Reportagem 1, 2 e 3 de junho Rock In Rio Lisboa
1 de junho
Ao terceiro dia ocorre a invasão pré-adolescente. Dia da criança, Maroon 5 pela primeira vez em Portugal e uma legião de fâs abaixo dos 18 em mini-saia para ver a banda de Adam Levine e companhia e, ainda, o regresso de Lenny Kravitz ao nosso país. Naquele que foi o dia mais familiar do festival, viu-se uma adesão enorme por parte de um público que raramente vai a concertos/ festivais, o que explica as filas ainda maiores que o normal nas diversões e bancas. Se já com Linkin Park o público foi novo, aqui ainda o foi mais; e maioritariamente feminino.
O dia começou com os Expensive Soul no palco principal, já com 30 000 pessoas no recinto. Fizeram a festa, perante um público que se mostrou conhecedor dos singles que passam nonstop na rádio, e deram um concerto competente onde ficou mais uma vez patente a energia da dupla ao vivo, e a satisfação desta em tocar perante um público tão grande (terminaram com “Hoje é o Dia Mais Feliz da Minha Vida”, e algum significado há-de ter). Canções como “O Amor é Mágico” foram cantadas quase a uma voz, e afirmam-se cada vez mais como uma das bandas mais populares por cá.
Ivete Sangalo veio a seguir, e foi recebida com a adoração de sempre (muito público brasileiro, como seria de esperar). Rock in Rio não é Rock in Rio sem Ivete, sem Sorte Grande, e sem umas quantas bandeiras brasileiras no meio do público. E, efectivamente, Ivete continua com imensa energia, um espectáculo impressionante (palco com escadas, ecrã gigante e etc), com uma óptima banda, e canções que grande parte do público sabe de cor (sim, toda gente grita “POEIRAAAA!”). Não são poucos os que vão de propósito ao festival para a ver, e isso nota-se; e, efectivamente, quer se goste quer não, a Ivete ao vivo sabe sempre dar festa. Pelo meio ainda cantou “Easy”, além de todos os clássicos, como, a música dos Commodore imortalizada pelos Faith No More.
Os Maroon 5 eram, a par de Lenny, a banda que chamava mais gente, algo que se justifica por alguns hits, dois discos, e o facto de ser esta a primeira vez que pisavam solo lusitano (curiosamente, é o único concerto que vão dar na Europa o ano inteiro). Pop-rock bem feito acaba por ser isto: catchy e bem tocado ao vivo, com até Levine a pegar na guitarra para dar uns solos de vez em quando. Realmente, a banda ao vivo impressiona em muito pela vertente rock que dá a cada música, como se pôde ver logo com “This Love”, que teve um solo de guitarra que mais parecia saído de uma banda de classic rock (e é impressão minha ou o guitarrista deles é igualzinho ao David Gilmour dos anos 70?). Levine corre pelo palco, safa-se sempre menos quando tenta falsetes (não o faz muito, felizmente), e os Maroon 5 sabem bem o que o público mais quer ouvir, jogando bem entre os hits como “Sunday Morning” e as músicas menos conhecidas. Pode-se não gostar mas ao vivo as canções ganham inegavelmente uma dimensão que consegue impressionar até o maior descrente. “Moves Like Jagger” foi, claro, cantada/dançada por 90% do público, e “She Will Be Loved”, num arranjo que começou quase em acústico e terminou em apoteose, terminando na perfeição um concerto que foi, quem diria, francamente bom. Pop bem feita é isto.
Lenny Kravitz, por seu lado, desiludiu. Põe-se em questão até que ponto Kravitz é um nome viável para cabeça-de-cartaz, com aquela postura que já cansa e canções que, ao vivo, pouco ou nada crescem. Foi mesmo isso o mais estranho no concerto: êxitos como “I’m Always on the Run” perdem ao vivo a energia que têm em disco, em muito pelo ar de rock star cansado que Kravitz transporta, onde soa forçado quando se dirige ao público e distante quando toca. A banda é competente, mas não impressiona, e a atenção do público foi-se rapidamente dispersando; não foi de estranhar a debandada que se foi verificando, com muitos a dirigirem-se para a saída. Nem mesmo músicas como “American Woman” tiveram o impacto esperado, com o aborrecimento a instalar-se rapidamente num concerto de quinze músicas. No dia menos memorável do festival, a festa foi dos Maroon 5.
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2 de junho
Ao quarto dia, os veteranos vieram mostrar como se fazem as coisas. Bryan Adams e Stevie Wonder eram os dois grandes nomes do dia, justificando bem em palco o porquê de duas carreiras tão longas. O público foi radicalmente diferente do que se viu no dia anterior. Quarentões, casais que deixaram os filhos com a ama, e até algumas famílias inteiras que vieram para relembrar a adolescência ou para mostrar aos mais novos o que se fazia na altura. Menos fila nas bancas, menos correria; a calmaria instalou-se na Bela Vista.
