NOS Alive - 14 Julho 2018
No dia 1 de Dezembro de 2017 último, o NOS Alive anunciou Pearl Jam como cabeça-de-cartaz para o terceiro dia do evento. Nem uma semana se passou e tanto o dia 14 de Julho como o passe de três dias para o evento evaporaram-se por completo. Nunca antes se tinha registado tal coisa num festival em Portugal. Passados sete meses a antecipação para o derradeiro dia do NOS Alive era tremenda e, tal como o mesmo sempre nos habituou, em nada desapontou.
Num dia em que Pearl Jam eram, sem sombra de dúvida, a banda mais aguardada do dia, foi no Palco Sagres que começámos a perder-nos de amores, mais concretamente ao som dos Real Estate.
De sonoridade refrescante, longe da vanguarda rock que tomaria de assalto (quase) toda a programação do Palco NOS, a deliciosa jangle pop do quarteto de New Jersey juntou uma quantidade considerável de curiosos pelo Palco Sagres. Em promoção do mais recente In Mind, a simpatia dos Real Estate alienou-se ao cariz relaxante das suas canções para auferir um serão de descontração que teria em “Darling” ou “It’s Real” como momentos auge.
Para falar sobre Franz Ferdinand, o melhor será mesmo começar pelo fim, que se fez ao som “This Fire”, ou não tivesse o (agora) quinteto escocês incendiado o Palco NOS em mais uma celebrada passagem da banda por palcos portugueses.
Quatro anos passados desde a última passagem da banda portuguesa, não se contando então com a sua apresentação no Super Bock Super Rock, em 2015, enquanto F.F.S. (Franz Ferdinand + Sparks), os Franz Ferdinand sofreram uma grande mudança interina ao deixarem de contar com Nick McCarthy, guitarrista de longa data que levou à inclusão de dois novos músicos, guitarrista e teclista, para colmatar a sua saída. Fruto desta alteração, Always Ascending, quinto disco de carreira, apresenta um registo bem mais eletrónico e dançável daquilo que era comum na trupe de Alex Kapranos. Porém, pouco se ouviu do novo disco, optando então a banda por reviver os grandes clássicos que tornaram-nos numa das mais bem-sucedidas bandas indie rock deste milénio.
Desde a entrada rompante ao som de “Do You Want To” e “The Dark of The Matinée”, passando por outros grandes marcos como “No You Girls”, “Love Illumination” ou “Ulysses”, os Franz Ferdinand exaltaram os ânimos um pouco por todo o Palco NOS, com Alex Kapranos, com toda a sua boa disposição, a não desistir até instaurar um clima festivo, clima este que quase se dissipava em “Lazy Boy” ou “Glimpse of Love”, vislumbres do recente álbum.
Talvez um pouco mais contidos e brandos do que aquilo que lhes era hábito, especialmente tendo em conta as suas últimas passagens por Portugal aquando a outros festivais, como no MEO Marés Vivas e o Vodafone Paredes de Coura, é difícil de não sentir que faltou alguma coisa aos Franz Ferdinand, apesar de ninguém questionar a sensação de dever cumprido, especialmente quando se ouviu o hino de estádio no qual “Take Me Out” se tornou, deixando o público em total estado de euforia.
Euforia era também o estado de espírito que se vivia pelo Palco NOS Clubbing, ao som dos sempre explosivos Throes + The Shine. Influenciados pela cultura africana, que os levou a juntar rock a kuduro para originar “rockuduro”, Igor Domingues, Marco Castro e Mob implementaram uma frenética sede de dança e de diversão contagiante, com a banda a incentivar fortemente a que público se juntasse a si na mais diurna festa que o NOS Alive já vira nesta edição.
Tendo em conta a árdua tarefa que seria a de preencher os sapatos de Diron, que saiu da banda para perseguir uma carreira a solo, Mob, o novo frontman, não encontrou grandes dificuldades em contorná-la e comandar o público à sua vontade, com este último a obedecer a todas as suas ordens e coreografias, como um mosh em “Batida” e um fervoroso serão de saltos em “Keep It In”.
Com “Tuyeto Mukina” e “Guerreros” a fomentar uma festa em constante crescendo, tanto a nível de intensidade como de afluência, os Throes + The Shine certamente que atrasaram o horário de jantar de muitos festivaleiros que optaram por se divertir na companhia da banda do que matar o bucho, sendo uma agradável surpresa somente para quem não conhecia este tripleto.
