Motel X | 2023
Entusiastas do cinema e aficionados do terror de todo o mundo reuniram-se recentemente no prestigiado festival de cinema Motel X, onde embarcaram numa emocionante viagem ao reino do cinema sombrio, assustador, misterioso mas também com muitas gargalhadas. Com uma rica história de exibição do que há de melhor em filmes de terror, ficção científica, fantasia e até de comédia, o Motel X estabeleceu-se firmemente como um evento imperdível para aqueles que gostam do macabro.
O Motel X, situado na cidade de Lisboa, Portugal e baseado no Cinema São Jorge, tem feito sucesso no circuito de festivais de cinema há mais de uma década. Desde a sua criação, o festival ganhou reputação por sua excepcional curadoria de cinema arrepiante, atraindo cineastas, atores e fãs obstinados. A programação diversificada do festival atende a uma ampla variedade de gostos, desde o terror clássico até filmes experimentais de ponta, tornando-o um paraíso para cinéfilos que apreciam o estranho e o incomum.
Um dos aspectos mais notáveis do Motel X é o forte sentido de comunidade que promove desde dos visitantes, diretores dos filmes a decorrer (ou não), enfim em geral temos uma reunião de fãs de terror e fantasia de todas as esferas da vida se reúnem para celebrar a paixão que compartilham pelo gênero. Seja discutindo seus filmes favoritos dentro do Cinema são Jorge ou no lounge do festival, trocando histórias de encontros pessoais com o sobrenatural ou simplesmente criando laços de amor pelo macabro, o Motel X cria uma atmosfera acolhedora e inclusiva que faz com que cada visitante sinta que encontrou sua casa.
Este ano, especialmente, o evento mais importante do festival foi a retrospectiva de Brandon Cronenberg - realizador mais conhecido pelo seu último nome mas que se destacada da família que tem com os seus próprios filmes demonstrando 3 longas e 1 curta metragem, uma melhor que a outra fazendo já a diferença no género onde se incluí e o destaque por si só do realizador que é.
Os filmes que assombraram nossos sonhos:
Um dos destaques do Motel X é sua seleção cuidadosamente selecionada de filmes que deixam o público aterrorizado e hipnotizado. Durante a minha visita, tive a oportunidade de assistir a uma variedade de filmes que exploraram os cantos mais sombrios da psique humana. De thrillers psicológicos que me deixaram na ponta da cadeira a horrores sobrenaturais que me deixaram questionando a realidade, cada exibição no Motel X foi uma experiência única e envolvente, sem dúvida.
O festival também celebra o cinema internacional, proporcionando uma plataforma para cineastas emergentes mostrarem o seu talento. As competições de curtas-metragens e exibições especiais permitiram aos participantes descobrir novas vozes no gênero e testemunhar a evolução do cinema de terror e fantasia.
Começando pelo primeiro dia oficial, 12 de setembro temos “Hounds” um filme de 2023 dirigido por Kamal Lazra: Este filme, que originalmente começou como curta e depois evoluiu para longa-metragem, já fez sucesso no prestigiado Festival de Cinema de Cannes. A sinopse, que gira em torno de pai e filho envolvidos em pequenos crimes para uma máfia local, toma um rumo sombrio e inesperado quando um sequestro dá errado, forçando-os a lidar com as consequências. À medida que o filme se desenrolava, tornou-se evidente que “Hounds” não era apenas mais um drama concentrado na máfia, mas uma exploração profunda de relacionamentos, particularmente a dinâmica complexa entre pai e filho protagonistas - principalmente o facto de terem mencionado antes do filme que tanto o filho como o pai não eram atores, fez com que tivesse ainda mais impacto. O espelhamento inteligente da sua ligação com a dos cães acrescentou profundidade à narrativa, oferecendo uma metáfora comovente para as suas lutas e vulnerabilidades. O uso de cães como representação simbólica dos relacionamentos dos personagens foi um golpe de mestre, destacando a lealdade, a confiança e o amor incondicional que podem existir mesmo nas circunstâncias mais sombrias. Permitiu que o público se conectasse com os personagens em um nível visceral, mergulhando-os na turbulência emocional da história.
