Reportagem 25 e 26 de Maio Rock In Rio Lisboa
25 de maio
Maré negra no primeiro dia do Rock in Rio, no já tradicional dia dedicado ao metal que trouxe os nomes do costume, mas que mais uma vez voltou a atrair famílias inteiras à Bela Vista. Visão interessante, ver quarentonas com meias de rede nos braços e miúdos de quinze anos de preto a fazer pseudo-mosh no lado esquerdo da grade. Para o bem e para o mal, relembra-nos que o Rock in Rio é, efectivamente, um festival para a família toda.
O dia começa com os Mão Morta no palco Sunset, dando arranque da melhor forma possível ao festival. Adolfo Luxúria Canibal possuído, como sempre, acompanhado por uma banda com a energia do costume (divertem-se imenso, e não o escondem) e muitos curiosos e uns quantos devotos em frente ao palco. Palco esse demasiado pequeno para um concerto tão grande, tão exemplar, onde canções como “Barcelona” ou “Anarquista Duval” foram entregues com uma perfeição arrebatadora. A certa altura, os Mundo Cão juntam-se ao grupo, complementando Pedro Laginha com a sua voz as já grandes canções daquela que há-de ser considerada por muitos a melhor banda da nossa história. E soube a bónus ouvir ainda duas músicas dos Mundo Cão: os singles “Morfina” (espectacular, como sempre) e a boa “Ordena que te Ame”, cantadas de forma sempre impressionante por Laginha (“Tem uma voz do caraças, para conseguir manter estes tons”, dizia um amigo meu ao meu lado), e com Adolfo a acrescentar gritos intimidantes (“intimidante” é, aliás, a palavra certa ao falar deste vocalista). Terminam em apoteose, com a inevitável “E Se Depois”, que tem de ser das melhores músicas punk-qualquer-coisa alguma vez feitas por cá, e é impossível não pensar que, aconteça o que acontecer, o dia já está feito. Mais uma vez digo, demasiado grandes para um palco tão pequeno.
Seguiram-se os Ramp naquele palco, com os Teratron, e tudo correu bem… até os Teratron entrarem. Há misturas que resultam bem (vénias, Throes + The Shine) e há outras que apenas soam estranhas. Mal os Teratron entraram em palco viu-se uma enorme debandada dos fãs de uma das maiores bandas de metal do nosso país. A intenção de certeza que foi boa, a execução nem tanto.
No palco principal, os Sepultura foram os primeiros, e deram um concerto que impressionou, acima de tudo, pela participação dos Tambours du Bronx, grupo de percussionistas franceses constituído por umas mãos cheias de tambores. Canções como “Requiem”, “Fever” ou a grande “Roots Bloody Roots”, que encerrou o concerto, cresceram imenso, sendo bem recebidas por uma plateia ainda não muito numerosa, mas que sabia ao que vinha.
No final, há tempo para ter uma epifania ao ver O Bisonte, banda portuguesa, no palco Vodafone (dedicado a bandas portuguesas) onde iam decorrendo showcases entre cada actuação no palco principal. Mais vale ser directo: os O Bisonte são grandes. O vocalista tem carisma do tipo sou-simpático-mas-tenho-um-bocado-a-mania-e-não-te-metas-muito-comigo, tocam todos de forma francamente impressionante para a idade que têm, e fica-se rapidamente com a certeza de que, mais ano menos ano, rebentam e tomam a música nacional de assalto. Excelente concerto que deram, revelador de uma óptima banda que pode vir a ser verdadeiramente grande. Gente nova a fazer coisas assim tão boas por cá não há muita. Vénias.
De volta ao palco principal, era a vez dos Mastodon, que actuaram perante uma plateia que ia crescendo lentamente. “Poderoso” é o adjectivo perfeito para o concerto do grupo de rock de barba rija, que com riffs de fazer estremecer o chão e aproveitando a passadeira que entrava pelo público dentro (parte do palco que os Metallica têm usado nesta digressão), incendiaram o parque da Bela Vista. Notava-se que bastante do público era fã, mas acima de tudo que mesmo os que não eram ficaram convertidos. Abandonando os discos mais antigos e concentrando-se maioritariamente no recente The Hunter (do qual tocaram nada mais nada menos que dez músicas), mostrando o quanto crescem ao vivo canções como “Black Tongue”, que teve honra de abertura, ou “Blasteroid”. Viu-se mosh e “mosh” (aspas para quando putos se tentam armar em rebeldes e andam aos encontrõezinhos… há sempre muito disto neste festival), mas viu-se acima de tudo uma plateia que foi aumentando ao longo da actuação, cada vez mais conquistada pelos barbudos que fazem magia com as guitarras (e que tocam, diga-se, com uma energia espectacular). Um amigo meu dizia-me, no final, que “estes gajos são do melhor que se vê no rock actualmente”. Com concertos assim, afirmações destas não hão-de estar longe da verdade.
