Reportagem Super Bock em Stock 2021
Já lá vão quase dois anos desde que o Super Bock em Stock invadiu a Avenida da Liberdade pela última vez. Por mais que não se queira, é praticamente impossível não mencionar o novo ‘suspeito do costume’ neste texto; afinal, a pandemia mudou as nossas vidas e privou-nos destas celebrações à música durante muito tempo. Demasiado, até. Mas dois anos depois, e com a adição de máscaras à indumentária, o Super Bock em Stock voltou.
Neste seu regresso, a música portuguesa nunca ecoou tanto pelo Super Bock em Stock como na edição deste ano. E isto não é necessariamente mau – nos tempos que correm, agendar artistas internacionais só por si é difícil, muito mais nesta altura do ano, e é inegável que a música portuguesa tem dado, nestes últimos anos, um salto olímpico no que à qualidade diz respeito. E foi na companhia das maravilhas entoadas na língua de Camões que a nossa noite começou, e logo em dose tripla.
Para começar, e num registo com o seu quê de aconchegante, a primeira paragem fez-se na Estação Ferroviária do Rossio e na companhia de Narciso, cujo registo ambiental e puramente instrumental ajudou os muitos curiosos a ambientarem-se novamente a estas vidas entre concertos. Mas se em Narciso muitos só molharam pé, em Sam The Kid & Mundo Segundo os mergulhos fizeram-se de cabeça, com Samuel Mira e Edmundo Silva a presentearem o Coliseu de Recreios com um alinhamento repleto de clássicos, com especial destaque para aqueles oriundos de Chelas, com “Sofia” e “Poetas de Karaoke” a soltarem as primeiras cantorias da noite. De regresso ao Rossio, Filipe Karlsson fazia com que muitos batessem pé ao som do seu indie rock contagiante e que caminha a passos largos para se tornar numa referência no atual panorama musical português. Isto se já não o é.
O nome forte da noite (festival?) era indiscutivelmente Django Django. E o quarteto inglês correspondeu às expectativas, presenteando Lisboa com um concerto com ‘C’ maiúsculo e que encheu as medidas a um Coliseu bem composto. Mesmo com disco novo na bagagem, foi necessário recorrer a temas fortes do passado, como “Tic Tac Toe”, “First Light” ou “Waveforms”, para levar o público português a perder a timidez e deixar-se consumir pelo ambiente festivo que os Django Django tanto queriam impor. E quando aconteceu, ninguém arredou pé.
Apesar de no cartório de Django Django não constarem êxitos suscetíveis de serem entoados em plenos pulmões, a riqueza de sonoridades em temas como “In Your Beat” contagiam qualquer um. E até os mais céticos a se converterem a estes ritmos britânicos alucinantes, não tiveram como contra-argumentar quando surgiu a badalada “Default”, principal cartão de visita dos Django Django e, como seria expectável, deixou o público em apoptose, quase como quem celebra o regresso à vida pré 2020.
Mudando de ares em direção ao Rossio, mas ainda com sonoridades oriundas da terra de sua majestade como destino, aguardava-se com grande expetativa a estreia dos Sports Team. Afinal, este supergrupo britânico fez as maravilhas junto dos críticos o ano passado com o estreante Deep Down Happy e em Lisboa, o mesmo foi acolhido de braços abertos.
O repertório dos Sports Team só por si fez as delícias de muitos, ou não tivessem os britânicos uma referência a Portugal em “Fishing”. Se não bastasse a euforia presente em temas como “Camel Crew” ou “Here’s The Thing”, a energia dos Sports Teams conquistavam qualquer um, com as suas múltiplas tiradas junto do público, desde singalongs ao som de Robbie Williams e da “Casinha” dos ‘nossos’ Xutos e Pontapés, a relembrar-nos do quanto sentíamos saudades desta união e boa descontração entra público e banda. E foi nesse embalo que há tanto não sentíamos que se guardou a máscara no bolso e colocou-se um ponto final no primeiro dia do Super Bock em Stock.
O sábado de dia 20 quis ameaçar com chuva no início da tarde. Felizmente foi chuva miúda e numa Avenida da Liberdade sedente por voltar ao ativo, muitos nem se equiparam para uma eventual molha.
