NOS Primavera Sound 2022
Voltar a pisar o Parque da Cidade passados dois anos desde a última ocasião foi uma experiência emotiva. De março de 2020 até hoje, o mundo mudou e nós mudámos com ele. Felizmente, algumas coisas mantiveram-se inalteráveis e a união proporcionada pela música é uma delas.
Depois de trocas e baldrocas no seu cartaz, pelos motivos que tão bem sabemos, o NOS Primavera Sound de 2022 assentou em Nick Cave, Tame Impala, Beck e Gorillaz como principais atrações e a antecipação por estes e outros artistas, a par com o desejo de voltar à normalidade, levaram a que esta fosse a edição mais concorrida na história do festival. E os motivos para tal ficaram logo demonstrado no primeiro dia.
A entrada tardia pelo recinto coincidiu com os momentos finais da atuação dos Throes + The Shine, o trio português de rockduro (uma junção entre rock e kuduro). Mesmo assim, e fruto do pouco que se viu, ficou a imagem de dezenas de festivaleiros a saltar e dançar ao som de “Hoje é Festa”, celebrando-se o regresso não só ao Parque da Cidade, mas como também ao ambiente festivo proporcionado por um festival como o Primavera Sound.
Em ano de celebração dos 10 anos de Oshin, álbum de estreia, os DIIV provocaram a primeira enchente do Palco Cupra, com a própria banda, nas palavras do vocalista Zachary Smith a expressarem a sua surpresa para o feito. De facto, o harmonioso indie rock, com contornos de shoegaze, da banda de Brooklyn é sempre uma melodia agradável de se ouvir, com “Under the Sun” ou “Doused” a arrancarem os primeiros headbangings do dia.
Ao longo dos anos que o Primavera já nos habituou às sobreposições de artistas. E em 2022, a situação repetiu-se e cedo, com Jhay Cortez e Sky Ferreira a disputarem as atenções perto da hora do jantar. Enquanto Jhay Cortez joga na 2ª divisão do reggaeton, Sky Ferreira foi a revelação do campeonato pop em 2013 com Night Time, My Time, mas desde então, pouco ou nada se ouviu falar da autora de “Everything is Embarassing”.
As nossas atenções acabariam por se repartir por ambos, começando com Jhay Cortez. A abrir o serão, e como manda a tradição do reggaeton, tem-se um DJset para começar a aquecer a plateia, com “Lo Que Pasó, Pasó” de Daddy Yankee a implementar cedo um pseudo clima de festa. O clima, esse, instaurou-se por completo com a ameaça tripla de “Fiel”, “Tarot” e “La Curiosidad”, com as labaredas expelidas em palco a representar bem a temperatura que se vivia pelo Cupra.
Num polo completamente oposto ao frenesim de Jhay Cortez, esteve Sky Ferreira no Palco Super Bock. Depois de um atraso de quase meia hora (!), cortando drasticamente o tempo de atuação da norte-americana que não pisava um palco há 8 anos, Sky Ferreira jogou contra o tempo – e os nervos - para compensar a considerável multidão que a quis acolher de braços abertos.
“24 Hours”, “You’re Not The One” ou “Nobody Asked Me (If I Was Okay)” foram algumas das poucas canções interpretadas até o concerto receber guia de marcha e terminar mais cedo do esperado. Uma pena, visto que depois do começo atribulado, o concerto de Sky Ferreira já se encontrava em crescendo.
Entre as bandas emergentes mais promissoras da atualidade, os Black Midi figuram, de caras, essa lista. O disco Cavalcade foi uma lufada de ar fresco no que ao rock experimental diz respeito e, naturalmente, a antecipação de os ter em solo português era enorme. Infelizmente, coube-lhes a fava de subir a palco à mesma hora de que Nick Cave, mas ao chegar-se ao Palco Behance, a enchente era considerável.
O quinteto britânico, talvez ciente da difícil tarefa em mãos, não se acanhou em soltar os temas vibrantes que os caracterizam, daqueles que ganham nova personalidade e contornos em palco. E o público, claro, não arredou pé e abraçou-as com unhas e dentes, causando a barafunda e o caos que já se tornaram intrínsecas àquele palco. Entre poeiras e crowdsurfs, os Black Midi provaram o porquê de todo o alarido à volta do seu nome e, seguramente, não tardará muito até os vermos novamente por Portugal.