A exibição de "Hounds" na noite de abertura não apenas divertiu, mas também desafiou os espectadores a refletir sobre a intrincada rede de relações humanas e as maneiras inesperadas pelas quais elas podem ser refletidas no mundo que nos rodeia. Foi um início adequado para um festival dedicado à exploração dos reinos sombrios e misteriosos do cinema.
⭐️⭐️⭐️/5.
The Animal Kingdom, FR, 2023 - filme de abertura
“The Animal Kingdom” de Thomas Cailley, que agraciou a noite de abertura do Motel X 2023, não foi apenas uma obra-prima cinematográfica; foi uma viagem profundamente reflexiva através de um mundo que apresentava semelhanças estranhas com a experiência humana refletindo quase o início da COVID - algo que se pensa muito brevemente, mas…. Com evolução humana.
Retirando da sinopse para demonstrar o quanto não sabíamos o que ia acontecer neste filme “é retratado um mundo onde alguns humanos estão evoluindo para diferentes espécies animais, um afastamento do cinema tradicional francês de realismo social. O filme tece uma narrativa complexa, servindo como uma distopia cheia de criaturas, um drama de pai e filho carregado de emoção e uma história comovente sobre a maioridade.”
O que torna “The Animal Kingdom” ainda mais notável é a sua capacidade de espelhar a realidade de inúmeras maneiras. O filme é uma constante metáfora perfeita para o que vivemos hoje em dia e ao mesmo tempo um futuro que aparenta não ser assim tão distante.
Explora a semiótica do corpo, a evolução do ser humano em si e a evolução dos próprios adolescentes, mesmo que “exagerado”. Emílie, o filho e uma das personagens principais, inicialmente resiste à mudança e ao desconhecido, uma pura reflexão das mudanças corporais e mentais que o nosso corpo provoca durante a puberdade. Neste caso, aplicado à evolução humana recorrente neste universo do filme em questão. É a própria sociedade, com os seus preconceitos, que muitas vezes molda a nossa percepção destas mudanças como negativas; O medo e a incerteza que surgem quando os indivíduos já não se parecem connosco ou não se enquadram nas normas sociais é algo com que muitos de nós podemos identificar a um nível profundo - tal como Emilie reage à primeira às suas mudanças corporais e o próprio filme demonstra a divisão dos humanos entre a co-habitação e a extinção destes novos seres.
Na essência, “The Animal Kingdom” é sobre transformação, a semiótica do corpo e até a relação disfuncional que as famílias podem ter mas, neste caso especialmente focado na ligação entre pai e filho e tal e qual à sociedade que vivemos hoje. O filme ilustra lindamente que a transformação não é apenas física, mas também emocional e social; não só de escrita mas também visualmente, demonstra que o gore ou os monstros nem sempre são feios e maus - até podem ser nós, como é, muitas das vezes.
Em muitos aspectos, “The Animal Kingdom” foi a escolha perfeita para um filme na noite de estreia e enquadra-se perfeitamente com o tema deste ano da retrospectiva de Brandon Cronenberg. A sua capacidade de refletir a condição humana neste filme, a nossa capacidade de adaptação e as nossas lutas com a mudança tornaram-no numa experiência cinematográfica poderosa e ressonante que preparou o palco para um festival dedicado a explorar os reinos sombrios e misteriosos do cinema - com sala esgotada. ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️/5.
De seguida, temos a primeira sessão da 00h: A floresta (2023, PT) e Run Rabbit Run (2023, AU).
Esta seleção em particular deixou-me um pouco decepcionadx devido à sua adesão a um tropo clássico do terror que tem sido bastante utilizado em curtas-metragens de terror em geral.
Embora o gênero de terror tenha elementos atemporais, é essencial que os cineastas explorem novos ângulos e perspectivas para manter o público envolvido e investido. "A Floresta" parecia contar com sustos e enredos convencionais e mais que previsíveis, o que prejudicava o potencial de narrativa única que o festival poderia ter celebrado.
Embora a familiaridade com os cenários clássicos de terror possa proporcionar conforto para alguns, é igualmente importante desafiar os limites do gênero e surpreender o público com narrativas novas e inesperadas. ⭐️/5.
