Reportagem Festival Maré de Agosto 2014
São já 30 anos. 30 anos de ‘Marés’ que nos trouxeram de tudo o que qualquer corrente do Oceano Atlântico nos possa trazer, a diferença é que estas correntes, ao longo de três décadas sem interrupções, transportaram-nos culturas, pessoas, centenas e centenas de bandas, estilos musicais do mundo inteiro, amizades e momentos que perduram no tempo para todas as gerações que pela Praia Formosa passaram e continuam a passar neste fim de semana de Agosto todos os anos.
A Maré de Agosto não enche como um festival tão grande como outros tantos realizados em Portugal, mas a lotação para cerca de 3500 pessoas é suficiente para nos encher a alma no encanto que se vive anualmente à frente do palco montado a cerca de 20 metros do mar e do areal da magnífica Praia Formosa.
Este ano, a magia aconteceu por apenas três dias, que não deixam de ser suficientes para comemorar este aniversário com 3 bandas por noite e um dj set.
Na quinta-feira, o ‘spirrit’ da Maré começou com a energia calorosa dos franceses Highlight Tribe. Considerados como “cidadãos do mundo”, fundem uma série de ritmos e instrumentos numa espécie de ‘Trance Tribal’ que funde a percussão forte e característica com as cordas e outros instrumentos que puxaram pelo público e aqueceram o recinto com uma boa enchente pronta a receber as próximas sonoridades.
Para a segunda atuação da noite, que estes rapazes eram da Irlanda, era o que a maioria dos festivaleiros que não conhecia o cartaz pensariam, mas na realidade a origem dos Finnegan’s Hell é da Suécia, embora com fortes influências do Rock celta que entre conversas animadas com o público e demonstrando as aptidões do vocalista com o recém aprendido curto vocabulário português mantiveram a energia e o calor desta noite de Verão para a banda mais esperada da noite e uma das mais esperadas do alinhamento deste ano. De Nova Iorque, Matisyahu.
Matthew Paul Miller, mais conhecido como Matisyahu trouxe, mais uma vez, o reggae à Praia Formosa. Grammies e lugares nos tops mundiais deste estilo musical são apenas extras para a energia que o nova iorquino consegue transmitir a um público que nesta noite de quinta até foi convidado a partilhar o palco e festejar com Matthew, cantando desde os temas mais conhecidos a novos temas do novo álbum apresentado este Verão, mundialmente.
A encerrar a primeira noite do festival, e marcando o primeiro lugar em palco com presença nacional: Polvo. Um live act com raízes no punk, rock e eletrónica portugueses que ‘suava’ de energia e presença em palco caracterizadas pela prontidão a que o público ficou sujeito para receber o dj açoriano André N que fechou portas pelas 06h30 com sonoridades diversas e para um público açoriano habituado a receber este dj em eventos diversos pelas 9 ilhas, anualmente.
Na sexta-feira, um recinto que, como sempre, se enche aos poucos até ao momento em que a fila se torna interminável depois do inicio do concerto foi palco de uma calorosa energia latina que foi uma das maiores surpresas deste ano na Maré.
Com raízes que se desenvolveram na Bélgica, estes rapazes maioritariamente colombianos são também uma “família do mundo” pela variedade de ritmos e sonoridades que tocam e pelos membros da banda.
Com o lema principal “só há uma vida e tem de ser bem aproveitada”, os La Chiva Gantiva fizeram um fantástico primeiro concerto de Maré que lançou o público ao ritmo acelerado de uma noite que ainda estava a começar.
Na segunda atuação da segunda noite de Maré a Associação Cultural Maré de Agosto trouxe-nos Selah Sue. Genialidade musical que funde o reggae com o soul ou mesmo o pop é o que esta jovem cantora belga nos trouxe. Com um enorme impacto mundial com a sua carreira musical em 2011, Selah Sue já pisou o palco do Sudoeste e outros grandes festivais mundiais e apresentou-se em palco nas primeiras músicas com um violão apenas, e um olhar característico acompanhado por um sorriso que mostra o feeling impressionante desta cantora que ficou marcada como uma das favoritas da edição 2014 do festival Maré de Agosto.
O ritmo dos Balcãs é uma presença marcante no festival nos últimos anos e este ano, mais uma vez, a Maré contou com uma brilhante apresentação deste estilo pelo grande macedónio Kiril Djaikovski. Acompanhado pela fantástica TK Wonder que contempla a performance conjunta dos instrumentos de sopro, pelo homem aos comandos na mesa de mistura e pela ajuda preciosa de MC Wasp criando dança, ritmo e calor em palco que rapidamente se fundiram com o público tornando esta exibição diferente e marcante para o historial da dance music que a Maré nos traz sempre ao final das noites dos últimos festivais.
