Queer Porto 2023
Assim mais uma sessão do Queer Porto se passou. Este festival é de uma importância imensa, especialmente numa altura como esta em que o mundo enfrenta uma infinidade de desafios, desde crises de saúde globais até lutas sociais e políticas em curso; Numa altura em que a divisão e o preconceito parecem dominar o público geral, a mensagem abrangente do festival de unidade, aceitação e celebração da diversidade foi uma pausa bem-vinda. Lembrou-nos a importância da representação na arte e o poder da narração de histórias na promoção da compreensão e da empatia que é constantemente necessária de ser relembrada. O festival emerge constantemente como um farol de esperança, inclusão e mudança. Proporciona um espaço seguro para discussões e reflexões sobre os desafios únicos enfrentados pela comunidade LGBTQ+, especialmente no contexto do presente.
Um dos aspectos mais marcantes do Queer Porto 2023 foi a aposta na exibição de filmes de vários cantos do mundo. A seleção de filmes transportou-nos para diferentes culturas, lançando uma luz sobre uma ampla gama de experiências e perspectivas queer. Foi um testemunho da universalidade da luta LGBTQ+ e da celebração do amor e da identidade em todas as suas formas. Cumpriu a sua missão de curadoria de uma coleção de filmes que não só divertia, emocionava mas também educava, promovendo um sentimento de unidade e compreensão entre os participantes. Para além dos filmes trazem-nos também talks e festas.
Um destaque do festival foi a retrospectiva especial dedicada à revolucionária cineasta Vivienne Dick, conhecida por suas contribuições inovadoras ao movimento No Wave. Foi uma oportunidade única de testemunhar os trabalhos corajosos, crus e sem remorso deste artista icônica. O bónus adicional foi a presença da própria Vivienne Dick, permitindo aos festivaleiros aprofundar o seu processo criativo e o contexto cultural que moldou a sua arte. Vivienne também trouxe outros filmes para além dos dela, onde vemos as diversas caras que também habitavam o seu filme até aos mais famosos de NY naquela altura quando gravou. Vários filmes que trouxe, podemos também ver relatado no recente filme de Nan Goldin, artista que também trabalhava e criava diversos projetos com Vivienne e os seus amigos em comum.
Abriram, então, dia 10 com o filme “Tudo o que Você Podia Ser” onde retrata a história de Aisha, com a sinopse: “É o último dia de Aisha em Belo Horizonte. Acompanhamos a despedida na companhia das suas melhores amigas: Bramma, Igui e Will. Por meio do quotidiano e dos encontros entre as personagens, o filme tece um retrato afetuoso sobre a família que se escolhe constituir através do valor da amizade.”
Dia 11 temos o começo da retrospectiva de Vivienne Dick tendo a honra da presença da mesma, começa com “Black Box” realizada pelos seus amigos Beth B e Scott B, fazendo alegoria à repressão social da época. Depois temos dois filmes de Vivienne Dick “She Had a Gun Already” que quase se torna um documentário sobre a realidade apesar de ser ficção, de um serial killer que gostava de se vestir com um fato de corpo inteiro de pele para se parecer com a sua mãe e “Staten Island”. Nestes trabalhos em primeira mão vemos a vontade crua que Vivienne tinha de criar que vencia contra o low budget - Vivienne trabalha em diversas curtas extremamente experimentais, claramente low budget mas que nos conseguem tocar sempre de alguma forma e sempre com uma imagem tão real e crua apesar de fictícia.
À noite, temos a sessão do filme que ganhou não 1, mas dois prêmios - seleção do público e melhor filme, “Kenya”.