São muitos aqueles que defendem, de forma convicta, que Jack White é o mais talentoso guitarrista em ativo nos dias de hoje, e no preciso momento em que o ex-White Stripe sobe a palco para se lançar ferozmente ao riff contagiante de “Over and Over and Over”, torna-se difícil de argumentar contra, especialmente com “Lazaretto” logo de seguida para cimentar a tal premissa.
Apesar de trazer na bagagem Boarding House Reach, lançado este ano, pouco se ouviu do mais recente disco de White, aliás, o alinhamento pecou a nível de canções de autoria única de Jack White, com o guitarrista a apostar fortemente nos cancioneiros de The Raconteurs, The Dead Weather e claro, The White Stripes, tudo projetos onde a genialidade do artista era a principal evidência.
Mesmo com a energia no máximo ao longo de uma hora cheia de pujança sonora, onde a guitarra de Jack White merecia ser louvada como um objeto de culto – de salientar também a excelente prestação da banda de apoio – o fatídico calcanhar de Aquiles de White acabaria mesmo por ser a antecipação pela banda que o sucederia, com os fãs de Pearl Jam a demonstrarem pouco interesse num artista com o calibre do de Jack White.
Fosse através de “Steady, as She Goes”, dos The Raconteurs, “I Cut Like a Buffalo”, The Dead Weather, ou “We’re Going To Be Friends” e “Icky Thump”, dos The White Stripes e que só por si mereciam uma atenção redobrada pela dificuldade de encontrarem o seu caminho para palco face ao desmembramento da banda, a receção por parte do público à mesma era escassa, facto ainda mais triste perante a entrega e qualidade de Jack White em todas as canções. Já o público, esse acordaria no fim e unar-se-ia numa só voz ao som “Seven Nation Army”, hino de estádio um pouco cantado por todo o lado mas que a julgar por aquela noite de sábado, nem todos deveriam saber que a mesma foi assinada por Jack White.
Era o concerto mais esperado do dia, quiçá do festival inteiro, e em nada desiludiu. Em qualquer coisa como duas horas e picos de concerto, os Pearl Jam justificaram o porquê de serem uma das bandas mais bem-sucedidas de todos os tempos, assinando um concerto que certamente ficará na memória dos fãs como um dos melhores das suas vidas, daqueles que se levará no coração para sempre.
Quem conhece Pearl Jam, mais concretamente o seu trabalho ao vivo, sabe que a banda reinventa o repertório para de palco em todos os concertos, sendo o respeito enorme pelo seu trabalho pré-2000 a constante partilhada entre todos. É sobre esse que os seus concertos se desenrolam sobram, sendo estas também as canções que a maior parte do público anseia por ouvir, como se verificou logo de início ao som de “Better Man”, um dos maiores êxitos dos Pearl Jam por estas bandas, canção que poderia ter sido um momento de comunhão total entre banda e público em uma só voz, mas que acabaria por ser atraiçoada pela necessidade constante de se registar o momento nos telemóveis – vendo-se um pouco de todas as marcas de telemóveis do mercado no ar, o iPhone é a marca de eleição no público do NOS Alive.
Sendo dos únicos sobreviventes da cena grunge dos anos 90, os Pearl Jam têm uma das mais respeitáveis legiões de fãs que qualquer banda algum dia poderia sonhar em ter; estes devotos idolatram a banda de Seattle de forma tão fiel que tudo onde a banda toque torna-se em ouro. Exagero ou não, a verdade é que há algo de especial nos Pearl Jam, ora seja pela sua capacidade em tocar no íntimo dos seus fãs ou por assinarem concertos de teor elevadíssimo de qualidade, onde tanto o cenário como a qualidade de som estão no ponto.
Ao longo de duas horas, amor, saudade e empatia foram as sensações de serviço, aos quais se juntaria o carinho de Eddie Vedder nas muitas abordagens que teve com o público, desde os elogios da praxe, tentativas em falar o nosso português ou discursos políticos. O encanto na voz Vedder já lá vai, já não é a mesma, mas a entrega e vitalidade com que brinda o público português abonará sempre a seu favor, com o detalhe da voz a (quase) deixar de ser o mais importante.
Em noite onde se percorreu praticamente toda a carreira dos Pearl Jam, quiçá em jeito de recompensa por uma espera de oito anos, muitos foram os êxitos do grupo se Seattle que se fizeram pelo Passeio Marítimo de Algés, para rejúbilo dos fãs, como “Even Flow”, “Jeremy”, “Black” e “Alive”, com as duas últimas a serem das mais aplaudidas e celebradas da noite. Porém, o alinhamento contou também com temas não tão conhecidos pelo grande público, mas que foram acolhidos braços abertos pelo público como se de autênticos singles se tratassem, assim como versões de Pink Floyd – “Confortably Numb” e “Interstellar Overdrive” – e de John Lennon, com “Imagine” a juntar imensas gerações de voz numa cantoria desmedida, quase ofuscando a própria voz de Vedder.
