Reportagem Super Bock Super Rock 2019
“Meco, sol e rock ‘n’ roll”. Nas celebrações das suas bodas de prata, o icónico slogan do Super Bock Super Rock regressou, e com ele veio o caloroso sol do Meco. Depois de quatro anos pelos lados do Parque das Nações, o festival mais nómada do país trocou o conforto da cidade pela paisagem rupestre e idílica ao campismo da Herdade do Cabeço da Flauta.
Nestes seus 25 anos, o Super Bock Super Rock voltou a apostar fortemente num cartaz eclético, capaz de agradar a gregos e troianos, e os seus cabeças de cartaz assim o demonstravam: a pop alternativa de Lana Del Rey, Phoenix e o seu disco rock e o ora hip hop, ora trap de Migos.
O primeiro dia do festival era o de Lana Del Rey, mas não o foi. A norte-americana levou a que os bilhetes esgotassem num ápice, é certo, mas este dia 18 fez-se de tantos outros grandes concertos que a autora de “Born to Die” só seria mesmo aplaudida pela comunhão de devotos que passaram horas a fio ao sol para garantir os melhores lugares em frente às grades, e até nesses era notório o sentimento de desilusão.
O nosso roteiro de dia 18 arrancou no Palco EDP e na companhia de Marlon Williams. Homem cheio de ginga, o neozelandês regressou novamente a Portugal para promover Make Way for Love, e foi uma plateia curiosa aquela que se deixou ir em temas apaixonantes como “Pretty Boy” ou “When I Was a Young Girl”.
Momentos depois, foi a vez de Dino D’Santiago continuar o serão festivo com a sua sonoridade repleta de influências africanas capazes de deixar meio mundo a mexer. À boleia de Mundo Nôbu, e com uma plateia bem mais composta que Williams, celebrou-se em frente ao Palco EDP através de temas como “Tudo Certo” ou “Nôs Funaná”, com este último a contar com a presença do artista no meio do público, a festejar com todos aqueles que não arredavam pé da festa.
De certa forma, Marlon Williams e Dino D’Santiago foram como um aperitivo para a grande festa do dia. E quem mais poderia levar essa curadoria a avante do que os Jungle? Foi a terceira passagem do grupo britânico por Portugal no espaço de um ano, e para variar, soube tão bem como a primeira.
Mesmo que as compostas imediações do Palco Super Bock só pensassem em Lana Del Rey, o contagiante ritmo de dança assinado pelos Jungle fez com que estes caíssem imediatamente nas boas graças de todo o Super Bock Super Rock, algo nítido logo no arranque com “Heavy California”. E foi ao explorar o seu interessente cancioneiro, que mistura o universo da soul e do groove às modernices dos dias de hoje, que o Meco viveu o mais entusiasmante sunset de todo o festival, pelo menos julgando pelo vasto leque de sorrisos que por ali se registavam.
Para o fim, e como não poderia deixar de ser, “Busy Earnin” e “Time” fizeram-se ouvir, mas não houve especial receção perante alguns dos maiores temas de Jungle. Não que isso seja algo de mau, atenção; apenas significa que todos os temas foram acolhidos de forma igualmente curiosa e entusiasta, facto impressionante quando se tem em conta que metade da multidão possivelmente nunca tinha ouvido falar dos Jungle. Em suma, mais uma passagem em cheio por Portugal.
Se os Jungle conseguiram contagiar o Meco com todas as suas canções, o mesmo não pode ser dito dos The 1975. Se os primeiros têm canções de apreço fácil e rápido, os segundos exigem umas quantas voltas até se saborear a coisa nas condições. Mesmo assim, este grupo com o seu quê de boys band, conseguiu entreter uma plateia onde se avistavam uns quantos devotos para com a trupe de Matty Healy.
Depois de tímidas passagens pelo NOS Alive, e mesmo que ainda não gozem de um estrelato em Portugal idêntico àquele que se verifica por terras de sua majestade, os The 1975 já são meninos para aguentar o prime time de um festival, com o pop rock de “Chocolate” e “Love It if We Made It” a provarem o porquê de serem uma das mais mediáticas bandas britânicas no ativo.
Por falar em mediatismo, foi um Palco Somersby a rebentar pelas costuras aquele que recebeu o novo patinho feio da música portuguesa: Conan Osíris.
Muita foi a tinta que já correu para descrever o projeto de Tiago Miranda, e apesar de ser odiado por uns, é adorado por muitos mais, que cantavam “Borrego” ou “Celulitite” de trás para a frente com uma intensidade ao ponto de (quase) ofuscar a estrela da companhia.