E depois de um belíssimo concerto… os Evanescence, para apaziguar a juventude dos anos 2000 que comprou e devorou Fallen aquando a sua saída, sabendo mesmo hoje em dia de cor a letra de músicas como “My Immortal” (que não tocaram) e “Going Under”. Muito mudou a banda desde essa altura, nomeadamente no alinhamento, adaptando uma postura mais electrónica no mais recente (e péssimo) disco homónimo. Banalizaram-se por completo. Num concerto que nunca arrancou verdadeiramente, os Evanescence mostraram-se um cliché andante, onde até a voz de Amy Lee falhou diversas vezes. As canções novas são péssimas, as antigas são tocadas sem grande alma, e o público lá vai reagindo quando os singles vão aparecendo. Não existiu nenhum momento memorável, nada que eleve o concerto acima da banalidade. Terminaram com uma versão ao vivo tremida de “Bring me to Life”, realmente, depois de um concerto assim é difícil não o interpretar como um pedido de ajuda.
Hora para a chegada dos mestres. A banda pela qual cerca de 40 000 se deslocaram a Chelas, que já tem casa em Portugal (ainda que não literalmente), mas que mesmo assim, arrasta sempre uma multidão de milhares e milhares para fora de casa: os Metallica. Pouco antes do concerto, já o recinto estava muito bem composto, numa multidão de preto sem fim, 70% dela com t-shirts da banda que estavam prestes a ver (a sério, nunca tinha visto tanta gente com t-shirts da mesma banda em toda a minha vida). Famílias inteiras, quarentões amigos há décadas, gente que nem costuma ir a concertos mas que, neste caso, pagou mais de 50€ para o fazer. E quanto “Ecstasy of Gold” começa e os Metallica entram em palco, percebe-se porquê. Podemos não gostar dos Metallica. Podemos dizer que são chatos ou repetitivos; irritantes ou banais; um cliché ou uma banda que já deu o que tinha a dar. Mas não podemos, no entanto, dizer que ao vivo não são eficientes, poderosos, e impressionantes. James Heftfield e companhia tocam com uma pica que faz falta a muitas bandas com metade da sua idade, trazem um espectáculo digno da grandeza do seu nome, e tocam com uma perícia e uma energia que dificilmente não contagiam qualquer um, quer se goste quer não. E depois há, claro, toda a experiência de comunhão imediata que é ver um concerto de Metallica: 40 000 pessoas ali para o mesmo, sabendo a maior parte das canções de cor e reagindo com entusiasmo mesmo quando não as sabem (“Beyond Magnetic”, música nova, foi recebida de braços abertos pelo público), vivendo o concerto como se em palco estivessem seus familiares ou amigos de longa data (e, ao fim de contas, é mesmo um bocado isso). E os Metallica sabem isso: sabem que significam algo, que têm famílias inteiras a comprar bilhete, e é por isso mesmo que Heftfield a certa altura diz que ali está “a família dos Metallica”. Porque é mesmo isso. Tocaram o Black Album (aquele que os pôs a tocar em estádios e afins) do início ao fim, sendo este o tema da digressão actual, passando também por temas mais antigos/clássicos como, claro, “Master of Puppets”, tocada perto do início e recebida como o hino que é, ou “Fuel”, que nunca perde impacto. Aquela não era provavelmente a primeira vez que a maior parte daqueles 40 000 os viam ao vivo, mas era como se que fosse, tanto pela recepção, como pela actuação. A banda passeia-se pelo palco, debruça-se frequentemente à beira do pit no meio da passadeira que trespassa o público para interagir com ele, e tudo é dinâmico e nunca aborrecido (e, sim, têm lasers, pirotecnia, e etc). Eis uma banda gigante que, realmente, ainda gosta do que faz, fá-lo com um sorriso nos lábios ao longo de mais de duas horas, e com uma eficiência notável. O público acende isqueiros e telemóveis na “Nothing Else Matters”, faz mosh na “Fuel”, e salta e grita como se fosse a última noite da sua vida em “Enter Sandman” (o momento da noite).
A devoção aos Metallica está viva e recomenda-se: afinal de contas, com concertos assim eles bem a merecem. Se cá voltarem para o ano (até é provável que tal aconteça), terão mais milhares à sua espera. E, ao contrário do que muitos dizem por aí (o ódio está na moda), não há mal nenhum nisso. Teriam feito valer, por si só, um dia inteiro de festival.
