Reportagem Barreiro Rocks 2010
Festival Barreiro Rocks'10 - Fotos
Dizem os entendidos que, para os lados do Barreiro, se bateu o recorde de actuações de artistas internacionais nos últimos três meses.
Após o corrupio de concertos iniciado em Setembro com o BOM (Barreiro Outras Músicas) e a música exploratória do OutFest, adequadamente em Outubro, chega Novembro com o décimo aniversário do Barreiro Rocks, em clima conveniente de Verão de São Martinho.
E os ares quentes da festa chegaram mais cedo para quem embarcou numa autêntica romaria de promoção do festival, que correu o país de norte a sul com várias bandas de destaque da editora Hey Pachuco, e alguns dos favoritos de antigas edições, como é o caso dos fiéis espanhóis, Los Chicos, que parecem ficar melhores a cada concerto que dão.
Destaque também para um concerto na “cidade berço” (o Barreiro, pois claro) que reuniu as quatro bandas da primeira encarnação do festival, no ano remoto de 2000.
À chegada ao já familiar Pavilhão dos Ferroviários, somos recebidos por Tiago Guillul e a sua banda. Um dos representantes do “plantel” nacional deste ano, mostra trabalhos do seu último álbum, “V”, como o idealmente intitulado “Barreiro Rock City”, sem esquecer os temas que o popularizaram, como o caso de “Beijas como uma freira”. O rock versátil do grupo e o carácter polivalente de alguns elementos, que poderiam arrancar em improvisações “doo-wop” ao estilo dos concertos de Frank Zappa nos anos 80, contribuíram para um bom início de festa, ainda que talvez um pouco distantes da tendência geral das outras bandas. “Daqui a dois dias, o DN vai escrever que no Barreiro Rocks se fez singalong, e a vossa reputação vai ficar arruinada”. A ver vamos.
De Queluz para a Califórnia, passamos a Ty Segall, chegado directamente de São Francisco para a sua primeira digressão europeia. Em formato de quarteto, apresentou temas dos dois álbuns, recaindo especialmente sobre o mais recente “Lemons”, marcado por um som fortemente “garageiro” mas que não esquece uma década de grunge. Se não bastassem as influências do rock clássico ou psicadélico dos anos 60, com um piscar de olho a Captain Beefheart e com uma secção rítmica de fazer inveja às Babes In Toyland, o grupo arrasou com uma versão do clássico “sabatiano” “Paranoid” de fazer moshar o metaleiro mais céptico.
Seguem-se os canadianos Demon’s Claws, com um flower-punk não muito entusiasmante para quem já assistiu aos Black Lips nesta mesma casa, mas ainda assim a abrir caminho para o nome da noite.
Com uma década de existência, dois álbuns e vários EPs na bagagem, os texanos Strange Boys encerram o cartaz com um som marcadamente garage, recorrendo de forma interessante ao R&B e ao country, e sem medo de enveredar por épicos instrumentais à moda dos Shadows. Se fosse nos anos 90, diríamos que estávamos perante um concerto dos Yo La Tengo, tal a variedade de elementos, de picos de energia ou de períodos de quase silêncio, a que este grupo se arrisca.
After-party de luxo com Thee Vicars, nova coqueluche do rock n’roll britânico e o já habitual Shimmy, DJ de serviço com a melhor colecção de 7 polegadas da Costa Leste. Quem abandonou o barco para apanhar o cacilheiro mais cedo, não sabe o que perdeu. Amanhã há mais.
Com a noite a prometer chuva, foi dentro do pavilhão que se deu a verdadeira enchente. Os cartazes da bilheteira não tardariam a anunciar “Lotação Esgotada”, com um irónico “A” de anarquia no fim, ainda que as bandas mais punk que em tempos visitaram o festival tenham ficado em casa… Ou optado por formatos mais ordeiros, como no caso de Vítor Torpedo, que já participara em edições anteriores com os Parkinsons e os (fantásticos) Blood Safari, e que se apresenta agora num formato mais roots, com os Tiguana Bibles.
Segue-se a Nicotine’s Orchestra, projecto original de Carlos Ramos, um dos mentores da Hey Pachuco e também do próprio festival. “Nicotine”, orgulhoso não fumador, optou recentemente por abandonar o formato one-man band e prefere agora distribuir essa tarefa tentacular por mais três músicos, que dão sem dúvida outra toada aos temas. “Ghosts and Spirits” é provavelmente o álbum de rock português de 2010 de que ainda se falará daqui a dez anos. Aposta ganha.
Agora o clima é oficialmente de festa, e quem melhor para a anunciar do que o eterno Crooner Vieira. Oitenta e um anos, um microfone, um CD a acompanhar um “murmúrio” de “Besame Mucho”, e o bailarico está montado. Talvez adivinhasse a proveniência da banda seguinte. Os Davilla 666 vêm de Porto Rico e há semanas que vinham a prometer incendiar a plateia barreirense, com os vários “recados” deixados no YouTube. Ao potentíssimo garage-punk junta-se o tal toque latino, com maracas em palco e tudo o mais, destilado por uma banda que nos contagia imediatamente num clima destes. Inevitável comparação com a apresentação dos Black Lips em 2005. Desta vez não se seguiria Billy Childish, mas sim outro peso-pesado.
E que dizer sobre King Khan e os (auto-apelidados “sensacionais”) Shrines? Pouco há que este fantástico frontman não tenha feito na última década, desde os inícios no Canadá, com os Spaceshits, até às colaborações com Mark Sultan, em King Khan & BBQ Show, que lhe valeram uma maior exposição. Agora o formato é praticamente o de uma big band, com secção de metais, percussão, um teclista francês que faria tremer todo o séquito de Marylin Manson e, aparentemente, a regra de que não pode haver uma mão livre em palco sem tocar pandeireta.
O último álbum “The Supreme Genius of King Khan and the Shrines” data de 2008, mas isso não impediu o colectivo de tocar durante cerca de duas horas. Já no encore, deixavam a sensação de que o concerto, para eles, ainda estava a começar. Khan, de capa amarela sobre o tronco nu, cobre-se também de glória, qual James Brown ajoelhado à boca de cena.
São praticamente cinco da manhã, o pavilhão está cheio e… sim, ainda faltam duas bandas. De Bilbao, Guadalupe Plata, talvez os músicos mais inventivos de toda esta edição, e os barreirenses Tracy Lee Summer e o seu “angry-nerd-rock” encarregaram-se de esgotar as forças dos muitos que ainda ficaram.
Lá fora já não chove. No bar, ainda com os pés a colar ao chão, percebemos que a cerveja acabou. À saída, o galo rouco ainda canta, espantado porque ninguém o ouviu.