Passando para a última longa metragem da noite, “Run Rabbit Run” de Diane Reid, o seu primeiro filme de terror psicológico, filme este que investiga a dinâmica sobrenatural e familiar - tinha um potencial promissor com sua sinopse intrigante. No entanto, isto acabou deixando a mim e a muitos outros críticos desapontados, apesar da presença da talentosa atriz Sarah Snook.
A desvantagem mais significativa de "Run Rabbit Run" foi a falta de clareza e coerência. Como espetador tive dificuldade para compreender a mensagem geral e o propósito do filme, além dos insights sobre o passado da personagem de Sarah Snook. Essa falta de direção narrativa resultou numa experiência de visualização frustrante.
Apesar dos problemas do filme no geral, é importante destacar que a atuação de Sarah Snook foi, como sempre, incrível. A sua dedicação ao papel e sua capacidade de transmitir a complexidade emocional de sua personagem foram louváveis. Infelizmente, o seu talento não conseguiu salvar a qualidade geral do filme.
Como fã da Sarah Snook, esperava uma experiência mais gratificante com “Run Rabbit Run”. Embora sua atuação tenha brilhado, o argumento complicado do filme e a falta de uma narrativa coesa deixaram uma sensação persistente de decepção. Serve como um lembrete de que, mesmo com atores talentosos, o sucesso de um filme depende, em última análise, de sua narrativa e execução, aspectos que infelizmente "Run Rabbit Run" infelizmente ficou aquém. ⭐️⭐️/5.
No dia 13, tivemos como primeira sessão mais uma curta portuguesa “Habitat”. No entanto, esta seleção em particular deixou-me perplexo e insatisfeito, pois parecia priorizar a experimentação visual em vez da narrativa. Como pessoa que gosta particularmente de curtas - principalmente as que são bem feitas - ansiava por esta competição contar histórias instigantes e inventivas. No entanto, “Habitat” deixou-me com mais perguntas do que respostas, já que a sua ênfase na tecnologia ofuscou qualquer enredo ou propósito discernível.
“Habitat” perdeu a oportunidade de oferecer uma experiência cinematográfica significativa, deixando o público querendo mais substância e clareza em sua narrativa. ⭐️/5.
A longa-metragem que se segue “Smother” 2023 de Achmed Abdel-Salam
aventurou-se no território já trilhado de demônios pessoais, alcoolismo e uma atipa instável dinâmica familiar que estes dois anteriores criam. Embora explorasse temas com os quais muitos de nós podemos nos identificar ou já vimos noutros filmes, o objetivo era oferecer uma perspectiva única sobre a luta contra o vício. No entanto, o filme me deixou com uma sensação persistente de sufocamento - como é o seu próprio título - em vez de um impacto profundo; portanto de alguma forma fez o seu trabalho mas sente-se que falta muita coisa; há muita falta de diálogo e até mesmo desenvolvimento. ⭐️⭐️/5.
Na logo seguinte sessão temos 15’ (2023) por Francisco Neves. Infelizmente, o filme deixou me perplexe e um tanto confusx com seu conteúdo. Levantou a questão de saber se pretendia ser um comentário irônico sobre a cultura gen z moderna ou se simplesmente errou o alvo ao apresentar uma narrativa convincente. ⭐️/5.
A longa que veio de seguida “Estranho Caminho” BR 2023, criado por participantes do festival Guiões - festival este que teremos um artigo à parte e que fez a sua parceria com o Motel X pela 9ª vez este ano.
Falando neste filme, no entanto, oferece uma perspectiva única sobre os primeiros tempos da pandemia de COVID-19 no Brasil. Também apresentou uma cinematografia excepcional que nem palavras tem para descrever: Os visuais eram cativantes e envolventes, melhorando a experiência geral de visualização.
