Reportagem NOS Alive 2023
Ao longo de 15 anos que ‘Alive’ e ‘julho’ andam de mãos dadas. Depois de mais uma moedinha, mais uma voltinha e julho de 2023 não foi diferente, com o festival de Algés a assinar mais uma edição de sucesso. Este ano, os Red Hot Chilli Peppers, os Arctic Monkeys e Sam Smith foram as principais atrações, mas grandes concertos não faltaram pelo Passeio Marítimo de Algés. E começaram logo no 6 de julho.
Não foi preciso julgar pelas milhentas t-shirts alusivas à banda para perceber qual era o principal ponto de interesse do 6 de julho. Aliás, era claro como a água: o Passeio Marítimo de Algés encheu-se para ver os Red Hot Chilli Peppers. Mas por mais palpável que fosse a antecipação que pairava pelo ar, a emblemática banda da Califórnia apenas viria a pisar o palco principal a partir das 23h, e até lá, o cardápio do NOS Alive foi versátil e deu para todos os gostos.
Para começar, e isto na altura em que mais se sentia o intenso sol de julho, os Men I Trust juntaram um vasto aglomerado de curiosos pela sombra do Palco Heineken, acalmando os ânimos com o seu melodioso dream pop. Por sua vez, e num registo bem mais pesado, os Puscifer, recente projeto de Maynard James Keenan, voz dos Tool, subiram a parada com o seu pós-punk endiabrado, mas o lusco-fusco que já se ia registando em Algés, a par de um claro desinteresse por parte da grande moldura humana que já se registava em frente ao Palco NOS, levaram a que fosse um concerto (quase) para cumprir calendário.
Coube a Jacob Collier ser uma das grandes surpresas do NOS Alive. Passando das câmaras do YouTube para os grandes palcos, o prodigioso britânico conseguiu contagiar a vasta multidão que se juntava no Palco Heineken com a sua energia vibrante e o seu jazz contemporâneo, receita que se revelou um sucesso. Saltando de instrumento em instrumento, do baixo à guitarra, passando pela percussão e não esquecendo o piano, este one-man show que agora se se faz acompanhar em formato de banda, arrancou os primeiros coros da noite ao som da “Somebody to Love” dos Queen, mas o principal momento do concerto seria a participação da ‘nossa’ MARO, que emprestou a voz a “Lua”.
O historial dos Black Keys, em Portugal, sempre se fez com sucesso. A sua última passagem por Portugal aconteceu precisamente por Algés, em 2014, gozando do estatuto de cabeça de cartaz. Desta feita, coube-lhes a tarefa de anteceder a Red Hot Chilli Pepers, algo que, a julgar pela carreira com mais de duas décadas, a par de um repertório repleto de êxitos, seria a receita para o sucesso. Porém, a teoria não poderia ter estado mais distante da prática, com os Black Keys a terem assinado um concerto bem aquém das expetativas.
O concerto arrancou com a pujança que tanto caracteriza os Black Keys, com “I Got Mine”, “Your Touch” ou “Tighten Up” a encabeçarem um trio de ataque que tudo tinha para fazer golo. Contudo, registavam-se graves problemas de som, tornando quase impercetível toda e qualquer uma nota que tentasse passar para lá da régie, dificultando a tarefa a quem quisesse ouvir os muito temas de Dan Auerbach e Patrick Carney – tarefa extra difícil se já se tiver em consideração o barulhinho de fundo tão característico do Alive. E como consequência das anomalias sonoras, rapidamente se propagou um contagiante desinteresse por parte de um público que já só pensava em “Californication”, com nem “Next Girl” ou “Fever” a causarem mossa. Foi pena.
Num clima completamente antagónico do Palco NOS esteve o Clubbing, e muito por culpa daqueles que já são uns suspeitos do costume: os Throes + The Shine. À fórmula do rock, juntou-se o kuduro, surgiu o rockuduro e o resultado, sem admiração, é o de uma festa sempre de todo o tamanho. André, Marco e Diron já andam por estas danças faz tempo, e como tal, não só sabem como agarrar qualquer público, mas como também contagiá-lo com uma energia frenética que culmina sempre num serão de festa e diversão.
