Vodafone Paredes de Coura 2022
É bom ir de férias em Agosto! É bom ir de férias em Agosto, para ir ao Festival de Paredes de Coura.
Depois deste interregno forçado de 2 anos, o regresso a esta espécie de Meca da música alternativa em Portugal revestiu-se de um entusiasmo reforçado. Houve uma certa comunhão no público que afluiu ao festival. Um burburinho entusiasmado, direi mesmo até, excitado, uma curiosidade acesa, uma celebração da música, da natureza, das pessoas.
Gente gira e colorida de todas as idades e tamanhos. Mulheres e homens bonitos, sorrisos escancarados e boas gargalhadas. Pessoas pequeninas, como gosto de chamar as crianças que estiveram no recinto, na companhia dos pais. Petizes, que imagino, já terão um gosto musical refinado e eclético e umas playlists de fazer inveja a qualquer programador de rádio. Cortes de cabelo tipo mullet e muitos bigodes, que curiosamente ficavam bem nos seus portadores, seios de todos os tamanhos, feitios e idades, sem soutien, numa atitude não, libertária, mas libertadora, e sem dúvida sexy, foram uma tendência. Muitas tatuagens, umas boas e outras nem tanto. Muitos abraços!
Um festival ainda mais bonito como se notou na beleza da estrutura em madeira à vista que adornou a entrada, bem como, nas melhorias feitas nas zonas de descanso e alimentação. Um cartaz como sempre, eclético, com um espectro alargado de sonoridades e com muitas novidades. Desta feita atreveu-se um pouco mais a mergulhar nas paisagens sonoras do rap e hip-hop e no eletrónico mais purista, o que foi bem recebido pelo público, uma vez que esta foi a edição mais lucrativa do festival e também a mais cara.
O primeiro dia foi dedicado exclusivamente à música portuguesa. Uma celebração do que melhor se faz cá por casa. E faz-se tanta coisa e tão boa!
Desfilaram 22 bandas portuguesas desde as 14h00 até às 4h00 da manhã do dia seguinte. Um verdadeiro esforço de produção conforme destacado por João Carvalho num especial agradecimento aos técnicos que foram incansáveis para garantir toda a logística e produção. Uma oportunidade para divulgar a música portuguesa depois de 2 anos difíceis de pandemia.
Destaque para Club Makumba, o novo projeto de Tó Trips (guitarras), João Doce (bateria e percussões), Gonçalo Prazeres (saxofone) e Gonçalo Leonardo (contrabaixo) com a sua música experimental suculenta recheada de sonoridades com influência do Mediterrâneo e da África.
Destaque ainda para Samuel Úria, que desfilou canções do seu mais recente álbum “Canções do Pós-Guerra”, não esquecendo êxitos anteriores como sejam “É Preciso Que Eu Diminua” do álbum “Carga de Ombro” de 2016 e “Lenço Enxuto” do álbum “O Grande Medo do Pequeno Mundo” de 2013.
O cantautor ofereceu-nos 45 minutos das mais belas canções portuguesas, bem escritas, bem musicadas e muito bem interpretadas. Foi recebido com entusiasmo pelo público, que àquela hora já era uma pequena multidão e teve direito a ovações na despedida e pedidos de “só mais uma” que tão bem traduzem a satisfação do público com o espetáculo.
Samuel Úria despedia-se dizendo “Sejam felizes por estes dias”, “Aproveitem este sítio idílico e sejam carinhosos com os artistas".
Saía Samuel Úria do palco principal (palco Vodafone) e já se ouvia Rita Vian no palco secundário (palco Vodafone FM), com a sua voz leve e bonita e as suas músicas de fusão entre a matriz tradicional e sonoridades eletrónicas.
Rita Vian apresentou-se em palco de forma minimalista, apenas acompanhada por João Pimenta Gomes na eletrónica e com um cenário de fundo de cores monocromáticas. Um cenário simples e intimista que resulta muito bem em recinto fechado com as suas canções poéticas e íntimas, mas, que perde num palco de um festival ao ar livre.
O bom desempenho, a intensidade, o talento e até o entusiasmo estiveram lá, as letras poéticas e pungentes também, mas perdeu-se aquela excitação que vem sempre de uma interação mais efusiva do artista e de uma espécie de mise-en-scène mais impactante, que são tão importantes neste tipo de espetáculos.
