NOS Alive - 12 Julho 2018
Estava esgotado desde Dezembro. Nunca antes um festival esgotou com tanta acedência em Portugal. Arctic Monkeys, Queens of the Stone Age e Pearl Jam foram os culpados para tal feito, levando a que a antecipação para a 12ª edição do NOS Alive fosse tremenda. Após três dias repletos de boa música, excelentes concertos e um clima convidativo, o NOS Alive cimentou a sua posição enquanto o festival de Verão predileto do público português.
Apesar das inúmeras novidades para a edição deste ano, onde uma das que mais sobressaiu foi certamente o extenso relvado sintético que pintou de verde todo o recinto, se há algo que sempre sobressaiu no NOS Alive foi o seu cartaz, e o primeiro dia foi uma excelente demonstração de tal repertório que tornou o evento de Algés como um caso sério de reconhecimento internacional.
Para dar arranque ao primeiro dia desta edição do NOS Alive, foi estrear-se o novo Palco Sagres, leia-se antigo Palco Heineken, para acolher a estreia da francesa Jain no nosso país. Alter-ego de Jeanne Galice, Jain acabaria mesmo por ser a heroína da tarde do dia 12, não só pela sua indumentária a relembrar o look da Captain Marvel, mas sim pela capacidade em deixar todo o público a abanar o pé, feito considerável tendo em conta o horário diurno.
Fazendo-se acompanhar somente por uma mesa de som, tanto ativada por Jeanne como pela luva que a própria usava – as semelhanças ao mundo dos super-heróis agrava-se, ou não nos lembrássemos de Síndrome do filme The Incredibles – Jain protagonizou uma das atuações mais eletrizantes deste primeiro dia do NOS Alive, onde “Come”, “Alright” e claro “Makeba” levaram a que a pista de dança de Algés abrisse bem cedo.
Eletrizante q.b. e a puxar os galhardetes ao indie rock enérgico estiveram os Wolf Alice. Depois de se terem estreado neste mesmo festival há dois anos, o voraz rock britânico do quarteto regressou para apresentar o seu segundo longa-duração, o aclamado Visions of Life lançado o ano passado e que deixou o Palco Sagres cheio até às costuras.
Com uma entrada avassaladora, que se fez ao som de “Your Loves Whore”, “Yuk Foo” e “You’re a Germ”, os Wolf Alice aumentam a parada das suas canções quando estas sobem a palco, entrando-se numa dimensão bem mais rockeira daquele que é suscitada em disco. Isto deve-se em muito pela irreverência de Ellie Rowsell, frontwoman com carinha de menina de coro mas vozeirão de princesa das trevas, tão bem demonstrado em “Space & Time” ou “Fluffy”.
Alienando o melhor dos dois discos de uma (ainda) breve mas promissora carreira, os Wolf Alice voltaram a triunfar num palco secundário do NOS Alive, fazendo mais e melhor, em todos os sentidos, quando em comparação a 2016, com a evolução da banda a ser notória ao reouvir-se “Moaning Lisa Smile”, “Giant Peach” e “Lisbon”. A continuar assim, ninguém conseguirá pará-los.
Em papel, lia-se que o cabeça de cartaz do dia eram os Arctic Monkeys, premissa suportada pelas centenas de t-shirts alegóricas à banda de Sheffield. Já em palco, a história demonstrou-se um pouco diferente, ou não tivessem os Nine Inch Nails dado um concerto que certamente ficará para a história do festival.
O horário não era o mais adequado, é certo, ou não fosse a conjunção entre rock do pesado com o pôr-do-sol um cenário que poucos equacionavam como o mais propício para um concerto de Nine Inch Nails. Todavia, o esmagador set que a banda de Trent Reznor apresentou levou a que os fãs da banda imergissem de tal forma dentro das canções que o ambiente ao seu redor passasse para segundo plano.
Debruçado sobre o tripé do microfone, Trent Reznor liberta cedo o ataque das suas tropas pelo Passeio Marítimo de Algés, liderando a investida logo ao som de “Wish”, um dos primeiros êxitos da banda. Com uma força e garra desmedidas, os Nine Inch Nails conseguem contrabalançar entre uma explosão sonora, que roça um estado de caos saudável, e momentos passageiros intimistas e de cariz emocional. Porém, é dentro de um registo de fúria e agressividade que reside a verdadeira essência de Nine Inch Nails, uma que que provavelmente chocou a juventude que já marcava lugar para Arctic Monkeys.
