emotiva, sonhadora e de cariz psicadélico, profundamente carregada de uma doce melancolia que tão delicadamente se reveste de uma forte sensibilidade pop. Goste-se ou não daquilo que fazem, uma coisa é certa: este foi um concerto bem dado, por parte de um grupo que sabe muito bem aquilo que quer (continuar) a ser.
E o que dizer de AMMAR 808? Verdadeira revelação (o que não deixa de ser curioso, se pensarmos na posição de destaque que ocupava no cartaz), o produtor tunisino pegou na tradição musical do Magrebe e recheou-a de pulsantes batidas eletrónicas, colocando-a no século XXI sem lhe retirar os elementos que a tornam única. O volume estava elevado – demasiado até, houve mesmo quem tapasse os ouvidos -, mas foi contagiante olhar à nossa volta e ver tanta gente a saltar e a dançar, quase como se estivéssemos todos num after bombástico algures no Norte de África (só faltou uma banda completa para que a festa fosse ainda mais épica).
O melhor? Divertimo-nos, mexemos o corpo até não podermos mais, mas também absorvemos todo este riquíssimo legado musical; quem disse que uma lição de história tinha de ser aborrecida, ou limitada a uma sala de aula?
Já passava da uma da manhã quando a dupla Algobabez subiu ao palco para nos proporcionar uma rave de algoritmos – sim, isso existe - e delas dizemos o mesmo que dissemos sobre Graham Dunning: não agradou a todos, mas satisfez quem na sua peculiar fórmula encontrou encanto. Seja qual for a posição defendida, vimos, nesta noite, algo diferente a nível conceptual, algo extremamente vanguardista e que causa estranheza - porque é estranho, não há como o negar – mas que, convenhamos, não sai facilmente da nossa memória. Cabe agora a cada um decidir se esta abordagem é merecedora de admiração ou se é apenas diferente para assim o ser.Para nós está aprovada, ainda que o conceito seja um pouco mais impressionante do que a execução (que, todavia, não deixa de ser competente).
Pela altura em que o espanhol DJ K-Sets espalhava amor e felicidade com uma seleção da melhor música do Médio Oriente – e que divertido foi este set, até vimos boa gente a subir ao palco e a lá dançar –, já nos encontrávamos a refletir sobre esta aventura, sobre este dia que, apesar de longo, pareceu passar num instante, de tão entretidos que estávamos a arquivar belas recordações no diário da nossa mente.
Foi tudo perfeito? Não – o som, em certos momentos, podia ter estado um pouco melhor e faltou um nome mais “forte” no cartaz (como houve, no ano passado, com a Kelly Lee Owens). No entanto, podemos afirmar que sim, valeu a pena, e que sim, queremos regressar em 2020.Ate já, Braga!
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sexta-feira, 10 maio 2019