Seguiram-se os muito esperados Linda Martini no palco principal. Já repetentes, deram o seu sexto concerto no Festival e foram recebidos com entusiasmo. Trazem na bagageira o seu novo álbum “Errôr” e é precisamente com a primeira faixa do álbum “Eu nem vi” que iniciam o concerto. Os músicos apresentam-se de negro e em fundo vê-se um ecrã com fundo branco onde escorre tinta negra.
O mesmo som, agressivo e contundente que nos habituaram e as letras viscerais. Desta feita com Rui Carvalho, aka Filho da Mãe, a substituir Pedro Geraldes o antigo guitarrista da banda.
Enfâse para os temas do novo álbum como sejam “Super Fixe” assente no discurso falado em diálogo relatado pelo vocalista André Henriques e “Taxonomia” que foram bem recebidas pelo público.
Lugar ainda para os temas mais antigos como “Boca de Sal” que protagonizou o moche nas primeiras filas do público, e “Amor Combate”. A chuva, apesar de não ter atingido as proporções das piores previsões, fez-se sentir, mas, não demoveu o público. Cláudia Guerreiro, a baixista, agradeceu ao público por aceitar a chuva. Na despedida os “100 Metros Sereia”. F#der é perto de te amar, se eu não ficar perto” acabou por ser o hino cantado por todos.
Foi sem dúvida um belo prelúdio para a banda que se seguiu no palco principal, Mão Morta.
Adolfo Luxuria Canibal já havia dito em entrevista anterior que os concertos de Mão Morta não são para ouvir os velhos êxitos, o tal repertório de confiança que deixa os espectadores satisfeitos sem correr riscos. Não! Para ele os concertos são para expor coisas novas, para mostrar as catarses dos artistas ao vivo, ver as várias interpretações viscerais no momento, quem quer OUVIR música deve ouvir os álbuns de estúdio num recanto confortável de sua casa.
E foi isso tudo que aconteceu. Foi a montra para o mais recente trabalho da banda “No Fim Era o Frio” lançado em 2019. Uma nova distopia pós-apocalíptica. Está lá tudo, o colapso ambiental, a sobrevivência dos humanos em pequenos bunkers “onde as pessoas sobrevivem dentro de fatos herméticos que lhes impedem o toque ou o beijo” e até encontros alienígenas.
E toda essa mensagem é transmitida pela teatralidade a que os Mão Morta nos habituaram ao longo dos anos. A spoken word é visceral, os gestos são catárticos, a raiva exprime-se. Sim! Um concerto de Mão Morta é também uma experiência cénica.
Desfilam as “canções”, se é que devemos chamá-las assim, deste álbum conceptual, contam as suas histórias, Adolfo é narrador e personagem das mesmas.
Referência para o tema “A Minha Amada”, uma narração explícita do ato sexual com a sua amada, no decurso do qual descobre que ela é um inseto gigante alienígena que vai acabar por devorá-lo e por fim cortar-lhe a cabeça, que nos transporta para uma realidade kafkiana e surge como metáfora de uma certa autodestruição. Que maravilha! No fim os Mão Morta despedem-se do público com um assertivo “Nos somos os cabrões dos…” pedindo ao público que grite o nome da banda terminando com “Ainda bem que sabem”.
Terminam os Mãos Morta e ouvem-se já os acordes de Bruno Pernadas no palco Vodafone FM.
Bruno Pernadas com a sua orquestra fazem música à qual ninguém fica indiferente, rica e colorida. Conjugam e misturam os mais variados estilos musicais desde o jazz, ao folk, o pop, clássica, à eletrónica, de forma brilhante. Muitos sorrisos e leves movimentos de dança foram constantes em todo o concerto.
E foi a vez de Sam The Kid no palco principal. Num concerto especial Sam the Kid apresentou-se acompanhado de orquestra e da “banda” Orelha Negra. Um concerto com muita evocação ao passado. Ouviram-se histórias antigas, os primeiros amores na adolescência, as suas primeiras oportunidades no mundo da música, referências aos familiares especialmente ao avô que foi homenageado na cancão “Sangue”, acompanhada de projeção de imagens dos tempos de infância do músico. Um verdadeiro walk down memory lane.
Ouviram-se também os clássicos como sejam “Não percebes”, “Poetas do Karaoke” e “Tu não sabes” que foram acompanhadas pelo público. Lugar ainda aos convidados NBC e Mundo Segundo e claro, não podíamos deixar de referir o pai de Sam the Kid, Napoleão Mira, a quem coube a abertura do concerto com a declamação de “Santiago Maior” canção que gravou com o filho em "12 Canções Faladas e 1 Poema Desesperado", datado de 2016.