Produtor, músico, autor, … Mura Masa, pseudónimo de Alexander Crossan, nasceu para estar envolvido no mundo da música, e nos últimos anos, muitas já foram as provas dadas que o inglês está aqui para as curvas. Antecedendo a Tame Impala, o serão electropop de Mura Masa fez por ser mais do que um mero warm up, com os ritmos contagiantes e eletrizantes de “Nuggets”, “Firefly”, “Bbycakes” ou “Lovesick” a arrancarem uns quantos pezinhos de dança pelo Palco Super Bock.
De segredo bem guardado no panorama alternativo com Innerspeaker até à revolução pop indiciada em Currents e aprofundada em The Slow Rush, os Tame Impala tornaram-se num caso sério de sucesso. E o seu concerto no NOS Primavera Sound veio solidificar a capacidade do projeto de Kevin Parker em encabeçar qualquer festival português de agora em diante.
Lançado em 2020, The Slow Rush, quarto disco de originais, seria o mote para marcar o regresso entre os Tame Impala e o público português. Todavia, a incidência no mais recente de Kevin Parker e companhia não foi a esperada, com a banda a apresentar-se em jeito de best of e a tocar um pouco por todos os lados de um dos mais entusiasmantes percursos na música feita de 2010 para a frente.
Para esse efeito, a distribuição dos brindes “Borderline”, “Mind Mischief”, “Breathe Deeper” e “Elephant” demonstraram a versatilidade do cancioneiro dos australianos, com esta última a abrir a porta para o início do mais fascinante jogo de luzes na edição deste ano do Primavera Sound. Mas se “Elephant” abriu a porta, coube a “Let It Happen” arrombá-la por completo, com o halo gigante que sobrevoava os Tame Impala a soltar todo o tipo de feixes luminosos em todas as direções, sempre meticulosamente coordenadas ao som de todas as notas deste tema mor de Currents.
Com “Feels Like We Only Backwards” e “Eventually”, abraçada com tal entusiasmo que nos fez mesmo questionar desde quando é que a canção passou a gozar de tanta popularidade, a convidarem a singalongs em uníssono, o término da noite de Tame Impala chegava a passos largos, e teríamos ficado bem servidos se o desfecho tivesse sido ao som de “Runway, Houses, City, Clouds”, do bem conservado Innerspeaker. Mas quis o encore que “The Less I Know The Better” e “New Person, Same Old Mistakes” dessem o ar de sua graça e fechassem com chave de ouro, escondida no meio de tantos confettis, uma das melhores autuações dos Tame Impala em Portugal. Dificilmente se poderia pedir um melhor final para este primeiro dia do NOS Primavera Sound.
O segundo dia do NOS Primavera Sound foi o único dos três a não esgotar. Todavia, este foi também o dia com o cartaz mais eclético, o que facilita a que se encontre música para todos os gostos. E no nosso caso, essa começou bem cedo no Palco NOS ao som de Beach Bunny.
Com um indie de dupla faceta, ora pop ora rock, a sonoridade dos Beach Bunny é, em muito, semelhante àquilo que se espera de um projeto indie descontraído americano, com canções de gosto fácil e pouco tempo de cozedura. O elemento diferenciador do quarteto americano manifesta-se pelo doce e jovial tom de Lili Trifilio, cuja pequena estatura foi uma antítese de como a frontwoman dos Beach Bunny rapidamente cresceu em palco e deixou o público à sua mercê. “Prom Queen”, tema popularizado no TikTok foi, naturalmente, o momento mais celebrado de uma hora de concerto que passou a voar.
Do Japão para Inglaterra e de Inglaterra para o mundo: eis Rina Sawayama. Entre o pop e o R&B, Sawayama, disco de estreia, foi considerado como um dos melhores álbuns de 2020. Dois anos foram mais do que suficientes para que as efervescentes primeiras filas do Palco Cupra demonstrassem que a lição estava bem estudada, cantando sempre em alto e bom som as canções de Rina, desde “Comme des Garçons”, passando por “Snakeskin” e culminando na festiva “LUCID”, esta última com direito a celebrações com a bandeira de Portugal no ar.
Mesmo em horário diurno, ver Slowdive é sempre refrescante. Suave e reconfortante como a brisa que se fazia sentir na altura, o shoegaze da banda de “Allison” já é um velho conhecido do NOS Primavera Sound e, tal como nas ocasiões passadas, assimilou-se de forma natural junto do clima do Parque da Cidade.