De “Balança” a “Guerreros”, passando por “Tuyeto Mukina” e recrutando a recente “Movimento”, canção que integrou o lote de temas do Festival da Canção de 2020, os Throes + The Shine fizeram o público cantar, celebrar e dançar, com Diron a juntar-se por várias vezes no meio do público para esta última, isto para o terror dos seguranças. E, tal como já o dissemos várias vezes, o trio portuense voltou a deixar-nos com a mesma interrogação: o que é que os Throes + The Shines mais precisam de fazer para ter direito ao Palco Heineken?
Depois da nostalgia e da qualidade exímia dos Red Hot Chilli Peppers, a debandada do Passeio Marítimo de Algés foi praticamente geral. Para aqueles que optaram por esperar um pouco pelo recinto até que a entrada da estação de comboios voltasse a abrir, ficaram na ótima companhia dos Spoon; para todos os outros, havia uma caminhada de 2km pelo IC17 ainda pela frente.
07 Julho
Segundo dia do NOS Alive, segundo dia esgotado do evento. Em dia de estreias e de consagrações, a primeira paragem pelo Passeio Marítimo de Algés tinha de ser feita na companhia de uma das mais acarinhadas bandas portuguesas da atualidade.
Salvas raras exceções pontuais, as bandas portuguesas que atuam no Palco NOS, estão como ‘condenadas’ ao slot mais madrugador. Os Linda Martini, que subiram pela primeira vez a um palco do NOS Alive sem Pedro Geraldes, há muito que usufruem desse horário das seis da tarde para demonstrarem que têm pedalada para voos mais tardios. 2023 não foi exceção e a banda voltou a assinar mais um concerto sólido, ruidoso e bem acompanhada pela sua fiel comunhão de fãs, sempre disposta a acolhê-la de braços abertos e a celebrar canções que se tornaram em hinos, como foi com o caso de “100 Metros Sereia”.
A intensidade dos Linda Martini, todavia, seria um (grande) aperitivo para o caos que viria a seguir. E a camisa de Joe Talbot, irreverente frontman dos Idles, personificou na perfeição o que se viveu em Idles: a começar, uma camisa seca e passada a ferro que viria, uma hora depois, a dar lugar a uma camisa rasgada e encharcada de suor. E é isso (e muito mais) que faz dos Idles uma das mais entusiasmantes bandas de se ver ao vivo nos dias de hoje.
Promovidos do Heineken de 2019 para o palco principal do ano corrente, a trupe de Bristol fez de Algés o seu salão de festas e multidão foi o que não faltou. Numa hora de ode ao punk, a descarga de energia dos Idles ia contagiando até os desconhecedores deste furacão britânico, com a intensidade de cada tema a puxar cada vez mais por um público que não demorou a devolver a vontade de barafustar e gritar bem alto pelos rasgos de “Mother”, “I’m a Scum” ou “Danny Nedelko”.
Também de comunhão total entre artista e público foi feita a estreia de Girl in Red por Portugal. Catapultada para a ribalta após a digressão que partilhou com Taylor Swift, o indie pop da norueguesa levou a miúde que abarrotava o Palco Heineken ao delírio, com a casa secundária do NOS Alive a decorar-se com dezenas de bandeiras da comunidade LGBTI+ - uma dessas viria mesmo a aconchegar as costas de Marie Ulven em “Midnight Love”. Surpreendida com receção tão calorosa, Girl in Red viria mesmo a sentir esse calor em primeira mão num crowdsurf em “I Wanna Be Your Girlfriend”, com o público mais dianteiro a ripostar com a letra na ponta das suas línguas.
Ao longo de 15 edições, o NOS Alive já demonstrou que não tem receio de arriscar no seu cartaz, voltando-se cada vez mais para o universo pop e os artistas mais emergentes no mesmo. Para este ano, muita da curiosidade recaía em Lizzo, dona de uma das melhores vozes da atualidade e entertainer para dar e vender. Mesmo não estando no seu habitat natural, não nos vamos meter com rodeios: Melissa Jefferson assinou, de longe, um dos melhores concertos desta edição, e quiçá de toda a história do festival.
No panorama pop, não há a atenção ou a dedicação de comer e saborear todas as canções que figuram em discos, o que leva a uma mão cheia de êxitos e outras duas a pedirem que sejam skipped. Mas com Lizzo isso não acontece, com o toque de Midas deste furacão pop a permitir que distribuísse cartas fosse a cantar, rappar, dançar ou na companhia da sua fiel flauta transversal. E não foi só a qualidade exímia de Melissa que conquistou o NOS Alive, com a simpatia e descontração a converter até os mais céticos que, perante tal boa disposição, não conseguiram não esboçar um sorriso perante as mil e uma tiradas humorísticas da cantora entre canções.