Um concerto que, além de especial, foi também muito emocional. Sam the Kid partilhou nostalgia e assumiu-se emocionado com a energia do público. Muito respeito e admiração pelo músico, pelo seu trabalho e integridade e sem dúvida um concerto a recordar.
E no palco secundário, palco Vodafone FM, desfilaram ainda o Conjunto Corona. O duo de rap português brindou-nos com a sua música “colorida” e divertida. Prometeram “vamos fazer o melhor possível” quando foram entrevistadas para a antena 3 antes do concerto e assim foi.
Tocava ainda o Conjunto Corona já se ouvia Moullinex no palco principal. Running In The Dark” e “Dream On” marcaram o compasso de felicidade e movimentos de dança que se seguiram. Luís Clara Gomes confessou-se emocionado por pisar pela primeira vez o palco principal em Paredes de Coura e isso era visível no seu sorriso e na interação com o público. Destaque para os temas do seu último álbum “Requiem For Empathy”. Não faltaram os convidados, Afonso Cabral e Selma Uamusse, que cantaram os respetivos temas que gravaram no álbum, “Hey Bo” e Ngoma Nwana. Sara Tavares não pode estar fisicamente presente, mas apareceu em vídeo projetado durante a canção “Minina di Céu” do mesmo álbum.
No fim do concerto, Moullinex chama os convidados e os outros músicos portugueses que atuaram anteriormente ao palco e todos juntos cantam e dançam “Take My Pain Away”.
Muita música, muita dança e muitos sorrisos escancarados nas caras do público num concerto repleto de particular diversão e satisfação. Foi bonita a festa!
E o primeiro dia do Festival encerra com o Conjunto Cuca Monga no palco secundário. Este projeto que nasceu da colaboração de vários músicos conhecidos: Bispo, Capitão Fausto, El Salvador, Ganso, Luís Severo, Modernos, Rapaz Ego, Reis da República e Zarco é dos projetos mais criativos e interessantes do panorama musical português. Versáteis, criativos nas sonoridades e nas letras, foi, contudo, difícil apreciar condignamente o espetáculo dado o deficiente som de plateia.
17 de Agosto
No segundo dia do festival, dia 17 de Agosto, as atenções estavam centradas em IDLES e Beach House, os grandes cabeças de cartaz do dia.
IDLES fizeram jus às expectativas e deram um grande concerto, o melhor da noite. Um turbilhão de energia, um colosso. Punk, pós-punk, hardcore, chamem o que quiserem, rotular não interessa e os rótulos não são estanques.
Abriram com “Colossus” do álbum “Joy as an Act of Resistance”, de forma colossal, perdoem a redundância. As primeiras filas envolveram-se ativamente no “moche”. Os corpos moviam-se freneticamente acompanhando o crescendo da música até à explosão. Uma explosão de alegria e satisfação!
Seguiu-se “Car Crash” e “Mr. Motivator” numa contínua energia. A banda tem tudo, boas letras, interventivas e honestas, um som poderoso, bem como, uma atuação intensa ao vivo.
Joe Talbot, o vocalista, partilhou que aquele era o sítio favorito dele no mundo para tocar e nós acreditámos, até porque também é o nosso sítio favorito para estar. Confidenciou que durante anos, teve pavor da morte e de ficar sozinho algo que combateu com drogas, álcool e com os seus amigos. Andou perdido, mas encontrou no público dos concertos uma companhia e uma segurança. Disse “Agora, viajamos pelo mundo e sinto-me seguro nos vossos braços. O amor e carinho que me dão fazem-me sentir que posso morrer seguro". Foi um momento muito íntimo a reter.
Do alinhamento fizeram também parte “Divide and Conquer”, “Never Fight a Man With a Perm” no qual um dos guitarristas faz crowdsurf no público, “A Hymn” e “Danny Nedelko', sobre a imigração, um dos primeiros êxitos da banda.
O concerto termina com o tema “Rottweiler” em verdadeiro êxtase.
Após um intervalo de cerca de 1 hora chegam ao palco Beach House com o seu dream pop. A sua música é indiscutivelmente bonita, etérea, quase onírica e, claro, intemporal. A voz de Victoria Legrande é grave, absorvente e inconfundível, chegando mesmo poder ser a “imagem de marca” da banda.