Desde que os Slowdive regressaram ao ativo que a banda de Reading não tem parado de justificar o seu regresso, com o sucessor de Slowdive, de 2017, a estar aí à espreita. Porém, o final da tarde remeteu-nos para toda a história dos Slowdive escrita até hoje, de Just for a Day a Pygmalion, sem esquecer o muito acarinhado Souvlaki. Aliás, as maiores manifestações do público deram-se ao som de “Allison” e “When The Sun Hits”, bem guardadas para o final e acolhidas de braços abertos pelo público do NOS Primavera Sound.
Fazendo jus ao nome, King Krule foi rei, e senhor, do segundo dia do Primavera. Depois da sua última passagem por Portugal, no Festival Paredes de Coura, ter tido honras de headliner, desta feita coube ao britânico tocar num palco menor, mas a adesão em frente ao palco demonstrou desde cedo que a antecipação era grande. “Perfecto Miserable” e “Alone, Omen 3”, as primeiras da noite, foram a calma antes da tempestade, fazendo jus ao lusco-fusco que se vivia pelo Porto. Mas foi quando a lua se prendeu no céu que o rock escuro e sujo de Archy Marshall se apoderou da noite e arrastou-a para o seu mundo sombrio, com os rasgos de voz em “Dum Surfer” a distinguir o real do irreal.
A rouquidão no sotaque de Southwark de King Krule é já uma imagem de marca de Archy Marshall, assim como as dimensões que as suas canções ganham quando tocadas em palco, como “Rock Bottom” e “Tortoise”, tornando-se mais intensas e vorazes do que as suas versões em estúdio; cruas, para quem preferir. Mas ao mesmo tempo, há também uma delicadeza no dedilhar das guitarras de King Krule, onde homem e instrumento se interligam para interpretar a emocionante “Baby Blue”. Para o fim, e quando já nada o fazia prever, Archy regressou a palco para um encore de estrela única: “Out Getting Ribs”, primeiro grande hit de King Krule.
O nome dos Rolling Blackouts Coastal Fever é quase tão longo como o poderio do seu repertório. A sonoridade da banda australiana não é musculada de artimanhas vistosas, e é precisamente aí que reside o seu segredo: canções indies simples e eficazes. De certa forma, este quinteto indicia viver à letra a premissa de que o menos é mais, e com o passar dos anos, muitos são aqueles que já se deixaram conquistar pelos Rolling Blackouts Coastal Fever, tal como a enchente durante Beck confirmou.
Canções que se interligavam entre si, de “Talking Straight” a “French Press”, deram o mote para um concerto que nunca perdeu rumo nem gás, isto graças a um alinhamento que não fraquejou. É sempre difícil bater de frente com os cabeças de cartaz de qualquer festival, mas felizmente para muitos que os Rolling Blackouts Coastal Fever superaram a tarefa sem grande dificuldade, com a parte do suor a ficar reservada para o irrequieto público que não arredou pé de início ao fim.
Passaram 14 anos desde o último encontro entre Beck David Hansen e o público português. A numerosa plateia em frente ao Palco NOS indiciava uma vontade em colocar um ponto final na saudade deste reencontro, mas daquilo ficou no ar a ideia de que foi Beck o mais inconformado.
No papel, a fórmula parecia infalível, com um alinhamento em jeito de best of. Efetivamente, a seleção dos 27 temas que encontraram o seu caminho até ao palco do Primavera pouco deixaram a desejar, tendo passando um pouco por (quase) todos os 14 (!) discos da carreira sempre eclética de Beck. Porém, a rapidez com que eram emitidas do palco levou a que degustação por parte do público levasse o seu tempo, salvo raras exceções como “Dreams” ou “Morning”.
De forma a evitar o risco de que a reticência do público a começar a dar lugar a desinteresse, Beck fez bom uso de alguns trunfos que tinha em mãos, nomeadamente através de “Night Running”, emprestada aos Cage The Elephant, e “Everybody’s Got to Learn Sometime”, esta mais dedicada à comunidade cinéfila admiradora do Eternal Sunshine of the Spotless Mind. O verdadeiro trunfo, o game changer da noite, seria a inevitável “Loser”, principal ponto de referência na carreira de Beck e cuja qual, passados quase 30 anos desde o seu lançamento, continua a surtir o mesmo efeito do que em 1994.
Coube aos 100 Gecs a atuação mais caótica do dia, mas aqui o termo não é empregue com uma conotação negativa. O caos do projeto de Dylan Brady e Laura Les é proveniente dos sons estridentes da sua pop electrónica e autotune descontrolado, provocando sons destrutivos e na corda bamba entre o efusivo e destrutivo. Como tal, e seguindo o convite das colunas à beira do estouro, a enchente no Palco Super Bock exorcizou a alma e vibrou na companhia de “Hey Big Man”, “Stupid Horse” ou “Doritos & Fritos”.