Contudo, tal como vários outros filmes do festival, “Estranho Caminho” deixou-me com questões persistentes pela sua conclusão. Enfatizou os desafios nas relações familiares durante um período tumultuado, mas a resolução desses desafios e a mensagem final do filme permaneceram um tanto evasivas. Apesar destas questões, “Estranho Caminho” conseguiu oferecer uma nova perspectiva sobre o impacto da pandemia na dinâmica familiar, ao mesmo tempo que celebrou o poder da cinematografia para mergulhar os espectadores num mundo distinto. ⭐️⭐️⭐️⭐️/5.
Seguindo para o 3º dia do festival, 14 de setembro, começando com curtas ao lanche onde temos em destaque “Fuckn’ Nuts” de Sam Fox - uma absurda, lindíssima visualmente que incorpora a própria realizadora da qual tive a honra de conhecer - este filme é ela e ela é ele. No meio de tanta tragédia e em algo que podemos de facto sentir, como sentimos no filme dela, completamente assustados só pelo facto de trazer alguém para casa por terem que conhecer os pais da personagem principal em questão, Sam pega nessa situação que, como disse por vezes pode ser extremamente assustador e traumatizante e ridiculariza na melhor forma e mais engraçada possível enquanto mantém um estilo cinematográfico que para além de condizer consigo e com o filme, é único para o mesmo. ⭐️⭐️⭐️⭐️/5.
A primeira sessão de Section X, as sessões de filmes mais experimentais ou “Weirdos” como a própria curadora da secção disse, Celia Pouzet, começou com “Residency” de Winnie Cheung, 2023.
Residency como no nome diz, é literalmente um filme sobre uma residência que Winnie fez parte e onde eu senti a real e finalmente, representação que estava a faltar um pouco até agora no festival; Residency faz com que nós sejamos vistos de certa forma - nós os criadores, estando em grupo e estando a partilhar um espaço com várias pessoas durante x tempo, neste caso durante os meses de inverno - que nos deixa um pouco fora da realidade mas ao mesmo tempo é extremamente bonito não só visualmente mas é cativante ao ponto que damos nós completamente hipnotizados pelo filme, sem tirar os olhos do ecrã. Deixando com o que a própria realizadora diz, “RESIDENCY é uma carta de amor que explora a frenética psicogeografia emocional da cidade de Nova Iorque, mas depois a estrutura narrativa do filme é deliberadamente fragmentada, criando uma experiência imersiva que espelha a natureza inatingível da memória.” - e vê-se e sente-se, isso mesmo. Com os seus cortes, as suas edições, fragmentos de memória que estarão lá, agora gravados em nós, quem viu e irá ver. ⭐️⭐️⭐️⭐️/5.
Acabando a 3ª noite, temos “The Flute” 2023 para a parte de curta, que foi a coisa mais engraçada e traumatizante para quem toca flauta - definitivamente um dos filmes mais engraçados e mais uma vez o Motel X e filmes como este provam que até o terror, pode ter a sua piada e pode fazer o público rir como ouvimos, todos os dias - mas especialmente nesta sessão. ⭐️⭐️⭐️⭐️/5.
Para longa-metragem, temos um filme que me fez chorar, que, numa oportunidade única, teremos mais forma de conseguir falar dele singularmente e mais profunda ainda por termos entrevistado oficialmente o realizador - Paris Zarcilla. Raging Grace, 2023 UK - um filme ganhou o Grand Jury Prize and Best Debut no SXSW, que o próprio realizador em primeira nota antes do filme disse que como está no nome do filme “Rage”, este filme veio de raiva - mas também de amor. Retirando diretamente da sinopse: “Joy é uma imigrante filipina indocumentada e trabalhadora e mãe de Grace, uma brilhante menina de 10 anos que nunca conheceu o pai. Joy, desesperada para permanecer no Reino Unido e apesar de ser uma enfermeira treinada, é forçada a aceitar trabalhos de limpeza que só pagam dinheiro e que pagam pouco em dinheiro e ainda menos em respeito e compaixão. Grace, criada neste ambiente hostil, encontra-se em desacordo com o seu modo de vida e com o mundo; cada vez mais antagonizada com as escolhas de sua mãe e querendo mais.