Os Beach House apresentaram-se na penumbra, com as luzes de palco no mínimo, tornando impossível ver sequer os rostos dos elementos do duo. Tudo isto pareceu ter o intuito de criar uma atmosfera de mistério e glamour.
O concerto foi bonito e competente. Não houve arrojos de emoção, nem grandes interações com o público, mas este gostou do espetáculo tendo a maioria dos corpos presentes se balançado ao som da música durante todo o tempo. Referência para “Space Song” que protagonizou o momento mais emocionado com os espectadores a acenderem a lanterna nos telemóveis e acompanharem a letra em uníssono.
Referência também para Murder Capital, com o seu rock post punk que atuaram antes de IDLES, no palco secundário. Mostraram a sua energia e foram uma agradável surpresa para quem ainda não os conhecia.
Os Viagra Boys são, e foram em Paredes de Coura, desordeiros, satíricos, simultaneamente hedonistas e niilistas, como esperado. Apesar de tocarem muito tarde, 02h15, o público formava uma bela multidão para os ver. Sebastian Murphy é dado a um certo deboche teatral que lhe é característico. Apresentou-se sem camisa a mostrar a sua pança e ao desfilar no palco dizia “É a nossa segunda vez aqui no Porto, gostamos muito”. Ouviram-se comentários a inquirir se ele estaria mais bêbedo do que o costume ou seria mesmo ironia.
Referência para os temas “I Ain’t Nice”, “Just like You e “Troglodyte” que galvanizaram o público.
18 de Agosto
E ao terceiro dia do Festival continua o desfilar de bandas, de experiências e de afetos.
Donny Benét apareceu em palco. Figura estilizada, saída dos anos 80, que poderia ser encontrada num espetáculo em um qualquer cruzeiro, parecia ter um certo groove na alma. Paredes de Coura rendeu-se ao seu som post- disco, música feita no início dos anos 80, um som cheio de referências Boogie, Funk, Jazz e Soul mas com uso de sintetizadores, drum machine e baixo eléctrico.
O público dançou enquanto esboçava sorrisos de olhos fechados ao som de temas como “Moving Up”, “Ugly Motherfucker” e “Second Dinner”.
Divertido, agradável, um verdadeiro entertainer foi uma das agradáveis surpresas desta edição do Festival de Paredes de Coura.
Terminado o concerto de Donny Benét rumou-se ao palco principal para ver “The Comet is Coming”.
Que portento de som, foi sem dúvida, o concerto que mais apreciei. Uma mistura com pinceladas de Jazz, Funk, Rock Psicadélico e Eletrónica, que se traduz em verdadeiras obras de arte, sonantes, dançáveis, orelhudas sem, contudo, serem facilitistas. O trio londrino formado por Shabaka Hutchings, aka King Shabaka, no saxofone; Dan Leavers, aka Danalogue, nas teclas e Max Hallett, aka Betamax, na bateria, transportaram o público para o espaço sideral. Um concerto cósmico, quase uma experiência espiritual a quem ninguém ficou indiferente.
Do alinhamento no palco principal fizeram também parte os Parquet Courts e Turnstile.
Parquet Courts brilharam com o seu rock post-punk ou melhor art- punk para dar mais ênfase à sua criatividade e riqueza rítmica. Guitarra com distorção, bateria, baixo pulsante, teclas e vozes resultam em sonoridades fluidas e pulsantes.
O primeiro tema do alinhamento foi “Application/Apparatus” que imediatamente levou o público a iniciar o moche e o crowdsurf que se mantiveram durante todo o concerto. Referência também para os temas “Almost Had to Start a Fight” e “In and Out of Patience” com toda a sua energia e “Wide Awake” com toda a sua toada Funk.
Turnstile, a banda de Baltimore, causou impacto com o seu punk rock hardcore. Energia contagiante com aquela dose de agressividade catártica são os ingredientes principais das músicas de Turnstile sendo que, o seu último álbum apresenta outras sonoridades que conferem à banda também um tom mais melodioso. A banda, muito falada em todas as publicações de música actuais, deu um concerto irrepreensível. Talvez seja mais uma daquelas bandas em que daqui a uns anos possamos dizer “vi-os pela primeira vez em Coura”.
“Endless”, “Don’t Play” e “Real Thing” corresponderam a momentos de grande energia com moche no público. “Blackout”, “Holiday” e “TLC (Turnstile Love Connection)” e “Underwater Boi” do mais recente álbum mostraram um som mais eclético sem, contudo, perder a energia.