Os The Gift foram os primeiros a pisar o palco principal, com o seu espectáculo colorido, estão todos vestidos com uma cor diferente, e até lançam balões ao público. Pop bigger-than-life de uma banda de culto por cá, com um alinhamento que passou pelas obrigatórias todas: “Driving You Slow” foi logo a primeira, e a partir daí os singles fizeram a festa. Festa essa que não impressionou particularmente: a voz de Sónia Tavares soou fraca, e a banda ao vivo, mesmo numerosa, não consegue fazer com que as músicas expludam tanto quanto se espera. Quem gosta, certamente gostou do concerto, mas também é certo que já fizeram melhor; quem não gosta, não sai convertido.
As coisas melhoraram com Joss Stone, que tem desde logo duas coisas muito a seu favor: uma presença em palco lindíssima e carismática e uma voz impressionante que ao vivo não perde nem um pingo do poder que tem em disco. Num concerto consistente e sempre competente, Stone mostrou algumas canções novas. Tocou “Super Duper Love” logo ao início para aquecer bem o público, e se os singles mais óbvios não faltaram, terminou com “Right To Be Wrong”, claro. Acompanhada por uma exelente banda, a cantora soul transpirou simpatia e foi francamente adorável dando um concerto que pouco teve de memorável, mas que foi certamente um momento agradável para todos os presentes.
Bryan Adams, que tocou perante uma multidão gigante, impressionou. Em forma como poucos estão, o cantor empenhou a guitarra e deu um verdadeiro show de rock, passando pelos êxitos de uma carreira já com décadas perante uma plateia de devotos. “Daqui a nada cansa-se” comentou um amigo meu, quando o cantor corre pelo palco e salta logo em “Kids Wanna Rock”; bem, não se cansou. Energia contagiante, voz em excelente forma e banda a acompanhar (que excelente guitarrista), e um alinhamento que ou passava por um êxito de rock que fez saltar os presentes (veja-se a inevitável “Summer of 69”), ou por uma balada que faz com que os casais se abracem (a melosa “Heaven”). Claro que a certa altura tudo começa a soar parecido, tudo tão anos 90, mas nunca cansa propriamente mesmo para quem não é fã e quer simplesmente ouvir bom rock’n’roll. Em palco, Adams defende com garra uma carreira que nunca esmoreceu. Com concertos assim, percebe-se bem o porquê do culto que ganhou cá.
Mas o concerto da noite não foi seu. Stevie Wonder foi o verdadeiro veterano, o verdadeiro mestre, que deu uma verdadeira lição musical em quase duas horas de concerto. Com uma simpatia que pareceu genuína (há muito tempo que não se ouviam tantos “I love you” num concerto), e com uma genialidade musical que só uma carreira de tantos anos constrói, Wonder comandou na perfeição a sua banda incrível, dizendo-lhes do teclado como tocar cada música, passando pelos seus êxitos naquilo que mais pareceu um jam nonstop de duas horas. Passou, claro, pelos singles óbvios, com “I Just Called To Say I Love You”, aquela canção bonita que os fãs mais acérrimos detestam, a ser a mais aplaudida, mas com “Supersticious” a ser o momento mais impressionante. Pelo meio tocou de tudo um pouco desde um pouco dos The Doors (um pedacinho da “Hello, I Love You”, totalmente improvisado), e até “Você Abusou”, a grande música brasileira que cantou num português perfeito. Sempre carismático, sempre com um sorriso no rosto, sempre com aquele abanar de cabeça ao piano que já se tornou icónico, e sempre com uma banda incrível por trás. Um concerto genial, dado por um músico que adora tocar, e que o faz como ninguém.
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3 de junho
E no último dia, o derradeiro veterano veio à Bela Vista, dar o concerto que definiria todo o festival, e não só: Bruce Springsteen e a sua E Street Band vieram a Portugal, quase vinte anos depois da primeira e até agora única passagem do ícone por cá. Foi o primeiro grande cabeça-de-cartaz anunciado, o que foi deixado para o último dia como que a criar expectativas, e restava agora rezar que Springsteen defendesse bem em palco o porquê de ser uma lenda viva. Muitos quarentões, cinquentões, e até acima disso dirigiram-se à Bela Vista para ver o regresso do grande a Portugal. Ambiente calmo, ainda que se sentisse no ar uma ansiedade diferente da que se tinha sentido nos restantes dias do festival. Bruce Springsteen é Bruce Springsteen e, para muitos, este tinha o potencial de ser o concerto de uma vida.