E a nível de canções, Lizzo conta já com um repertório que se pode considerar um luxo, apresentando um desfile de temas capaz não só de demonstrar a sua versatilidade, mas como também a capacidade de conquistar as grandes multidões; “Juice”, “Tempo”, “Truth Hurts” ou “Good as Hell” foram apenas algumas das canções que tornaram Lisboa em “Lizzobon”, mas foi quando a hora das ‘bad bitches’ surgiu com “It’s About Time” que Algés se tornou na discoteca de Lizzo, celebrada com a efusividade que só a pop fornece. E quis nos parecer que as entradas para o regresso da artista a Portugal, não vão demorar muito até aparecerem…
Foram preciso esperar 8 anos até que se registasse o regresso Sylvan Esso por Portugal, isto após uma mui aplaudida estreia pelo palco secundário do Vodafone Paredes de Coura. Nesse longo período de ausência, a dupla da Carolina do Norte lançou três novos discos, conquistando relativo sucesso através da junção do doce timbre folkiano de Amelia Meath e as harmonias electrónicas assinadas pelo marido, Nick Sanborn. Com a debandada óbvia que se registou no pós-Arctic Monkeys, o Palco Heineken compôs-se, e bem, de curiosos que pouco tardaram a abanar os corpos ao som de temas como “H.S.K.T”, “Radio” ou “Coffee”. A verdadeira dançaria, porém, viria momentos mais tarde no palco ao lado.
Irreverente, provocador ou ousado. Muitos são os adjetivos que poderiam ser utilizados para descrever a atuação de Lil Nas X. Entre aqueles que recorreram às palavras mais simpáticas, e para as más-línguas que nem tanto, a verdade é que Montero Hill não deixou ninguém indiferente com a sua excentricidade e sensualidade, recorrendo a “Montero (Call Me By Your Name)” para instaurar o clima de festa e, quiçá, pedir desculpas pelos 15 minutos de atraso.
Num palco decorado com animais insufláveis, nos quais se destacaram uma enorme serpente, e preenchido por um pelotão de bailarinos, Lil Nas X, sempre de vestimentas pomposas, veio para fazer festa pela madrugada adentro, assinando um espetáculo endiabrado que tanto reuniu momentos de dança, humor, choque e, numa nota menos positiva, demasiado playback. Mas quando se tem um repertório com temas tão radiofónicos como “Panini”, “That’s What I Want” e a canção número 1 de 2019, “Old Town Road”, interpretada num cavalo branco, as cantorias ficaram para a plateia que lá gastou os restos de energia que ainda sobravam de mais um intenso dia de NOS Alive.
8 de Julho
No último dia do NOS Alive, um dos principais destaques foi o alinhamento do palco Clubbing, cujas sonoridades eletrónicas, que tanto foram do house ao techno, levaram a um matinée que nunca parou de ser ponto de passagem por muitos festivaleiros, trazendo uma reminiscência àquele que era o registo original deste palco terciário. Da tarde à noite, destaque para os sets de Krystal Klear, Kelly Lee Owens e Boys Noize.
Naquele que foi o dia mais diversificado dos três dias do festival, que arrancou com a pop conjunta de Carolina Deslandes e Bárbara Tinoco, o Palco NOS acolheu a estreia de Machine Gun Kelly por Portugal. Da mesma forma que o Clubbing relembrou anos passados, o projeto de Colson Baker remeteu-nos para o início dos primeiros anos da década de 2000, altura em que o pop punk de Avril Lavigne ou dos Blink-182 reinava nos tops dos mais ouvidos.
Como se não bastasse tentar ressuscitar aquilo que deveria ter ficado morto, Machine Gun Kelly tocou uma hora mais do que o deveria ter feito, deambulando pelo nu metal, pelo hip hop ou pelo trap, falhando redondamente em todos os estilos na tentativa de criar algo próprio, ou memorável. Mesmo assim, e por mais questionável que seja a carreira de Colson Baker, damos a mão à palmatória e reconhecemos que pelo menos tentou, fosse pelas chamas em palco, a irreverência na atuação ou a interação com o público.