“Kenya” tornou-se num documentário obrigatório de se visionar. Relata sobre a transfobia no México, a história da morte e vida de Paolla, e de como Kenya lutou para conseguir ter justiça no meio de tanto ódio constante. Paolla foi vítima de um crime de ódio, onde a pessoa que a matou, apesar das provas esmagadoras, não foi preso. Diziam que era Paolla que tinha se suicidado. Apesar de muita luta, sofrimento, Kenya consegue justiça e consegue um pedido desculpas e cria a “Casa de Paolla” onde Kenya se torna a figura de mãe para quem lá vive - com o objetivo de providenciar um espaço seguro para a comunidade LGBTQ+. Kenya é muita das pessoas que continuam a lutar e a criar o pavimento para o futuro, para conseguirmos viver numa sociedade melhor a cada dia que passa e é uma história que todos devem conhecer.
Passando para o dia 12, temos a última sessão do prémio curtas Casa Comum tendo 4 curtas: “Dias de Cama”, “A Minha Raiva é Underground” - Filme performance de Francisca Antunes que trás uma abordagem interessante ao assunto da reivindicação do corpo depois de ser violado; “Tidy Bed” e, por último, “Dildo Tectonico” - filme que ganha menção especial bem merecida, onde retrata uma história ficcional incrível sobre a exploração de dildos serem heteronormativos e terem um formato fálico e a busca e, durante esta a sua criação de diferentes. Ao mesmo tempo, fala de uma história ficcional de josefa, uma freira que tinha relações com outras mulheres do convento e junta-se com a sua amante e eventualmente fogem do mesmo, sem haver mais registos delas.
Nesta breve seleção de filmes conseguimos ver uma diversa escolha de filmes principalmente narrados, algo que vimos a notar que neste ano está bastante presente.
Na sessão da noite temos “A Tiempo Real” filme que relata a vida de Antonin Artudud e o seu percurso até assumir a sua homossexualidade, a sua exploração pelo meio também das suas performances. Aprendemos não só bastante sobre o artista mas principalmente do movimento LGBTQ+ no Chile e a própria história do Chile durante este período (ano 80 a 2000) acabando depois em 2022. Neste documentário observamos imensa imagem de arquivo das diversas performances que Antonin montou; Este documentário retrata o corpo e a criatividade, a semiótica do corpo e de como no começo não havia linguagem deste mesmo, tinha que se inventar.
Dia 12 temos mais uma sessão de retrospectiva de Vivienne onde vemos “Empty Suitcases” que envolve várias histórias que se vão envolvendo uma na outra começando com abordar a construção de uma bomba enquanto vemos diversos sítios de Nova Iorque. Sempre sobre as malas que as diversas pessoas levam. Nesta mesma sessão vemos também Guerillère Talks onde Vivienne fala que foi a sua primeira vez a usar leader e a mexer com filme que contém som, diretamente na sua super 8.
Após estas duas sessões temos um documentário sobre a sua amiga e frequente atriz nos seus filmes, “Lydia Lunch: The War is Never Over”. Lydia teve de facto uma vida muito complicada e vemos claramente as suas repercussões nela mas também vemos uma vida cheia de luta, uma verdadeira guerreira.
Acabando o dia com “Carvão”. Filme do qual não estava à espera que fosse tão pesado mas foi definitivamente memorável. Relata uma família claramente disfuncional, pobre, que vive numa zona pobre do Brasil onde produz carvão. Esta família decide entrar num plano por desespero de falta de dinheiro, onde têm que acolher um drug lord…
A definição de “eat the rich” no seu melhor.
Acabamos o festival no dia 14 com “Commitment to Life”, um ótimo filme de fecho. Um documentário sobre o VIH nos Estados Unidos. Este filme custa muito a ver mas é estritamente obrigatório de ver. A evolução do tratamento e a cura do VIH, a banalização que hoje existe do mesmo só existe devido aos relatos que existem neste filme. E é importante ser relembrado que ainda é uma doença bastante presente e onde é que a mesma está mas também do seu começo. Da dor e do ódio, da quantidade de pessoas que morreram devido à constante ignorância existente e ao facto de o governo não aceitar de ensinar às pessoas ou ter qualquer ação para desmistificar o preconceito que ainda existe à volta desta doença.
-
quarta-feira, 04 dezembro 2024