Numa perfeita antítese desse quis ser de temporal, o Coliseu dos Recreios registava temperatura amena, quase de verão, na companhia de Benny Sings. Holandês de raiz, o músico indie caiu nas boas graças do público como tiro e queda, com canções simples, de gosto rápido e que entram no ouvido de forma fácil a secarem em dois tempos as poucas gabardines que indumentavam a sala. “Kids”, canção em jeito de dueto com o público português, retrata na perfeição o ambiente que se viveu na sala principal do festival de avenida: os de sorrisos de garotos felizes.
Por falar em garotos, e com a missão de visitar mais salas do Super Bock em Stock, mesmo ao lado, no Palácio da Independência, havia BISHPO, projeto de Domingos, Francisco e Manel dos Capitão Fausto. Chamamos-lhes pelo primeiro nome porque, ao fim de tantos anos, já são quase família, e a julgar pela lotação da sala, a família é bem numerosa. Neste projeto cuja aposta é o instrumental psicadélico, a originalidade destes três dos cinco de Alvalade flui por sonoridades reminiscentes de universos quase fictícios, seguindo a onda de Spira, o mundo de Final Fantasy X que esteve representado através da “Hymn of The Fayth”, logo a abrir.
Os Iceage tiveram direito a promoção de última hora, isto face ao cancelamento de Black Country, New Road. Todavia, as dimensões da sala mor deste festival levaram a que a imersão na sonoridade sombria desta banda da Dinamarca não se adivinhasse fácil, especialmente num Coliseu dos Recreios tão despedido de gente.
Seek Shelter, quinto disco de originais e com toque português – foi gravado em Lisboa, nos estúdios Namouche – foi o principal mote desta viagem dos Iceage a Portugal, com o pós-punk Elias Rønnenfelt e companhia, com traços de art-rock à mistura, a tingirem as paredes do Coliseu de negro e a abrirem portas a uma experiência imersiva e introspetiva. Porém, os ritmos mais contagiantes de Benny Sings e BISHPO, que ainda ecoavam na nossa orelha, não compactuavam com o estilo dos dinamarqueses e, como tal, fomos em buscar de algo que fosse mais ao encontro desse aconchego.
Avenida acima até ao Tivoli, sentia-se, na enchente da sala, que a expetativa pelo novo projeto de David Bruno e Mike El Nite - David e Miguel – era enorme. Se no papel, este casamento tinha tudo para correr bem, em palco, era como se a celebração a esta nova variante de música popular portuguesa assentava que nem uma luva. Cadeiras preenchidas? Nem vê-las, todo o Tivoli se pôs de pé logo nas primeiras instâncias de “Passadiços do Paiva”. Pouco depois, e não querendo deixar o melhor para o fim, pedidos nas filas da frente levaram a que “Inatel”, forte candidata a música portuguesa neste ano de 2021, aparecesse de rompante e que convidasse toda a sala a juntar-se numa cantoria em uníssono, naquele que foi facilmente um dos momentos do Super Bock em Stock deste ano.
Com o final da noite a caminhar a passos largos, pareceu oportuno finalmente apanhar uma boleia num dos tuktuks do festival. Para baixo, deixou-nos na companhia de Wet Leg e de um Rossio ao rubro, feito considerável quando a dupla britânica ainda só conta com dois singles no repertório, com “Chaise Longue” a deixar-nos a salivar pelos próximos passos deste promissor projeto. Já para cima, marcou-se encontro no Cinema São Jorge com Priya Ragu e a sua abordagem à pop moderna, na qual “Good Love 2.0”, single forte de 2020 e um dos temas na banda sonora do FIFA 21, foi o principal cartão de visita num passaporte que mereceu um carimbo de aprovação.
Colocando um ponto final no Super Bock em Stock, e em jeito de despedida, celebrou-se o regresso às noites de festivais ao som da parceria entre Moullinex e Anna Prior (Metronomy), num absorvente set de house que prendia qualquer um a fazer a festa pelo início da madrugada naquela discoteca improvisada na qual o Coliseu dos Recreios se tornara. Já tínhamos saudades destas noites de novembro.
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Organização:Música no Coração
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segunda-feira, 29 novembro 2021