De seguida e a encerrar o palco principal, foi a vez de L’Imperatrice. Glamorosos e extravagantes, o grupo francês encantou e pôs o público todo a dançar. Sim, passou-se de punk rock para música de dança e ambos os espetáculos foram apreciados pelo mesmo público. Paredes de Coura tem destas coisas, um verdadeiro público eclético e curioso, que aprecia de forma transversal vários estilos e linguagens musicais, focando-se na criatividade, qualidade e abertura a coisas novas. Aliás esse mesmo público recebeu L’Imperatrice em ovação. Alguém comentava mesmo que eles foram recebidos como se de os Beatles se tratasse.
Vestidos de vermelho, adornados com um coração branco luminoso ao peito, o sexteto francês, brindou-nos com os seus ritmos disco, funk e toadas eletrónicas e letras cantadas na voz doce de Flore Benguigui.
Referência para os temas “Agitations Tropicales”, “Peur des Filles”, “Anomalie Blue”. Foi uma estreia em cheio, os nossos corações também ficaram iluminados!
19 de Agosto
Chegado o penúltimo dia do Festival, dia 19 de Agosto, mantém-se o desejo de alimentar a alma e a curiosidade pelas bandas.
Arlo Parks apresentou-se ao cair da tarde no palco principal. A premiada artista de 22 anos estreou-se em Portugal com um bom concerto que cumpriu as expectativas de quem já conhecia o seu trabalho e superou as de quem conhecia pouco. O seu concerto foi doce e acolhedor, com alma. As letras traduzem uma reflexão social e emocional. A voz tem um tom delicado e as sonoridades são ricas deambulam entre o Indie, R&B e Soul.
O tema “Hope” protagonizou o momento de maior interação com o público quando o som de plateia deixou de funcionar e os espectadores cantaram, a viva-voz, a canção com Arlo Parks
No palco secundário referência para ARP Frique & Family, outra agradável surpresa no alinhamento deste Festival, com o seu afro beat suculento e gostoso. A voz de Mariseya conjugada com os arranjos de guitarra, baixo, bateria e sintetizadores permitiram uma verdadeira viagem com enfâse no continente africano. “Nyame ye”, “Paa” e até um tema de Cabo de Verde cantado em crioulo foram canções que puseram o público a dançar.
Seguiu-se Ty Segall e a sua Freedom Band no palco principal. O prolífico multi-instrumentista não fugiu ao Rock’n’roll, deu um concerto pujante com muitos solos de guitarra, muita distorção, num alinhamento sem pausas.
No encerramento do palco principal esteve o duo francês The Blaze. Os primos franceses Guillaume e Jonathan Alric conjugam a música eletrónica com o vídeo.
A música começou antes do duo entrar em palco, uma junção de som de toada eletrónica e projeções visuais. No palco eram visíveis cinco ecrãs móveis que deambulavam em movimentos harmoniosos e passavam imagens que acompanhavam as melodias. O duo apenas apareceu acoplado à mesa quando os ecrãs se afastaram.
Na mise en scene de todo o espetáculo o protagonismo é dado à parte visual com a dupla a permanecer na penumbra, sendo que toda a atmosfera está envolta em música. Temas como “Territory”, “Places” ou “She” são ilustrados em cores quentes ou acompanhados por imagens de pessoas a correr na praia em câmara lenta e pessoas a dançar.
O público ouviu com atenção todas as melodias, saboreou as imagens e dançou até ao fim do concerto.
20 de Agosto
Dia 20, último dia do Festival foi marcado por uma grande afluência. Com um alinhamento que incluiu nomes como Princess Nokia, Slowthai e Pixies, o público foi deveras variado. Apareceram os roqueiros mais maduros, fãs fiéis do rock alternativo de Pixies e as gerações mais jovens.
Os Far Caspian proporcionaram o universo sonoro do entardecer no palco principal. Com o seu Indie Rock deram um concerto competente que iluminou o fim de tarde. Simpáticos e bem-humorados, tiveram uma boa interação com o público e mantiveram os espíritos em alta para os concertos que se adivinhavam.
Passavam pouco minutos das 19h era Xenia Rubinos que se ouvia no palco secundário. Criativa e eclética Xenia apresentou-se em palco envolta num tecido vermelho que, ao ser desenrolado com a ajuda do seu percussionista, deixa- a com um vestido claro como se de uma noiva se tratasse e partilhou de imediato a sua energia. Com canções poderosas e exuberantes, um pouco como ela, e sonoridades que vão desde o hip-hop, ao rock, ao funk e aos ritmos eletrónicos, não esquecendo também as influências caribenhas, Xenia Rubinos foi sem dúvida uma boa descoberta deste festival.