Ainda não se percebeu ao certo aquilo que Conan Osíris faça, mas é inegável que o artista está a fazer história na música portuguesa; e para aqueles que ainda não se conformam para com esta premissa, é só procurar no YouTube como é que “Adoro Bolos” e “Telemóveis” foram acolhidos pelo público.
Depois de tantas ocasiões a passar por Portugal, os Metronomy já são de casa. Se a enchente no Palco EDP só por si não o comprovasse, o que dizer de utilizarem o nosso país como bode expiatório para apresentarem canções de um disco que ainda nem viu a luz do dia? É este o tipo de relação que se formou entre nós.
A electrónica com contornos indie de Metronomy é sinónimo de festa garantida por onde quer que passem, mas se juntarmos a irreverência do público português à mistura tem-se uma comunhão quase perfeita entre banda e público. E foi assim que aconteceu, dançando-se e sorrindo ao longo de uma hora que soube a pouco.
Mesmo que Metronomy Forever só seja lançado em Setembro próximo, a verdade é que os novos temas deixaram-nos curiosos e sedentos por ouvir o disco do princípio ao fim. Até lá, reviveu-se alguns dos mais belos emblemáticos e temas da banda, como “The Bay”, “Love Letters”, “The Look” ou “Everything Goes My Way”. Apesar de já lhes conhecermos bem as voltas, de frisar os novos arranjos destes temas, bem evidentes em “Reservoir”, provas de uma banda que não tem medo de reinventar constantemente.
“You Could Easily Have Me” colocou o ponto final em mais uma gloriosa passagem dos britânicos por Portugal. Depois de um dia repleto de concertos que transbordaram felicidade por todos os lados, ver Lana Del Rey seria um contraste tão agressivo que preferiu-se dar ‘skip’ à artista e regressar mais cedo para casa.
O segundo dia do Super Bock Super Rock foi uma sombra do dia anterior, pelo menos no que à afluência diz respeito. Porém, este esvaziamento levou a que tudo no festival ocorresse dentro das normalidades, especialmente no que aos acessos diz respeito.
Quando se chegou ao recinto, o vendaval Shame estava próximo de se extinguir, mas do (pouco) que se viu, era bem claro que a passagem do grupo britânico ima de vento em popa, com o seu post punk a suscitar os primeiros vislumbres do infame pó do Meco. Entre crowdsurfing e uns quantos mosh, é sempre bom ver bandas capazes de fazer jus ao nome do festival.
Apesar de àquela hora não existisse muito festivaleiro pelo recinto, grande parte dos corajosos que pelo mesmo deambulavam tiveram Capitão Fausto como o seu ponto de encontro. Afinal, são poucas as bandas portuguesas, a assinar na língua de Camões, que consigam mover tantas multidões, algo que certamente não fazia parte dos planos da banda quando se estrearam neste mesmo festival no longínquo ano de 2012.
Desde então, os Capitão Fausto cresceram e são uma das maiores referências no panorama musical português, com o seu cancioneiro a ser quase dialeto para todos aqueles que se reuniram no Palco EDP. Apesar da clara evidência nos temas que figuram A Invenção do Dia Claro, como “Faço as Vontades”, “Sempre Bem” e a terminal “Boa Memória”, percorreu-se um pouco de toda a carreira dos Capitão Fausto, desde “Santa Ana”, passando por “Maneiras Más” e, claro, o incontornável hino em que “Amanhã Tou Melhor” se tornou.
Se em 2017 os Capitão Fausto abriram para os Red Hot Chilli Peppers neste mesmo festival, ficou no ar a inquietação perante a relegação para o palco secundário e num horário ainda a roçar o diurno. Seja como for, a banda manteve-se fiel a si própria, assinando um dos momentos altos deste segundo dia.
Sejamos francos: poucos eram aqueles que sabiam quem Christine and the Queens era quando o seu nome apareceu no cartaz do Super Bock Super Rock. E por um lado, ainda bem que assim foi, ou a surpresa perante tal abalo não teria sido tão grande.
Mas o cenário antecipava algo bem diferente. No arranque, a frente do Palco Super Bock estava despida ao ponto de dar dó, e os curiosos que se iam juntando não aparentavam estar completamente confiantes da sua escolha. Para o efeito, Christine não foi de cerimónias e rapidamente soltou o melhor do seu synth pop para prender a ferros a plateia. E verdade seja que a mesma ficou vidrado no elaborado espectáculo levado a cabo pela francesa.