Por sua vez, Angel Olsen, presença assídua por palcos portugueses nos últimos anos, pouco ou nada interagiu com o público de fiéis que a acolheu no Heineken. A doce e suave melancolia da norte-americana faz-se por ser sentida, com a própria a reconhecer que estava no NOS Alive para “tocar canções tristes”. Entre as tristes e as mais arrebitadas, como “Shut Up and Kiss Me”, a verdade é que as dez canções que apresentou passaram num instante, dificultando a tarefa de cativar o interesse dos curiosos ou dos indecisos entre ver Angel Olsen ou esperar na fila para o pão com chouriço.
Contrariamente ao que se registou em 2018, este ano, os Queens of the Stone Age não tiveram honras de headliner. Ou pelo menos, a duração do concerto da trupe de Josh Homme não gozou desse estatuto, porque em tudo o resto, os QOTSA foram os donos e senhores deste último dia de NOS Alive. À boleia de uma tournée deveras elogiada, seja pelo alinhamento rico em êxitos ou pela forma exímia que a banda tem tocado, não foi preciso esperar muito até se ouvirem alguns dos principais cartões de visita da banda, com a precoce “No One Knows” a deixar bem claro que a noite seria uma ode ao rock.
Mesmo com novo disco da calha, In Times New Roman…, e do qual se ouviram “Carnavoyeur” e “Emotional Sickness”, …Like Clockwork, um dos melhores trabalhos dos Queens of the Stone Age nos últimos tempos, foi mesmo o disco mais representado, com destaque para a ginga frenética de “Smooth Sailing”, a convidar para o pezinho de dança que viria a ser consumado em “The Way We Used To”. Numa noite na qual se encontrava particularmente bem-disposto, Josh Homme não foi contido no que tocou a elogios para o público português, cimentando assim a bela relação de fraternidade que tem vindo a ser construída ao longo dos anos.
Não sendo uma banda que, e perdoem a expressão, “seja para as massas”, a verdade é que os Queens of the Stone Age têm uns quantos trunfos na manga para conquistar as multidões, e numa altura em que a lua já se pendurava no céu, “Make It Wit Chu” apareceu para ser interpretada pelo karaoke de Algés, e de forma irrepreensível, sublinhe-se. Com o rítmico cowbell de “Little Sister” a delinear o caminho sempre em crescendo do concerto, a notícia que ninguém queria ouvir lá que surge: a próxima canção, seria a última. Porém, quando se tem como frontman personalidade tão irreverentemente carismática como Homme, um senhor que se lixa com “F” para as regras, abre-se uma exceção com “Go With the Flow” e fecha-se com outra, “A Song For The Dead”, um caos que é tocado há mais de 20 anos e que, independentemente dos anos que por ela passem, causa sempre um rasto de destruição. E não é que há beleza no caos?
O sucesso pelo Palco Heineken em 2024 levou com que fosse repescado no ano seguinte para o palco principal. Desde então, foram preciso esperar oito longos anos até se ter o regresso de Sam Smith ao NOS Alive, desta feita como cabeça de cartaz. Para o início, abriu com “Stay With Me”, badalado single que serviu como principal cartão de visita nas anteriores passagens por Algés. Pouco depois, “I’m Not the Only One”, “Too Good at Goodbyes” e “How Do You Sleep” deram continuidade ao serão de badaladas, todas entoadas em uníssono por uma plateia tão composta como os Queens Of The Stone Age haveriam registado horas antes.
A jogada de Sam Smith em abrir com as suas baladas foi a forma que o artista arranjou de largar a sua antiga pele, isto antes de abraçar o seu mais recente registo pop. E depois de o abraçar, nunca mais o largou, dando então início a um espetáculo com todas as irreverências e extravagâncias que um concerto pop assim o exige, com mudanças de roupa (muitas!), bailarinos, banda ao vivo e uma comunhão total entre público e artista. Por entre canções sempre celebradas, com particular destaque para “I’m Not Here To Make Friends”, “Latch” ou a cover de “I Feel Love” de Donna Summer, Sam Smith fez sempre questão de frisar que, naquele momento, o NOS Alive era um espaço no qual todos poderiam ser livres, no qual todos teriam a liberdade em ser aquilo ou quem quisessem. E que bom é sê-lo.
O NOS Alive regressa em 2024 nos dias 11,12 e 13 de Julho.
Nota editorial: "Dada a impossibilidade de fotografar os Red Hot Chilli Peppers, Arctic Monkeys e Rufus du Sol, os mesmos não constam na reportagem do Festivais."
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Organização:Everything is New
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domingo, 22 dezembro 2024