Quando Joy involuntariamente consegue um emprego trabalhando para Karen, uma mulher rica que precisa de um cuidador residente para seu tio doente terminal, o Sr. Garrett, ela não consegue acreditar na sua sorte. Com este trabalho, ela finalmente terá meios suficientes para obter estatuto legal no Reino Unido e criar raízes para si e para a sua família. Grace está em êxtase por morar no mesmo lugar por mais de um mês.
A felicidade deles dura pouco.(...)”.
Este filme, é o Paris. Nós sentimos quando ele mesmo fala sobre o filme. Sentimos a raiva que ele passou para o filme, sentimos o amor que ele passou para o filme. É dos filmes que eu digo e irei dizer a toda a gente, para quando ele sair, verem. É extremamente importante - como Paris nos relembra, lembrar do nosso lugar de privilégio. E este filme dói, dói tanto mas é tão simples, tão mundano no sentido em que isto acontece diariamente há séculos e continuamos, ainda a permitir com que aconteça, tão silenciosamente mas ainda está lá, agora mais que nunca, principalmente em alturas que se estão a tornar mais graves como a que estamos a viver, este filme é mais importante de ver do que nunca. ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️/5.
Começando com dia 15 - dos dias mais importantes do festival, porque é quando começa a retrospetiva de Brandon Cronenberg, temos a sessão de infinity pool - director’s cut. Mas antes disto, ainda temos a sessão de “The Witch” (2015) devido à presença do produtor do filme, Rodrigo Teixeira que iria dar um workshop a seguir ao filme que falamos no nosso artigo do festival guiões em mais detalhe. O filme, The Witch, famoso pela sua distribuição, A24 e pelo debut de Anya Taylor-Joy e realizado por Robert Eggers.
O filme, apesar do ritmo lento e do foco singular, foi um momento crucial na carreira de Anya e desempenhou um papel significativo em impulsioná-la ao estrelato.No centro de “The Witch” está a acusação da personagem de Anya como bruxa, que serve como catalisador para uma exploração profunda das consequências de tais acusações durante um período histórico sombrio. O filme retrata com firmeza como as mulheres poderiam ser rotuladas de bruxas por qualquer comportamento que desafiasse as normas patriarcais.
A atuação de Anya Taylor-Joy em “The Witch” foi simplesmente de tirar o fôlego. Foi neste filme que ela realmente começou a brilhar e marcou o início de sua jornada para se tornar a aclamada atriz que é hoje.⭐️⭐️⭐️/5.
Chegando à parte principal como dito anteriormente, à sessão de Infinity Pool - Director’s Cut, com os próximos 2 dias a contar com este, com a presença do próprio e único, Brandon Cronenberg.
Eu, sendo uma pessoa que estuda David Cronenberg e por sua raiz, agora ainda mais profundamente o seu filho que também decidiu ir para as artes cinematográficas (e ainda bem que decidiu), vi que apesar de a constante comparação dos filmes de ambos não existe comparação entre ambos, narrativa ou visual, sem ser os assuntos retratados - imortalidade, poder, semióticas do corpo ou incorporar o outro - mas são de facto, pessoas diferentes, algo que infelizmente por muitas vezes as pessoas ainda não fazem a distinção. O Motel X fez prova que de facto, existe esta diferença, em que cada um está nos seus ambos lados, a abordar temas que possam ser considerados no mesmo reino mas que são pessoas únicas e diferentes e apenas acontece ser Pai e Filho que abordam estes assuntos de forma tão ridiculamente brilhante - pegando no caso de Infinity Pool, por exemplo, onde Brandon, explora o poder que os ricos podem ter ao ponto de poderem matarem-se a eles próprios (ou será que não?). Chegamos a um ponto neste filme que já nem sabemos quem são as personagens que vemos inicialmente das que vemos no final; no entanto, a crítica clara que faz ao poder e ao dinheiro está, inerentemente, lá. ⭐️⭐️⭐️/5
Ainda falando de Brandon, no dia 16 começamos a tarde com uma curta e a 1ª longa do mesmo, “Please Speak Continuously and Describe Your Experiences as They Come to You” 2019 - é o nome da curta, que em simples 10 minutos, temos o início, o desenvolvimento e fim dividido na própria curta sem sequer nos apercebemos porque nem nos apercebemos do próprio fim, ficando num suspense cortante. ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️/5