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26 de maio
Depois da maré negra, altura da maré adolescente. O nu metal voltou à Bela Vista, e trouxe com ele uma geração dos anos 90 bem sedenta dos singles que passavam na MTV como se não houvesse amanhã. Era a noite da geração que cresceu a ouvir Limp Bizkit, Linkin Park… e, ao fim da noite, o passado espreitava com o regresso dos Smashing Pumpkins aos palcos lusitanos.
Antes de tudo, o dia começou com os Larkin no palco Vodafone. Bom grupo, com bons músicos, onde só a voz destoa por ser do género hate it or love it. Quem gostar, gosta mesmo… quem não gostar, não. Ainda assim, estão longe de ser maus, e são mais um sinal de que por cá há malta nova a fazer boa música (claro que isto já não é novidade nenhuma, mas é sempre bom confirmar).
No palco principal, foi mesmo o nu metal que abriu as hostilidades: senhoras e senhoras, Fred Durst pode estar gordo e quarentão, mas os Limp Bizkit estão de volta. E, quem diria, estão em boa forma. Depois de um concerto bastante fraco num Pavilhão Atlântico a meio gás, a banda redimiu-se com um espectáculo feito para incendiar o público do início ao fim, graças a um alinhamento composto de singles e um vocalista que interagiu com os milhares que o viam. Nove músicas apenas e cerca de quarenta minutos serviram para fazer suar os presentes, com uma onda de nostalgia onde se reviveram canções como “My Generation”, logo a abrir, “My Way”, “Take a Look Around”, a desnecessária “Behind Blue Eyes” (era para acender os isqueiros, Fred? É que ainda nem era de noite), ou a inevitável “Rollin’” (aquele mosh parecia perigoso). Musicalmente continuam iguais, e o único crescimento que houve foi na barriga de Durst mas há que lhe dar crédito: não é qualquer um que sabe jogar tão bem com um público tão grande. É bom ver que, desta vez, estavam em boa forma.
De volta ao palco Vodafone, é hora de ouvir os blues electrificados dos Murdering Tripping Blues. Precisavam de mais de vinte minutos para que o concerto aquecesse verdadeiramente, mas bastou aquela pequena amostra para ter a certeza de que, de facto, ali há talento. Têm já o respeito de quem se tem mantido atento à cena underground portuguesa, e bem o merecem.
No palco principal, os The Offspring eram os próximos. E mostraram-se competentes, incendiando q.b. uma plateia que era agora o dobro da noite anterior, e que reconheceu mais umas canções que outras (“Pretty Fly (For a White Guy)” continua com o estilo de sempre, enquanto que “Americana” foi recebida com alguma apatia, tocando bem um conjunto de canções estável e forte. Estão velhos, sim, mas ainda estão aí para as curvas, e foi realmente um daqueles concertos que valeu pelo êxitos do passado e pela forma como os defendem bem em palco. Não houve ali grande alma, mas também não tinha de haver: tocam bem, têm boas canções, e isso basta. O público sabia ao que ia, e teve o que bem queria: um agradável regresso ao passado. Quando a banda volta ao palco para terminar com “Self Esteem”, o concerto já está ganho.
E lá estamos nós no palco Vodafone novamente, para testemunhar a energia e o sentido de humor (“It’s our first time in Rio de Janeiro, it’s great to be here!”) dos Youthless. Curiosamente, quem já os tinha visto antes e que sabia a reputação que tinham talvez esperasse mais, mesmo tendo a banda pouco mais de vinte minutos para tocar. O duo (bateria e baixo) teve, desta vez, a estreia dum teclista, que acrescentou em algumas músicas ainda mais energia; notou-se que tinha ensaiado pouco, mas resta agora esperar que o novo membro seja melhor integrado. Concerto divertido e agradável, mas quem gostou, que os vá rapidamente ver a outro sítio. Eles são capazes de muito melhor.
No palco principal sentia-se a ansiedade, o quase desespero pelo grande, enorme nome da noite: mais uma vez, os Linkin Park encheram a Bela Vista, como já o tinham feito em 2008 e, mais uma vez, foram mais que competentes. Reis do nu metal, com dois primeiros álbuns bastante bons e… sete ou oito bastante maus, a banda de Chester e companhia sacou de duas coisas, e fê-lo muito bem: a) dos singles e b) de canções mais obscuras, mas que qualquer fã da velha guarda conhece.
