Super Bock Super Rock 2022
A 26ª edição do Super Bock Super Rock foi organizada em três dias. Tal, naturalmente, obriga-nos a uma certa benevolência perante certas falhas - e nós temo-la. Todavia, benevolência não significa caridade - e se quisermos ser francos e imparciais, sem cairmos no erro de servilismo, há que notar que esta edição merece mais críticas do que elogios.
Sobretudo devido à confusão dos horários – talvez o mais importante para quem vai a um festival ouvir música e não apenas desfilar uma toilette. Aconteceu, mais do que uma vez – como, por exemplo, com Jungle Dj Set ou Rui Vargas –, haver concertos previstos para a madrugada que, sem aviso prévio, aconteciam a outras horas. Tanto a Press – beneficiada porque a partir de certa hora lá recebia os horários finais na sua sala – como os festivaleiros andaram às aranhas todo o festival. Nas redes sociais oficiais eram, no mesmo dia, publicados horários diferentes – levando à situação bizarra de, entre grupos de amigos, se discutir qual deles seguia a versão oficial. Afinal, o que é que acontecia? E a que horas? E em que palco? “Foi organizado em três dias, dá um desconto”, dirão. Desconto, sim, devia ser dado a quem pagou o bilhete e se viu obrigado a lidar com este caos. Se a organização não tem culpa, os festivaleiros também não.
Ainda, a incapacidade do staff para auxiliar. Apesar da boa vontade, este parecia, na verdade, mais perdido do que nós: só após algumas tentativas nos conseguiram explicar onde ficavam os palcos secundários, a sala de imprensa ou a zona VIP. Enfim, entre festivaleiros confusos e staff perdido, o festival parecia, em si, ter-se distraído de o ser. Uma enorme pena, uma vez que o Super Bock Super Rock foi o festival português a apresentar melhor cartaz.
Celebração da latinidade
Valeram os concertos que ainda apanhamos. Jungle, DJ Set, com a sua ginga de sempre. “Beautiful people” por todo o lado, um pôr do sol urbano, mas bonito, e muito boa música. Certamente, o sítio para estar àquela hora do festival. Dois, em palco, um com mais pinta do que o outro. Por vezes, lá arranhavam alguns dos seus ritmos mais conhecidos, mas a eletróncia que iam passando não trouxe à tona muitos clássicos (nem era de esperar).
Poucos minutos depois, A$AP Rocky. No palco principal, surge um gigante boneco cor-de-laranja, por insuflar, a entreter o público que o espera. O hype do público crescia a par do boneco, cada vez mais insuflado. Finalmente temos festival, parece. Entra, de saia esverdeada, A$AP Rocky, dando um choque elétrico ao público – finalmente acordado. Afinal há festival! “Doja” faz especial sucesso. Braços a abanar por todo o lado. Gente com vontade de explodir, sente-se. A$AP ganhou. Toca “Sundress”, pessoas sorriem e descontraem, contrastando com o ambiente violento proporcionado por “Doja”. Pouco depois, para culminar, “Everyday”, proporcionando talvez o melhor momento do seu concerto. Não fosse estar a competir com o melhor do mundo e A$AP Rocky tinha dado o melhor concerto do festival. Não deu.
Sai-se de A$AP e desce-se para o Palco Somersby, onde a dupla David & Miguel já estava de motor ligado. Acompanhados por Marquito – na guitarra – e António Bandeiras – no entretenimento e mesa de mistura –, David & Miguel são talvez as mais preciosas pedras da música portuguesa contemporânea. O que cantam é o país: as suas entranhas, a sua alma romântica, a sua latinidade manhosa. São, talvez a par de José Cid, quem melhor leu o país e conseguiu ser feliz a convertê-lo para música. Românticos, por isso, os seus concertos – este especialmente. David Bruno, sempre muito gentil para o seu público, estava-o especialmente no Super Bock. O álbum rolou todo, tendo a música “Rosa” feito particular sucesso. Bandeiras, claro, brilhou. Entre o balancear sedutor da sua cintura, o seu cabelo fresh and clean e as calças latex brilhantes não sabíamos para onde olhar. Segurava uma rosa, que, durante o hit homónimo, pontapeou com amor para o público – apanhámos. Obrigado, Bandeiras, também te amamos. No fim do concerto, David Bruno desceu aos seus fãs – no qual o próprio se deve incluir, com razões – para cantar a “Inatel”, vivendo-se assim um dos melhores momentos do Festival.
Dia dois: ajoelhem-se a Tangana e não é para rezar. C. Tangana é um dos melhores músicos da atualidade. No seu álbum, El Madrileño, consegue a proeza de misturar eletrónica, funk, flamenco, cigana, clássica, reggaeton, samba e percussão – e tudo faz sentido. Não só faz sentido como é mel para os ouvidos. C. Tangana ama música. E nós, por também a amarmos, amamo-lo por inerência. Cabeça de cartaz do festival, a expectativa era muita. Um mar de gente encheu o palco principal para o ver. Calor, muito calor; leques, muitos leques – tudo ao estilo de Tangana. O concerto começa com um letreiro projetado, estilo Tarantino, a dizer “sin cantar ni afinar”. Cantou e afinou, claro. O palco era um autêntico cenário de filme, com mesas situadas tipo ilhas nas quais os dançarinos e cantores iam convivendo e bebendo durante o espetáculo, tal qual a sua famosa Tiny Desk. De fato azul-escuro e disparando alegria para todo o lado, Tangana levou o Super Bock ao lugar mais alto em que o festival esteve. Uma celebração de Espanha – e de toda a sua latinidade –, da vida – e de toda a sua alegria – e da comunidade cigana, representada em palco através de Ismael “El Bola”, que erguia a bandeira Romani. Como esperado, “Tú me dejaste de querer” foi a canção que mais enlouqueceu o público. Quanto a nós, nunca te deixaremos de querer, Tangana. Volta sempre.
Nota: Devido a doença do reporter não nos foi possível fazer a reportagem relativa ao terceiro dia.
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quarta-feira, 05 fevereiro 2025