Family Film Project 2023
No encantador abraço de Outubro, o Family Film Proejct Festival desenrolou as suas velas cinematográficas pela 12ª vez, convidando os entusiastas do cinema a embarcar numa viagem pelos territórios desconhecidos do Arquivo, da Memória e da Etnografia.
De 14 a 21 de outubro, esta celebração anual das artes cinematográficas transformou o ato comum de assistir filmes em uma fascinante exploração de narrativas pessoais, Conseguiram transformar numa viagem fascinante pelas diversas paisagens da narrativa. Com destaque para o não convencional, o experimental e o abaixo do orçamento, esta edição do festival foi um testemunho da criatividade sem limites que prospera para além dos limites do cinema convencional.
Além da trifeta temática “Arquivo, Memória e Etnografia”, o encanto único do festival reside na sua dedicação às histórias profundamente pessoais que emanavam de todos os cantos do globo. Cada filme, workshop e evento tornaram-se um testemunho da linguagem universal da experiência humana, tecendo histórias que transcendem fronteiras e ressoavam com o coração de diversas culturas.
Este ano, o festival não só apresentou tesouros de arquivo e maravilhas experimentais, mas também se tornou uma janela comovente para as experiências vividas por mulheres e LGBTQIA+ de diferentes cantos do mundo. Desde histórias de opressão a narrativas de empoderamento, o festival pintou um quadro vívido de como as mulheres e LGBTQIA+ podem inverter o sistema e recuperar a sua agência face à adversidade.
Uma tapeçaria tecida com Naomi Kawase: revelando o legado cinematográfico
À medida que a nossa odisseia cinematográfica pelo Family Film Festival 2023 zarpa, encontramos-nos às margens de uma retrospectiva dedicada à visionária diretora japonesa Naomi Kawase. No vasto cenário de narrativas pessoais e maravilhas experimentais, o trabalho de Kawase é um testemunho do poder da narrativa que transcende as fronteiras culturais.
A decisão do festival de destacar Kawase não foi apenas uma homenagem a um ilustre cineasta; foi um convite para explorar os intrincados fios que se entrelaçam nos seus filmes. Desde filmes em que Naomi realizou muito nova com uma simples câmara de película a filmes considerados mais agressivos e completamente cru “Birth/Mother” , as lentes de Kawase capturam a essência da vida com uma autenticidade que ressoa em todas as culturas e fala ao cerne da experiência humana, sempre da forma mais natural e crua possível.
Aqui, seus filmes tornam-se não apenas exibições, mas janelas para a alma de uma diretora cuja habilidade narrativa ecoa através dos tempos.
O começo do festival foi dado com exposições e performances, tendo então começado logo pelo dia 17 neste artigo.
Neste primeiro dia, temos como exibição um filme de arquivo sobre Itália e as TVS, por Luciana Fina. A mesma iria dar um workshop intitulado de “Entre Linhas” no dia seguinte. Senti que este filme foi importante principalmente pela sua base estética mas, acima de tudo, histórica. Luciana permite com que entremos na itália de 1960 a 1070, entre a cor e o preto e branco, entre o que se passava no mundo e de como era observado pelos italianos. “Andromeda”, 2023.⭐️⭐️⭐️/5
No dia 2, temos um filme português, uma curta, onde senti que se destacou mais pelas outras. 2º Pessoa por Rita Barbosa. Rita consegue fazer o que todos pensamos quando temos a vista para os vizinhos. Imaginar e/ou observar os mesmos, quase como fuga do nosso dia a dia. No entanto, esta história tem algo bastante interessante porque, para além da imagem ter este tipo de assunto, Rita tem como narradora uma senhora já de idade onde fora casada e após este divórcio, fala de como se apaixona por uma mulher e conta a vida de ambas.