Ao terceiro dia de festival, a falta de ritmo por festivais levou a que já se acusasse um certo cansaço no regresso a estas andanças. Mesmo assim, e por mais cansaço que se concentrasse pelas pernas, a certeza de que a noite ficaria marcado pelo regresso dos Gorillaz, só por si, já revitalizava qualquer um. Mas este dia, teve muitos outros pontos de referência. E o primeiro, cantou-se em português.
Dar o pontapé de saída num dia de festival pode, na grande parte das vezes, ser uma tarefa ingrata, visto que muitos são aqueles que ainda nem chegaram ao recinto. Mas para David Bruno, o Palco Super Bock encheu-se de gente para receber, em alto e em bom som, o cantor romântico 2.0 de Gaia. E claro, tal afeto foi devolvido em duplicado por David Bruno, entertainer de excelência que, durante quase uma hora, abriu o seu livro de contos e peripécias para explicar o porquê de ser o rei disto tudo.
“Mesa para Dois no Carpa”, “Bebe & Dorme”, “Com Contribuinte” ou “Inatel” (sem Mike El Nite, infelizmente), foram apenas algumas das narrativas que trouxerem entretenimento, boa disposição e muita ginga a um dos concertos mais aplaudidos deste terceiro do festival e, sem ser exagero, uma das mais agradáveis surpresas no NOS Primavera Sound. Isto, claro, aos olhos de quem ainda não conhecia David Bruno.
Como um solarengo dia de junho sabe melhor na companhia de um gelado, Helado Negro veio mostrar ao Palco NOS o quão refrescante e saborosa consegue ser um folk com recheio de influências latinas para adoçar o apetite. Doce de ouvir e bonito de interiorizar, as melodias de Roberto Lange proporcionaram um ambiente pacífico e reconfortante, capaz de levar a que muitos alcançassem, por momentos, uma paz de espírito com tal embalo aconchegante.
Em três dias de festival, nenhum concerto esteve tão perto da comunhão entre artista/público do que aquela que se viveu em Pabllo Vittar. Não foi preciso muito tempo para se confirmar que a presença da icónica drag queen brasileira no cartaz do NOS Primavera Sound foi uma aposta ganha, com o desfile de canções de Pabllo Vittar a instaurar um ritmo de festa contagiante pelo Palco Super Bock.
Se em palco, a drag queen fez-se acompanhar por uma mão cheia de bailarinos, fora dele eram centenas os admiradores acérrimos que não arredaram pé nem por um segundo para vibrar junto de Pabllo Vittar e do seu electo-brega que, de há uns anos para cá, é presença assídua nas playlists das discotecas de Portugal inteiro. E, efetivamente, foi à boleia desses hits, como “Corpo Sensual” e “KO” que a festança se fez.
Little Simz, nome artístico Simbi Ajikawo, é um dos mais empolgantes nomes no panorama do hip hop britânico, com Sometimes I Might Be Introvert a ser coroado, por diversos meios, como um dos melhores discos de 2021. Perante o alarido em torno do seu último álbum, o Palco Cupra encheu-se para receber Simbi, e a britânica não poderia pedir uma melhor estreia em Portugal, assinando um concerto sólido e folgante.
Na companhia da sua competente banda e de um jogo de luzes vibrante, Little Simz entregou-se ao público do Primavera através das suas rimas cheias de energia e dos seus beats vibrantes e empolgantes. “Speed”, “Offence” e “Boss” foram tiros certeiros, empolgando a vívida plateia e, diríamos nós, a conseguir ainda conquistar os céticos e os curiosos deste furacão britânico. Para estes últimos, e se uma hora de concerto não foi suficiente, a conversão total deu-se com “Venom”, cujo poderio fez tremer o chão do Parque da Cidade.
No papel, o estrelato do último dia do Primavera era dividido entre Interpol e Gorillaz, com a repartição dos holofotes a estar muito mais inclinada para estes últimos. Mesmo assim, e com o peso aos ombros de antecederem a banda mais esperada do festival, os Interpol foram fiéis a si próprios, cumprindo com o que lhes era esperado sem nunca arriscar.