Mas antes, foram os Kaiser Chiefs que abriram o palco principal, com a energia do costume e os singles que todos conhecem. Rock catchy, bem feito, que ao vivo ganha dimensão graças a um vocalista completamente doido que faz o que bem lhe apetece. Músicas como “Never Miss a Beat” ou “Ruby” foram recebidas com saltos e aplausos, enquanto que outras mais novas receberam pouco mais que apatia. A carreira dos Kaiser Chiefs é feita de singles, de fãs casuais que os vão ver para ouvir as canções que conhecem da rádio e da TV, e ao vivo é exactamente isso que o público quer: os singles, nada mais. E se Ricky Wilson nem parecia particularmente efusivo, tudo mudou quando subitamente a meio de “Take My Temperature” decidiu sair do palco e… ir para o slide, de onde cantou parte da música. Bom concerto, como é costume serem todos os que dão por cá.
Os James foram os seguintes, e foi desde logo possível sentir o culto que rodeia a banda no nosso país. Concerto emotivo, tanto para o público como para a banda, onde se relembraram os êxitos de uma já longa carreira que, por cá, por várias vezes os trouxe. E percebe-se bem o sucesso: tocam na perfeição, têm um vocalista energético que a certa altura parece que está a ter ataques epilépticos e é curioso ver como até o público mais novo (onde eu me incluo) conhecia mais do que esperava. Músicas como “Laid”, “She’s a Star”, ou “Sit Down”, que encerrou o concerto numa versão mais calminha, são já uma herança dos anos 90 e são bem sustentadas em palco por uma banda ainda em excelente forma. Que regressem cá as vezes que quiserem.
De seguida, o nome cliché: Xutos & Pontapés. Por esta altura já 80% da população os viu, menos aqueles que não os querem mesmo ver, e o que se viu foi a banda em piloto automático, baseando o alinhamento nos singles do costume que toda a gente sabe de cor. Toda a gente cantou, toda a gente saltou e a banda, como sempre, parece feliz por ali estar. Nada de novo, mas nada de propriamente mau. Irrita, no entanto, que ignorem algumas das suas melhores músicas, como “Avé Maria” ou “Mãe”, que raramente são tocadas em festival. O que o público em geral quer ouvir não é isso, imagino eu; não são os Xutos dos anos 80, com garra e energia, mas sim os dos anos 2000 e afins, com os singles que passam na rádio até à exaustão. De qualquer forma, pela reacção do público, pareceu que esteve teve o que queria. São sempre uma aposta ganha.
E de seguida, a terminar a noite e a terminar o festival, o Boss: Bruce Springsteen. Por esta altura já não há muito a dizer. São muitos os que apelidam o espectáculo de concerto da década, a par do que Roger Waters deu cá a recriar o The Wall (não me atrevo a comparar os dois, foram ambos incríveis), e suponho que a única coisa que reste a fazer é dizer que, sim, foi mesmo assim tão bom. Não é só o facto de serem quinze músicos em palco a tocar incrivelmente, arrebatadoramente bem canções que moldaram a história do rock: é, também em grande parte, o facto de o fazerem com um prazer tão genuíno. Bruce Springsteen é imponente, genial na sua simpatia (pelo amor de Deus, o homem mudou o alinhamento para aceitar pedidos do público!) e surpreendente na energia e prazer que tem em fazer o que faz há já décadas. Corre pelo palco, nunca pára de falar com o público (num português arranhado), lê todos os sinais que lhe foram escritos e reage a cada um deles, chama crianças ao palco para cantar e dançar com ele e toca e canta tão, mas tão, tão bem. Como, aliás, o faz toda a banda. É por isso que mesmo as canções do mediano novo disco, Wrecking Ball, soam tão bem ao vivo, épicas e emoticas, ombreando bem com os êxitos que fizeram uma das mais importantes e incríveis carreiras da música actual. Nunca houve um momento morto, nunca houve um momento menos empolgante: foi um concerto sempre coerente e sempre arrebatador. Aquela sequência final, com “Born in the U.S.A”, “Born to Run”, “Glory Days”, “Hungry Heart” (tocada a pedido de alguém do público), “Dancing in the Dark”, “Tenth Avenue Freeze-Out” e a decidida no momento “Twist and Shout”, música imortalizada pelos Beatles que não estava no alinhamento e foi tocada perante o fogo-de-artifício de despedida do festival (uma visão inesquecível, diga-se) foi absolutamente monumental, e ficará marcada na memória dos presentes. Concerto da década? Muito possivelmente. Maior banda viva? É possível, também. Bruce Springsteen regressou finalmente a Portugal e deu a todos aquilo que todos queriam: o concerto de uma vida. Like a Boss.
A edição de 2012 termina assim com cerca de 353 mil pessoa s a passar pelo Parque da Bela Vista, em 2014 há mais.
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quarta-feira, 26 junho 2013