Parece que o grupo percebeu que é em "Meteora" e "Hybrid Theory", dois primeiros álbuns da sua carreira, que está o que realmente vale a pena, tocando nada mais nada menos que oito músicas do seu primeiro disco (palmas pela atitude). “Crawling”, “In the End”, “A Place For My Head”… canções do passado da banda, antes desta se ter perdido nos meandros do rap e produção exagerados. E o resultado foi um concerto consistente, nunca aborrecido (ainda que as duas músicas que tocaram do novo disco, ainda a ser editado… Deus do céu, que raio era aquilo?), e que contou com uma banda que soube interagir bem com um público adolescente, que o que quer é ver os ídolos a usar cachecóis, a ter bandeiras do país em palco e a atirar palhetas. Os grandes êxitos estiveram todos presentes, todos eles cantados com imensa alma por uma multidão gigantesta (meu Deus, mais de 80 000 pessoas…) que mostrou que, quer se goste quer não, o nu metal ainda não está morto… nem que tenha de viver do passado. Terminam com um trio inspirado que, por si só, teria ganho o concerto: “Bleed it Out”, “Papercut“ e “One Step Closer”. De destacar um momento em particular de todo o concerto: a inserção de um excerto de “Sabotage” (surpreendentemente bem tocada), dos Beastie Boys, em “Bleed It Out”. Claro que aquele público maioritariamente abaixo dos 20 não reconheceu aquela canção monumental, mas terá sido difícil para quem não o fez esconder um sorriso lacrimejado perante a atitude dos Linkin Park. Foi bonito.
E foi no concerto seguinte, em mais um regresso ao passado (desta vez mais distante, mesmo dos anos 90), que se viveu o grande momento da noite; aliás, diga-se que foi, até agora, o grande momento do Rock in Rio. Os Smashing Pumpkins vieram ao palco e ao longo de duas horas desfilaram êxitos a roçar a perfeição em todos os aspectos, entregando um concerto que certamente ficará na memória (mesmo naquela memória a longo prazo) dos fãs presentes. Sim, a formação não é a original… mas que interessa isso, até certo ponto? O grande líder da banda está lá, acompanhado por um trio de músicos espectaculares, e continua tão genial como sempre. Que falhas podem ser apontadas contra aquele trio poderosíssimo de canções que abriu o concerto, onde “Zero”, “Bullet With Butterfly Wings” e “Today” fizeram cair o queixo a qualquer um? Que dizer daquele solo incrível de “Starla”, onde um Corgan sorridente mostrou o porquê de ser um dos grandes mestres da guitarra da música actual? E, meu Deus, aquela cover absolutamente arrepiante de “Space Oddity”? E o alinhamento, a roçar a perfeição (tocaram duas novas, do disco a editar em setembro, e soaram muitíssimo bem), onde nem a absolutamente incrível “The Begining Is the End is the Begining” (talvez a sua melhor música, quem sabe), muito raramente tocada ao vivo, faltou? “1979”, “Cherub Rock” (provavelmente das maiores canções de rock de sempre), “Ava Adore”…Até Corgan, que no Campo Pequeno foi frio e distante (mas genial, claro), pareceu mais simpático que o normal, tocando frequentemente com um sorriso no rosto, e interagindo com o público mais que o normal (aka muito esporadicamente ao longo de duas horas). Foi um conjunto de canções incríveis, tocadas na perfeição absoluta; “Tonight, Tonight” e “Disarm” foram inesquecíveis, por exemplo… tal como a épica (e quem diria que Corgan teria a inteligência de ir buscar esta ao baú?) “X.Y.U”. Por vezes quase de ir às lágrimas, por vezes de fazer saltar os chãos e atirar os pés ao ar, mas sempre genial, foi um concerto inesquecível para quem estava verdadeiramente de olhos postos no palco.
O público, que lá estava maioritariamente pelos Linkin Park, e confrontado com um vocalista que não tem bandeiras em palco e pouco faz além de tocar e cantar como Deus, reagiu com pouco mais que apatia (aliás, muito dele abandonou o recinto logo depois da banda de nu metal). Era de esperar; não era o dia certo para eles. Mas quem lhes deu verdadeiramente uma hipótese, quem lá foi por eles (aqueles fãs que me rodeavam, na quinta fila, que o digam), dificilmente não terá saído de lá com um sorriso do tamanho do mundo e com uma recordação para todo o sempre. Concertos assim são raros. É pena que, dos poucos mais de 80 000 presentes, muitos não o tenham visto com olhos de ver. Quem o fez, no entando, certamente nunca há-de esquecer.
E será ainda com esse concerto em mente que alguns voltarão lá esta semana, para continuar o primeiro festival de Verão do país. Festival esse que, para o bem e para o mal, traz cá nomes que outros poucos trariam (sim, Bruce Springsteen pode bem vir a ser o concerto do ano). Afinal de contas, como bem disse uma amiga minha, não vai ser interessante poder dizer que vimos o Stevie Wonder na Bela Vista?
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quarta-feira, 26 junho 2013