Desde “March of Pigs”, “The Hand That Feeds”, “Copy of A” e “Closer”, os Nine Inch Nails apresentaram-se em jeito de best-of, passando um pouco por todas as fases da sua vasta carreira, que celebra em 2018 os trinta anos de existência. Com o NOS Alive submerso numa atmosfera negrume, com o rock da trupe de Trent Reznor, que tanto oscila entre o noise, industrial ou punk, a servir de farol, o concerto dos Nine Inch Nails acabaria mesmo por transcender até o estatuto de ‘experiência’, não só música avassaladora a decorrer em palco mas como também pelo excelente jogo de luzes e vídeo, com estes a tornarem-se cada vez mais hipnotizantes à medida que a noite se instalava pelo Passeio Marítimo de Algés.
Culminando ao som de “Hurt”, tema assinado pela banda mas que seria imortalizado pela versão de Johnny Cash, os Nine Inch Nails foram sem sombra de dúvidas os grandes vencedores deste primeiro dia do NOS Alive, com a entrega e dedicação da banda a valerem-lhes, no mínimo, o estatuto de co-headliner.
Foram um sucesso um pouco por todo o mundo entre 2008 e 2012, muito por culpa dos seus singles festivos e enérgicos; aliás, ainda hoje algumas das suas canções teimam em permanecer nos ouvidos, como é o caso de “Skeleton Boy”. Mesmo com um hype que já lá vai, os Friendly Fires apresentaram-se no Palco Sagres numa tentativa de levarem os seus fãs a recuarem ao início da década, onde o tripleto britânico liderava as pistas de dança.
Apesar de os tempos de glória já lá irem, a capacidade que a pop eletrónica bem polida dos Friendly Fires tem de fazer a festa manteve-se intacta; está viva e recomenda-se. Se a sonoridade da banda só por si já é contagiante, com “Lovesick”, “Jump In The Pool” e “Skeleton Boy” a imporem um ritmo festivo, a energia constante de Ed Macfarlane, que tanto canta e dança a um ritmo fulminante, leva a que ninguém queira ficar atrás do irrequieto vocalista; é a cereja no topo do saboroso bolo dos Friendly Fires.
Com um terceiro disco de originais no horizonte, a mirar um regresso aos tempos de ouro, dois avanços do próprio foram escutados, os já conhecidos “Love Like Waves” e “Can’t Wait Forever”, com a pop vibrante de ambas a adoçarem o apetite numa festa que contou com “Paris”, “Live Those Days Tonight” e “Hawaiian Air” enquanto pratos principais.
A lotação precisa do Palco Sagres ainda é, aos dias de hoje, uma incógnita para muitos, mas Khalid veio cimentar a resposta que já todos sabemos: é insuficiente. A ascendente estrela do R&B estreou-se em Portugal para uma tenda a transbordar por todos os lados, registando-se até uns quantos fãs em cimas de caixotes de lixo para não perder pitada do norte-americano.
Recebido num imenso estado de apoptose por parte do público, com muitos a saber as letras do seu disco de estreia American Teen na ponta da língua, Khalid não teve que se esforçar muito para os ter na sua mão desde o primeiro momento a que subiu a palco. Contando com o auxílio de uma competente banda de apoio e de endiabradas bailarinas, Khalid mostrou-se visivelmente satisfeito perante uma receção tão calorosa, cantando e dançando sempre com um sorriso de miúdo estampado na cara – sim, são somente vinte anos em cima.
De voz segura, canções competentes e hooks viciantes, Khalid foi feliz em Portugal, quase tanto como as suas fãs que entravam em delírio ao som de temas “Saved”, “Young Dumb & Broke”, “Location” e “Silence”, tema de Marshmello a quem o artista dá voz. Com um segundo disco de originais a ser praticamente uma iminência, é quase um dado adquirido que Khalid marcará novamente encontro com o povo português; esperemos nós que num palco que possibilite maior afluência, quiçá mesmo o Palco NOS.
Muitos foram aqueles que cresceram ao som dos Arctic Monkeys, mais propriamente na companhia de Whatever People Say I Am, That’s What I Am Not e de Favourite Worst Nightmare. Como tal, está-se perante uma banda que terá sempre o nosso carinho e total devoção. Tal como nós, que crescemos e nos tornámos adultos – ou tenta-se – a banda de Sheffield também o fez, deixando para trás a ingenuidade e irreverência da adolescência.
Com o passar dos anos, os outrora miúdos de Sheffield, com cara decorada de acnes, tornaram-se numa das mais talentosas e bem-sucedidas bandas da atualidade, e isso deve-se em grande parte pela sua capacidade em reinventarem-se por completo com o chegar de um novo disco; em cada disco, é quase como rejuvenescessem uns novos Arctic Monkeys, uma espécie de fénix.