temos um filme que foi o que mais se destacou do dia, que, apesar de biased, me tocou muito e continua a provar o quanto a ida a este festival é tão importante: “Don’t Worry About Índia” um filme por Nama Collective, onde enquanto narrado, vemos as diversas, ou falta delas, diversidades que se ainda vive hoje na Índia. (Castas, pobreza vs riqueza, tudo pela casta onde se nasce e serve). O narrador, vindo ele de uma zona privilegiada, aproveita para sair da sua zona de conforto e começa a viajar pela índia, seja para visitar o tio, seja para demonstrar a corrupção das eleições. É um filme, na minha opinião, que deve ser obrigatoriamente visto, sendo que portugal está extremamente atrasado na história mas também e sobretudo, é um filme onde se aprende. ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️/5
No dia 19, temos uma excelente seleção de curtas onde se destacam “NEW YORK 81” por Jannicke Systad Jacobsen, “Dear Viewer” Samir T. Radwan e “The Light of Masao Nakagawa” de Hideki Nakazaki. .
Começando pelo primeiro filme, “New York 81”, tudo se desenvolve quando a realizadora, aos 25 anos que na altura trabalhava num laboratório e depara-se com uma fotografia que nunca fora levantada. Demorou quase 20 anos, redes sociais e movimentos para tentar encontrar as pessoas na fotografia. O título do filme original da t-shirt que uma das pessoas que estavam na fotografia estava a usar. ⭐️⭐️⭐️⭐️/5
“Dear Viewer” trata-se de um quase poema em película, narra, algo que podemos notar que é bastante presente neste festival - mas não deixa de ser algo extremamente bonito e tocante. ⭐️⭐️⭐️⭐️/5
Por fim, “The Light of Masao Nakagawa”, trata-se da vida de Masao, pessoa que tinha o seu próprio estúdio analógico durante 40+ anos no perú e de como este deixa de existir uma vez que ele morre. ⭐️⭐️⭐️⭐️/5
Na sessão seguinte temos os dois galardoados, “4081 Nights” de Launence Michel e “Ponto Final” Miguel López Beraza.
Em 4081 noites seguimos a própria realizadora no seu percurso contra o alcoolismo e a saúde mental que se deteriorava devido ao mesmo também algo bastante presente no seu dia a dia, principalmente em Portugal. ⭐️⭐️⭐️/5
“Ponto Final” torna-se numa comédia, variando em gravações reais e green screen com o propósito de não o ser perfeito. Beraza confronta-se, durante o filme, o caso do pai onde este tem cancro e tenta recriar, de certa forma, em Lisboa, um dos seus filmes e realizadores favoritos “Marcello Mostroianni” tendo os próprios pais. Este filme então varia com o mesmo elenco em Lisboa e em sua casa, Madrid. ⭐️⭐️⭐️/5
Na sessão seguinte, não há introduções, tendo eu já visto o filme mais de 5/6x, “Homem do Lixo” por Laura Gonçalves. Uma animação perfeita sobre a história de um tio falecido durante um almoço de família. Chegou a entrar na shortlist dos óscares e continua a acumular prémios. ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️/5
Neste final de sessão temos “Mistida” filme com Welket Bungué, ator conhecido tendo feito parte do último filme de David Cronenberg “Crimes of the Future”. O filme é somente um diálogo entre filho e mãe, mas é fortíssimo. Retrata o racismo interiorizado e exteriorizado, inclusive na própria sala do cinema, onde várias das falas eram criólo e muita parte do público “imitava” ou gozava. Mais uma vez, estes filmes são da maior importância para conseguir com que este tipo de público aprenda alguma coisa e veja que as suas ações são erradas. ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️/5
Passando para a masterclass com David Ernaux-Briot, houve muitos problemas por falta de tradutor direto, ficando aquém para quem não percebesse a língua (francês), quem tivesse que esperar pela tradução e, sendo um festival internacional, a falta de tradução para aqueles que não falam francês ou português. Já para não mencionar a falta deste e de outros festivais em que cobrimos até agora, dá atenção às pessoas com problemas de audição, onde o som era ridiculamente alto ou para quem nem sequer ouve, a falta de tradutor para os mesmos. Tal como a falta de Braile. Sendo o Cinema Batalha conhecido por sua diferença, acharia que haveria mais atenção a tal. Por estes motivos, não se ganhou tanto, a meu ver, nesta masterclass.