A festa continuou no palco principal com La Femme. O coletivo francês era muito esperado e não desiludiu. Abriu uma enorme pista de dança no auditório natural e proporcionou um bom momento do dia.
Seguiu-se Princess Nokia também no palco principal. Começou com muita buzina e o seu DJ em palco a passar êxitos dos Aqua: “Barbie Girl”, dos Vengaboys :“We Like to Party” e outros que tal dos anos 90. Quase que parecia um DJ de uma qualquer festa num vilarejo do interior português em pleno Agosto. Volvidos cerca de 15 minutos eis que entra em palco Princess Nokia. Sexy, ou melhor transpirando sexualidade, como esperado, apresenta-se de mangueira em punho aspergindo o público com água ao som de “American Woman”.
O tom desafiante e de empoderamento feminino já lhe é conhecido e parece entusiasmar o público. Com um alinhamento que incluiu temas como “Slumber Party” e “Gemini” divertiu o público. Princess Nokia confessou-se honrada por estar a abrir para Pixies e a seguir a “La Femme”. Um alinhamento que muitos considerarão um pouco anacrónico, mas que agradou ao público. No fim do concertou ouviam-se comentários da boca dos espectadores a dizer “Gostei de Princess Nokia”. Fiquei sem saber se o público estava a ser somente simpático e/ou a querer curtir tudo e receber com abertura o que lhe apresentaram neste vasto cardápio, o que não tem nada de errado, sublinhe-se, ou simplesmente era verdadeiramente eclético e saboreava uma miríade de paisagens sonoras com abertura e curiosidade. Estou deveras inclinada para a segunda hipótese.
Referência para Ives Tumor & Its Band no palco secundário. O músico é dono de uma discografia ampla e transversal a vários espectros musicais. Conotado com música experimental, como prova da sua enorme criatividade, os seus últimos trabalhos parecem trazer influências de Prince e David Bowie.
Ives Tumor foi um verdadeiro animal de palco, foi exuberante e entusiasmou. O guitarrista apresentava trejeitos à Jimmy Page e Ives Tumor vinha adornado com uma coquilha prateada. A minha amiga Barbara comentou: “entre uma coquilha prateada e uns dentes de ouro, não sei o que será pior”. Julgamentos estéticos à parte, Ives Tumor deu um excelente concerto, rock com sensibilidade pop, pinceladas R&B e um panache de um certo negrume estilizado.
Nota para os temas “Jackie” e “Kerosene” que incluíram crowdsurf do vocalista e guitarrista.
E o fim do dia e encerramento do festival teve como protagonistas Pixies no palco principal. A multidão incluiu muitos roqueiros maduros, fãs assumidos dos Pixies, mas também gerações mais novas que se renderam ao indie rock da banda.
Pixies é aquela banda que nos deixa entusiasmados com a possibilidade de os ver ao vivo. Anos a ouvir as suas músicas trazem sempre muita expectativa. Quem já os viu ao vivo sabe que dificilmente correspondem às expectativas.
Deram, como de costume, um concerto “competentezinho”, sem qualquer interação com o público, ofereceram um alinhamento corrido dos seus êxitos de uma assentada só. “Gouge Away”, “Debaser” e “Wave of Mutilation” protagonizaram o momento em que em que o entusiasmo inicial do público contaminou a banda. Posteriormente registou-se uma curva gradual descendente que culmina na mera execução dos temas. Não faltaram também “Here Comes Your Man”, “Hey”, “Where is My Mind”, temas que pelo seu êxito o público não pode deixar de celebrar e acompanhou em uníssono.
Não obstante, é sempre bom ver ou rever Pixies, esses ícones do indie rock têm sempre um lugar especial no meu coração.
O Festival de Paredes de Coura é sempre um festival especial, como alguém comentou no Twiter e parafraseando “o Festival de Paredes de Coura é aquele sítio onde se vê o concerto da nossa vida de uma banda que ainda não conhecíamos”. Por esta e por todas as outras razões ficamos já a aguardar com expectativa a edição de 2023 e as suas surpresas.
O Festival de Paredes de Coura estará de regresso de 16 a 19 de agosto de 2023 e nós vamos estar lá certamente.
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quarta-feira, 05 fevereiro 2025