De seguida, temos a minha obra pessoal favorita, “Antiviral” 2012. Um exame arrepiante da obsessão da sociedade por celebridades e doenças, Esta longa trata de algo que Brandon sempre conseguiu fazer de uma forma quase arrepiante em todas as suas obras - naturalizar, tornar a narrativa em algo que podia ser, perigosamente, real. Retrata uma empresa que vende doenças de celebridades, especificamente um dos seus vendedores, Syd que se torna ligado, de certa forma demasiado, à celebridade mais popular e mais “comprada” da empresa, Elizabeth. Brandon torna o body horror real e usa constantemente numa linha que eu acho, apesar de o mesmo ter dito não ver isso, visual muito parecida de filme para filme, seja na mutação corporal seja na forma que ele cria efeitos visuais de lente, lindíssimos. ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️/5
No mesmo dia, na sessão da 00h, temos o “De Imperio” - filme que ganhou a competição de curtas portuguesa e, bem merecido porque foi mesmo de retirar palavras. Este, filme animado, conseguiu aterrorizar-nos mais do que algum deste ano e que eu tenha visto que estivesse nesta categoria o fez. Parece ser tão complicado ao início até chegarmos ao fim, que vemos que de facto é tão simples e mais uma vez, consegue tão bem representar a realidade - na minha opinião, seja no divino seja na hierarquia humana. ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️/5
Como de costume, vem a longa, desta vez, “It Lives Inside” filme realizado pelos produtores de um dos maiores filmes de Jordan Peele, “Get Out”.
Este filme, ensina-nos imenso sobre representatividade e a falta dela neste caso em Hollywood diretamente, usando uma família e personagens que provêm da cultura indiana e fala da cultura das mesmas do início ao fim; No entanto, saiu numa altura em que demasiados filmes sobre possessão estão a sair e perde a sua luz nisso mesmo - torna-se mais outro filme de possessão simplesmente mas o que o torna importante é o quanto aprendemos sobre a cultura indiana e no final é uma experiência de aprendizagem dentro da sua cultura usando o clássico filme de possessão. É mais uma experiência de aprendizagem que destrói muitos equívocos sobre a cultura indiana. ⭐️⭐️⭐️/5
No último dia (para nós, dia 17, o festival estendeu-se até dia 18 mas por motivos de saúde não se pode cobrir o dia 18) temos também o último dia da retrospectiva com Possessor (2020) que investiga as consequências da manipulação de identidade. A retrospectiva no Motel X trouxe uma seleção com curadoria das obras de Brandon Cronenberg, mostrando sua evolução como cineasta. Cada exibição deixou o público cativado e contemplativo, uma prova da capacidade de Cronenberg de misturar o visceral com o cerebral. Com uma tendência para ultrapassar limites e provocar reflexão, os filmes de Cronenberg são perturbadores e inesquecíveis. ⭐️⭐️⭐️⭐️/5
Finalmente, acabando a retrospectiva temos a masterclass com o próprio, O Motel X ofereceu uma rara oportunidade para os festivaleiros interagirem com o próprio Brandon Cronenberg para além da Q&A já fornecida depois da demonstração de infinity pool e do facto de poder simplesmente falar com ele quando o mesmo estava nos espaços do festival - algo que acho que é muito importante salientar porque sinto que o Motel X tem essa naturalidade de misturar os realizadores com os visualizadores o que torna depois as sessões ainda mais especiais porque se quisermos, podemos simplesmente abordar a pessoa que realizou e/ou produziu ou que esteja a representar a equipa e muitos mais - obviamente sempre mantendo no meio de consentimento do espaço dos outros.
Durante a talk pudemos ganhar as percepções do cineasta sobre seu processo criativo, as inspirações por trás de seu trabalho e sua abordagem para contar histórias acrescentaram profundidade à retrospectiva. A vontade de Cronenberg de se conectar com seu público permitiu que os fãs ganhassem perspectivas únicas em seu mundo de terror cerebral, tornando-o uma experiência verdadeiramente memorável.
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terça-feira, 03 outubro 2023