Após esta masterclass, passamos para o filme de David, “Les Années Super 8”, estado em Cannes, onde David retrata a sua vida antes e depois de ter filhos, até ao seu divócio. Este filme foi criado entre o realizador e os seus filhos por curiosidade de ver os seus anos antes e até crescidos e o seu falecido avô. ⭐️⭐️⭐️⭐️/5
Nos últimos dois dias temos o foco de Naomi Kawase. A curadoria do mesmo foi delineada desde dos seus primórdios, os seus ganhos em Cannes, a cultura japonesa mas principalmente o início e fim da sua avó. São filmes como um crescendo, cada vez mais fortes e mais emocionais, no entanto, não são para todos. Kawase tem a sua própria linguagem e é assim que se distingue. É tudo natural ao ponto de dar nojo, enjoo mas com emoções também, lágrimas. Principalmente o filme que se destacou mais, para mim foram ambos onde Kawase quer se tatuar e o outro é o “Birth/Mother”. Filme este que retrata o parir no japão e o que envolve - fora do hospital, num centro, de forma natural e do que estamos acostumados. ⭐️⭐️⭐️⭐/5
À medida que as velas cinematográficas se desenrolam no cenário encantador do Family Film Project Festival 2023, fomos guiados numa viagem além dos limites do convencional.
Este ano, mais do que nunca, é um festival ridiculamente importante para as massas.
O festival não foi apenas um espetáculo de imagens em movimento; era uma tapeçaria viva de experiências, emoções e perspectivas.
O foco nas narrativas pessoais, no experimental e no suborçamento não apenas desafiou as normas cinematográficas, mas também nos levou a mundos onde a autenticidade é a moeda. Em cada curta-metragem, documentário e obra de Naomi Kawase, testemunhamos a riqueza da diversidade humana, desde as complexidades da Índia contemporânea, imensos filmes sobre a Turquia, e outras religiões onde oprimem as mulheres de uma forma brutal até aos dias de hoje.
A retrospectiva dedicada a Naomi Kawase serviu como uma linha do tempo emocional, desde os seus primeiros passos no mundo do cinema até às suas explorações mais profundas da condição humana. A sua linguagem cinematográfica única, muitas vezes crua e natural, deixou uma marca indelével, desafiando-nos a ver o mundo através das suas lentes únicas.
O festival não se limitou à tela. A atenção às histórias e questões sociais das mulheres e LGBTQIA+ foi um poderoso lembrete de como o cinema pode ser uma ferramenta para a mudança social e dar voz aos marginalizados. Cada filme foi mais que uma obra de arte; foi um convite para refletir, desafiar preconceitos e, principalmente, aprender.
No entanto, como qualquer obra de arte, o festival não ficou imune a desafios. A falta de tradução direta e a ausência de atenção às necessidades dos telespectadores com deficiência auditiva foram pontos a serem considerados para futuras edições. A inclusão deve ser tão vibrante nos bastidores quanto na tela.
À medida que os quadros finais de Naomi Kawase dançam na tela e as luzes do Family Film Festival se apagam, ficamos com um sentimento de gratidão pela experiência enriquecedora. Este não foi apenas um festival de cinema; foi uma celebração e uma relembrança da humanidade e da sociedade onde vivemos, onde cada imagem, cada história e cada nota musical contribuíram para a rica tapeçaria da condição humana e do pensamento.
O que eu espero é que as memórias deste festival ressoem por muito tempo, inspirando-nos a continuar a explorar as fronteiras do cinema e da compreensão humana. Até à próxima viagem cinematográfica, onde novas velas se desenrolarão e novas histórias nos aguardarão nas telas do Family Film Project Festival.
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sábado, 23 novembro 2024