Entre uma vasta trupe de dançarinos e a vontade em deixar ponto assente que todos ali eram bem-vindos, Christine protagonizou um pequeno musical dentro de um festival, onde todas as canções eram acompanhadas por coreografias específicas e capazes de relatar diferentes histórias.
Descendo por múltiplas vezes junto da plateia, levando a mesma a juntar-se a si numa versão acapella de “Heroes” (David Bowie), a curiosidade perante qual a próxima cartada a sair das mangas de Christine era constante, e toda a distribuição era tiro certeiro, tal como todo o concerto. Certamente, uma das maiores e mais surpreendentes vitórias do festival.
Já há algum tempo que os Phoenix têm construído uma leal legião de fãs por Portugal, tornando-os num nome a ter em conta em qualquer festival, mas quiçá não ainda prontos para encabeçar um. Mesmo assim, o grupo francês foi o principal prato do dia 19 e, apesar de terem assinado um concerto competente, sentiu-se a falta de qualquer coisa.
O repertório dos Phoenix é chorudo ao ponto de contar com uns quantos temas emblemáticos, como “Liztomania” ou “1901”, mas nunca se sentiu uma total entrega por parte do público nem pela própria banda, algo que acusamos ao cansaço de uma extensa tournée. De certa forma, não houve um final em grande, mas uma certa descontração escondida em contexto de “é o último, vamos só aproveitar”.
Apesar de presentear o Meco com um alinhamento extenso, o jeito de operagem de pára/arranca nunca levou a que o ímpeto causado por belíssimas canções como “Entertainment” ou “Ti Amo” tivesse continuidade. E isto é algo preocupante quando se tem em conta que o registo quase disco dos Phoenix é quase adjacente à expressão “parar é morrer”.
Já perto do final, a descida ao público para cantar “If I Ever Feel Better” impediu males piores, levando a plateia a dar os primeiros vestígios de querer perder-se dentro da sonoridade amável dos Phoenix. Engane-se quem julgar que foi um mau concerto, de todo; simplesmente, na liga de headliners, estes Phoenix que se apresentaram no Meco têm mais probabilidade de lutar pelo meio da tabela do que propriamente chegar aos lugares de Liga Europa.
O palco principal do festival diria adeus através dos ritmos contagiantes de Kaytranada, cuja atuação tanto teve de DJ set como de Live. Até poderia ter sido o desfecho ideal para este segundo dia, mas esse acabaria por ter sido levado a cabo, momentos antes, por F.K.J.
A eletrónica de F.K.J. (French Kiwi Juice), alter-ego de Vince Fenton, é daquelas que nos deixa mais a querer balançar no mesmo sítio do que ceder aos seus ritmos e dançar pelo Palco EDP fora. A profundidade da sua sonoridade dá-se pela aposta numa loop station para manter uma vibrante linha condutora de vários instrumentos em simultâneo, como guitarras, teclados ou saxofones, tudo alienando a um hipnotizante jogo de imagens e de luzes.
Entre “Tadow” e “Waiting”, a entrada pela madrugada a dentro neste segundo dia do Super Bock Super Rock foi feita de forma exemplar, mas o cansaço eventualmente falou mais alto e levou a que nos retirássemos mais cedo, já cientes que o próximo dia seria o nosso último passado no Meco.
Desde 2016, depois do memorável concerto de Kendrick Lamar, que o Super Bock Super Rock destina sempre um dos seus dias às novas tendências urbanas, que é como quem diz hip hop ou trap. Para 2019, coube aos Migos encabeçar esse dito, e cedo se revelou uma aposta ganha, ou não fosse a adesão tanta ao ponto de (quase) esgotar o recinto. Mas não foi só destes géneros que se fez o dia.
A nossa passagem neste último dia do Super Bock Super Rock começou na companhia dos Superorganism, uma coletânea de miúdos que vão desde Inglaterra, Coreia do Sul, Austrália e Estados Unidos.
Apresentando uma pop repleta de influências de quem se apresenta como millennial, a sonoridade dos Superorganism tem o seu quê de videojogo, ou pelo menos, enquadra-se no colorido mundo da internet em que reina são os memes. Com o seu metro e meio, Orono Noguchi lidera esta frota de freaks and geeks, que presentearam o Meco com estes novos contornos pop 2019.
Foi preciso esperar até ao terceiro dia para se ter música portuguesa no Palco Super Bock, e quando a dita apareceu, deu-se um abalo de proporções épicas: Profjam chegou, arrasou e triunfou.