Por mais diferentes fossem as sonoridades nos novos discos, a qualidade sempre se manteve intacta, com esta a tornar-se evidente quando transposta para os palcos. Todavia, em 2018, os Arctic Monkeys tornaram-se brandos e apáticos, roçando quase o frouxo. A intensidade que lhes era característica, a cumplicidade entre as guitarras endiabradas de Turner e Cook conduzidas pela bateria imperial de Helders, afugentaram-se no mais recente Tranquility Base Hotel & Casino. Apesar de uma mudança de estilo, também considerável, se tenha registado em Humbug e AM, os concertos de Arctic Monkeys não perdiam o fulgor de outrora quando se apresentavam em palco, o que infelizmente não se registou no NOS Alive.
Arrancando ao som de “Four Out of Five”, um dos pontos altos do mais recente disco, embora a sua longa duração faz com que o tema se arraste mais do que o suposto, o concerto até poderia ameaçar ter Tranquility Base Hotel & Casino como foco principal. Porém, de seguida, três incontornáveis clássicos dos Arctic Monkeys são servidos de bandeja: “Brianstorm”, “Don’t Sit Down Cause I’ve Moved Your Chair” e “Crying Lightning”, levando à loucura os fãs marcavam lugar na grade desde do Palco NOS desde as 15h.
Logo de seguida, como se uma surpresa para a vanguarda dos fãs de Arctic Monkeys se tratasse, “The View From The Afternoon” leva-nos aos primórdios da banda, num momento de celebração mas que acusa um ligeiro desgaste e suavidade na sua sonoridade, remetendo-nos então para questão de como a banda se tem apresentado bem mais branda do que lhe é característico, pensamento este que seria cimentando no instante seguinte, ao som de “Teddy Picker”.
Tocada muito antes àquilo que lhe é hábito, “505” mantém o seu poder de unir o público numa só voz, naquilo que é o mais próximo que os Arctic Monkeys têm de uma balada no seu repertório. Entrando novamente em caminhos recentes, “Tranquility Base Hotel + Casino” acabaria por ser uma jogada em falso, remetendo o concerto para um processo de lentidão que encontrou alguma dificuldade em ser resgatado de tal estado, mesmo “Do Me a Favour” e “Cornerstone” pelo meio. Acabaria por ser ao som de “Do I Wanna Know?” que o público se voltaria a manifestar de forma intensa, como o fizera no início.
Se no início, Alex Turner era um tímido outsider que lutava por encontrar o seu lugar enquanto frontman dos Arctic Monkeys, o Alexander Turner dos dias de hoje adotou uma persona sedutora e carismática, um crooner cujo look quase que nos remete para Paulo Furtado (The Legendary Tigerman), mas que por vezes soa a demasiado forçada. Para o fim, Turner apresentaria “I Bet You Look Good On The Dancefloor” dizendo que, na altura, a canção significava-lhes pouco quando foi escrita, e que nos dias de hoje significava ainda menos. Esperemos nós que o mesmo não aconteça com os Arctic Monkeys.
Depois de uma atuação algo de murcha pelo NOS Primavera Sound o ano passado, Sampha regressou a Portugal para apresentar Process em Lisboa, desta vez com o disco já galardoado com o Mercury Prize Award. Apesar de os Arctic Monkeys ainda estarem em encore – ouvia-se “Arabella” à distância – Sampha tinha um Palco Sagres bem composto à sua espera, e quem optou pela troca certamente não saiu desiludido.
Face ao que fez da última vez em Portugal, ‘este’ Sampha é um homem praticamente novo, podendo mesmo dizer-se que agora sim Process foi apresentado em todo o seu esplendor ao público português. Sendo um disco que tanto reúne uma elevada componente de R&B e electrónica, esta última foi aquela que esteve em maior evidência, tornando a experiência de se ouvir Sampha ainda mais imersiva do que em disco.
Com três músicos de apoio a despertarem os mais ínfimos detalhes de Process, originando beats cativantes e até suscetíveis de se bater o pé, como em “Under” e “Plastic 100ºC”, Sampha revelou-se numa aposta segura para dar como terminada a noite do primeiro dia do NOS Alive, com “Blood on Me” a ter direito a uma versão alargada que certamente não deixou ninguém indiferente.
N.R.: Por motivos alheios à vontade do Festivais de Verão, não nos foi possível fotografar Nine Inch Nails e Arctic Monkeys
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quarta-feira, 18 julho 2018