O arranque foi promissor, com “Untitled”, “Evil” e “C’mere”, temas de Turn On The Bright Lights e Antics, a fase de ouro dos Interpol e onde davam provas de ser um dos mais promissores nomes do post punk que vingava na altura. Contudo, para além dos devotos à banda americana, as canções da banda americana surtiam pouco efeito pelo preenchido anfiteatro em frente ao Palco NOS, ficando no ar que já eram muitos aqueles que guardavam lugar para Gorillaz.
Não primando pela interatividade junto do público, os Interpol foram lentamente entrando em modo de voo, apresentando canções que apesar de deterem muitas histórias, como “Obstacle 1” e “The Heinrich Maneuver”, esta última a recordar os tempos de Morangos Com Açúcar, a falta de entrega quase levava a que passassem despercebidas. Só mesmo perto do fim, e recorrendo aos momentos finais de “PDA”, é que o público escreveu ‘presente’ e lá se manifestou através de palmas galopantes, arrastando-as inclusive para a despedida com “Slow Hands”.
Ano após ano, o NOS Primavera Sound tem cimentado a sua posição como um festival que acolhe todos os estilos de música, e o reggaeton, como já fora comprovado com Jhay Cortez no primeiro dia, não foi exceção. Neste último, o estilo latino teve em Bad Gyal o seu representante. Mas o cartório de Alba Solé não se restringe apenas às sonoridades popularizadas em Porto Rico: bebendo do EDM e do dancehall, Bad Gyal construiu o seu próprio caminho para se tornar numa referência da pop espanhola e foi essa a premissa que veio mostrar ao NOS Primavera Sound.
De 2018 para cá, que é como quem diz desde a sua última passagem por Portugal, e logo no mesmo festival, Bad Gyal lançou o EP Warm Up. Do mesmo, “Judas” ou “Pussy” foram alguns dos pontos de passagem, mas foi através dos seus principais hits, cujas letras estavam na ponta da língua dos acérrimos fãs nas primeiras filas, como “Hookah”, “Flow 2000” e “Nueva York” que Alba causou verdadeiro impacto. Contudo, para alguém que se quer afirmar no rígido mundo da pop, o recurso (excessivo) ao autotune, a falta de um espectáculo cativante ou a indiferença perante um público claramente investido fizeram com que de Espanha não tivesse chegado um bom casamento. Para o final, e como não poderia faltar, “Fiebre” fez-se ouvir para rapidamente ser dançada e celebrada, mas as verdadeiras celebrações aconteceriam instantes depois no palco ao lado.
Dificilmente será possível falar do NOS Primavera Sound sem uma referência a Gorillaz - sim, a referência é para a história de todo o festival. Para a geração que cresceu na primeira década dos anos 2000, os Gorillaz não se restringiam às suas canções. Numa altura em que o YouTube ainda era uma miragem, era na MTV que se acompanhava os videoclipes de Gorillaz e as peripécias de 2-D, Noodle, Russel e Murdoc, aguardando com ânsia por um novo single e consequente continuação das histórias do quarteto animado. Fazendo parte da essência daquilo que são os Gorillaz, foi com ânimo que o NOS Primavera se colou aos ecrãs do Palco NOS para rever os vídeos que marcaram a sua infância, como nas inaugurais “Last Living Souls” e “Tomorrow Comes Today”.
Se a participação dos Gorillaz-versão-animada era quase certa, Damon Albarn puxou dos galhardetes para surpreender com a sua lista de convidados de luxo: depois de encabeçar o festival no dia anterior, Beck voltou a pisar o Palco NOS para “The Valley Of The Pagans”, Little Simz juntou-se para uma destrutiva “Garage Palace”, Bootie Brown foi recrutado “Stylo” e “Dirty Harry” e Fatoumata Diawara encantou em “Désolé”.
Com o concerto a caminhar a passos largos para o seu final, houve ainda tempo para um último convidado especial: Posdnuos, um terço dos De La Soul. E tal como esperado, “Feel Good Inc.”, um dos mais icónicos temos dos Gorillaz, levou o público do NOS Primavera Sound a reviver os seus tempos de infância e celebrar ao som das linhas de baixo que em 2005 catapultaram o projeto de Albarn para as luzes da ribalta. Pouco depois, as inconfundíveis notas da melódica de “Clint Eastwood” serviram de mote para dar a noite por terminada e só não o foi feito com chave de ouro pela falha total de som nos segundos finais. Mas não foi isso que privou Damon Albarn e o seus Gorillaz de terem sido os grandes vencedores deste NOS Primavera Sound. Eles, e nós.
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quarta-feira, 22 junho 2022