Tal como aconteceu com Slow J o ano passado, o rapper de Telheiras subiu do palco secundário para o principal, e mais do que justificou a promoção, dando um intenso concerto que para sempre ficará na memória do homem que dá pelo nome de Mário Cotrim. De “Tou Bem” a “Malibu”, passando por “À Vontade” dedicada e com direito à presença da própria mãe, e culminando com “Água de Côco”, nenhuma canção de #FFFFFFF ficou em falta, com o público a entoar todos os seus versos. Ainda nem se tinha chegado à hora de jantar e já se tinha a primeira grande vitória do dia.
Se na noite anterior ouviu-se a versão instrumental de “Tadow”, Masego tratou de lhe dar voz no dia 20. Mas não houve muito mais história sobre o concerto de Micah Davis do que este tema partilhado que o levou ao estrelato, ou não dominasse tanto o palco como o público de forma nata.
A combinação entre jazz e R&B dá a devida liberdade a Masego para que este seja um homem dos sete ofícios: há tempo para seduzir, de atirar palavras bonitas – e rosas vermelhas! – ao público, se assinar momentos de beatbox, dar um toque de trompete e mostrar que o flow lhe corre nas veias.
Mesmo que a forte maioria dos temas que apresentou no Super Bock Super Rock não fosse,na sua forte maioria, de total conhecimento do público, isso não impediu o mesmo de se divertir e de se deixar no ritmo e energia contagiante do jamaicano, visivelmente satisfeito perante tal calorosa receção e que viria mesmo a reentrar em palco para um merecido encore.
Se Masego ainda se encontra a dar os primeiros passos no universo R&B, o mesmo não pode ser dito de Janelle Monáe, ou não fosse a artista já uma das referências dentro do estilo.
Cinco anos após a sua última passagem por Portugal, Monáe trouxe o seu belíssimo Dirty Computer, disco rasgado de elogios e que conseguiu mesmo a proeza de ser nomeado como um dos discos do ano na última edição dos Grammys. Perante um trabalho tão condecorado, era necessário um concerto capaz de lhe fazer jus, e foi isso mesmo que Janelle Monáe trouxe ao Meco: uma mega produção pop, naquele que foi, sem sombra de dúvidas, o concerto mais vistoso ao longo de todo o festival.
Separado em diferentes atos, cada parte do concerto abordou um diferente período na história da artista que, a brincar a brincar, já tem uma mão cheia de anos de carreira. Todo o aparato por trás do espetáculo até poderia tentar esconder as fragilidades de Janelle Monáe ao vivo, como muito acontece no mundo pop, mas não; a norte-americana é uma artista completa, uma verdadeira estrela seja atrás do microfone ou por trás de elaboradas coreografias.
Para o fim, e depois de diversas mudas de roupa e discursos em prol da igualde de direitos, houve “Tightrope”, cujo funk contagiante certamente deixaria Prince orgulhoso.
O arranque do concerto de Migos deu-se com sucessivas explosões de fogo e pirotecnia. Mal sabíamos que tais aparatos seriam um pequeno presságio da quão incendiária seria a estreia do tripleto de hip hop norte-americano por Portugal.
Quavo, Offset e Takeoff, as estrelas da companhia, dominaram o público do Meco com distinção, não havendo ninguém a recusar os seus pedidos por mãos no ar, criação de moshpits ou que se saltasse como não houvesse amanhã. E claro, o público não em cumprir esses desejos com distinção, estabelecendo desde cedo uma total comunhão entre ambas as partes.
A espera pela estreia de Migos em Portugal teimou até acontecer, é um facto, mas valeu todos os momentos de espera – que o digam as quantas moças que foram apanhadas nos ecrãs desfeitas em lágrimas. Entre “Hannah Montana”, “Ric Flair Drip”, “Deadz” ou “Bad and Boujee”, o público era engolido perante tal estado de barafunda, com a intensidade do público português a surpreender a própria banda ao ponto de a mesma incentivar a que aquele estado caótico não abrandasse nem um pouco. E assim foi, do início ao fim, confirmando, mais uma vez, como é que o hip hop é uma aposta garantida neste festival.
Após três dias tão emblemáticos como o deste Super Bock Super Rock, exigia-se um desfecho em grande, e o mesmo deu-se através dos Disclosure. Repetentes do festival, tendo atuado tanto pelo Meco como pelo Parque das Nações, os irmãos Lawrence regressaram à Herdade do Cabeço da Flauta, desta feita em jeito de DJ set.
No papel até poderia estar que a dupla de irmãos iam apenas passar música, mas aquilo que se verificou foi uma visita por grande parte dos mais emblemáticos temas dos Disclosure, levando a festa a pernoitar noite dentro e a fechar a 25ª edição do Super Bock Super Rock com chave de ouro.
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sexta-feira, 02 agosto 2019