Para o final, ficou reservado uma enorme que surpresa que certamente ficará para a história do festival: depois de “Porch” conter um snippet, da “Seven Nation Army”, o próprio Jack White juntar-se-ia aos Pearl Jam para emprestar a sua guitarra no clássico de Neil Young “Rockin’ in the Free World”, dando-se então por terminado o concerto que certamente marcou esta edição do NOS Alive.
Supostamente, os At the Drive-In deveriam ter começado o seu concerto às 1h15. Com o atrasar do concerto dos Pearl Jam, e cumprindo-se o pedido de não haver mais ninguém a tocar ao mesmo tempo que a banda de Seattle, o quinteto do Texas veria a sua atuação a começar mais tarde como a ser encurtada, meia hora para ambas.
Estreando-se no nosso país o ano passado, no Vodafone Paredes de Coura, o NOS Alive não primou muito em ser uns anfitriões de honra para a banda de El Paso, dando-lhes direito a pouco mais de uma mão cheia de canções. Como consequência, os At The Drive-In viram-se sujeitos a contradizer a máxima do “depressa e bem, não há quem”, assinando um concerto destrutivo, caótico e violento, dando quase a entender que o combustível que lhes dava força era proveniente da raiva perante o sucedido.
Entre “Hostage Stamps”, “Governed by Contagions” e “One Armed Scissor”, o animal enjaulado que dorme dentro de Cedric Bixler libertou-se para destruir tudo o que encontrasse no caminho, esperneando-se e gritando na tentativa reger um reinado de caos pelo Palco Sagres – conseguiria essa tarefa, naturalmente. Em suma, At the Drive-In foi curto e grosso, demolidor e arrasador. No fim, Cedric diria mesmo que “o set de Pearl Jam pode ser grande, mas não é tão grande como a minha pila”.
Dando a nossa reportagem desta edição do NOS Alive como terminada, foi com alguma expectativa que se furou pelas linhas frente do Palco NOS, tarefa muito mais fácil do que se contava, para acolher o regresso dos MGMT a Portugal, curiosamente no mesmo festival por onde passaram da última vez que estiveram por cá, há quatro anos atrás.
Depois de um terceiro disco que não se esmerou por criar boas recordações, foi com grande satisfação que se ouviu o novíssimo When You Die, onde o registo psicadélico da banda se alienou de forma sublime com uma synth-pop a emprestar o melhor dos anos 80; era o regresso em grande que tanto se aguardava pelos MGMT.
Porém, a transição para palco não foi a mais harmoniosa, aliás, arrisca-se mesmo a dizer que a magia do disco perde-se por completo perante as dimensões de um palco tão grande como o NOS. Apesar do espetáculo da dupla americana beneficiar muito mais de um ambiente noturno, tanto seja pelo jogo de luzes, pelas projeções hipnotizantes ou pela facilidade em imergir na riqueza das suas canções, o impacto de “Little Dark Age”, “When You Die” ou “James” em nada é arrebatador como o esperado, com “Me and Michael” a ser a (agradável) exceção.
Mas os MGMT têm bem mais trunfos na bagagem do que o novo disco e, verdade seja dita, conseguiram reunir uma afluência considerável de público, mesmo depois de muitos terem desertado após Pearl Jam. Para os que ficaram, para os que queriam bater o pé no Passeio Marítimo de Algés por uma última vez, “Time To Pretend”, “Electric Feel” e a inevitável “Kids”, com direito a um snippet improvisado da “Seven Nation Army”, levaram o público ao rubro e fizeram com que os MGMT conseguissem terminar o NOS Alive de forma vitoriosa, mas não gloriosa como se pretendia.
Mais um ano, mais uma edição de sucesso do NOS Alive, cimentando o seu estatuto enquanto um dos (se não mesmo o) melhores festivais portugueses da atualidade.
Para o ano, o Passeio Marítimo de Algés volta a abrir portas nos dias 11, 12 e 13 de Julho, deixando-se a fasquia altíssima para superar esta edição de 2018. Mas claro, se há alguém capaz de superá-la, é o próprio NOS Alive.
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terça-feira, 24 julho 2018