A finalizar a noite, Fabio Gadzé (Dj El Gadzé). De Portugal mas com passaporte carimbado em várias nações, através das suas presenças em palcos do mundo inteiro manteve os ritmos balcãs, mas não só. Ele compara o set musical com uma xícara de chá quente, podendo trazer relaxamento ou muito calor – e é disto que a Maré gosta, e o público versátil esteve sempre disposto a qualquer batida que mantivesse o espírito aceso para mais umas horas até o fecho de portas.
Sábado, último dia de Maré, último dia deste trigésimo aniversário. Tocaram ao lado de Áurea e Richie Campbell, e mantêm a fluidez “soul” bem ao estilo de Marta Ren, por exemplo – puxando o rock’n roll ou o blues com suaves guitarradas. São eles os The Black Mamba, e trouxeram consigo um palco cheio de músicos que completaram muito bem a performance deste trio que rapidamente tem subido no ranking nacional, marcando várias presenças internacionalmente.
Foram a primeira de várias presenças nacionais nesta noite de encerramento e foram já recebidos por um recinto completamente cheio que esperava ansiosamente, também, pela senhora da música-património mundial: o Fado. Com arrepios na espinha assim que a sua voz ecoou pela primeira vez na Praia Formosa, entra finalmente em palco Mariza. Embaixadora do Fado em Portugal, Marisa apresenta-se em palco com 3 senhores das cordas, entre elas o baixo e a guitarra portuguesa e um mestre de percussão que nos trouxe ritmos diversos que se completavam perfeitamente com a doce voz e os timbres do Fado português. Claro que “Chuva” ou “Gente da Minha Terra” eram temas esperados e foram capazes de provocar, além dos arrepios, lágrimas de emoção perante um público que reflectiu muito bem o espírito da Maré – desde os mais jovens que se deixaram levar pelo Fado que não é comum na playlist dos mais novos hoje em dia, até aos mais velhos que em outras Marés eram aqueles que pulavam cá em baixo bem junto ao palco e que hoje já têm até netos pequenos que do colo dos pais assistem aos seus primeiros concertos.
Mas nem tudo se ouviu em Português. Em jeito de “brincadeira”, como afirmou Mariza, até um tema de Nirvana se ouviu nessa noite – e que bem que saiu! Claro que rapidamente Mariza voltou aos temas clássicos e fez um concerto bem prolongado que terminou com a sua vinda bem perto do público. O seu olhar calmo e atento enquanto cantava, e as quase lágrimas que lhe correram valeram pelo seu agradecimento que fez, também, ao público açoriano. “Saio sempre dos Açores com o coração cheio” – escreveu Mariza na sua página oficial; e os açorianos saíram desta noite de alma e coração cheio!
De volta à Maré, o Blues e este senhor do estilo musical: John Lee Hooker junior.
Filho de uma lenda, habituado a tocar com lendas e ele próprio a tornar-se uma lenda do Blues – traz amor e paixão ao estilo bem próprio do cantor americano. Paixão, calor e muito suor trouxeram a este recinto mais uma brilhante atuação que manteve um recinto bem lotado até ao último dj do festival.
Dj Souza é o mais aclamado dj açoriano em destaque no país. Sempre ligado ao público – e logo ao açoriano que o acarinha e muito bem – Souza trouxe ao recinto da Maré as batidas mais batalhadas nos palcos noturnos internacionais. Segurando com amor e garra a bandeira dos Açores – a Maré deixou-se levar até ao nascer do sol pela intensidade que apenas aumentou desde a primeira atuação da noite e que apesar do cansaço daqueles festivaleiros que por lá andavam desde quinta, não deixou o “spirrit” da Maré de lado, nem mesmo depois do dj sair do palco.
Foram 30 anos! Claro que houve ‘marés’ menos cheias do que outras, claro que não somos um festival de multidões demasiado grandes – porque nem é esse o objetivo. A Maré é um conjunto de histórias que começam logo pela forma como se iniciou há 30 anos atrás. Na abertura oficial ouviram-se histórias das primeiras edições, falou-se daqueles que deram início, de todas as direções que por lá passaram e conseguiram manter de pé, todos os anos, sem paragem este festival e ponto de paragem obrigatório em Santa Maria em Agosto. São histórias, são amizades, são reencontros e são culturas diferentes contempladas por centenas de bandas que por cá passam todos os anos – é por isso e por outras razões que apenas quem entra no recinto da Maré de Agosto, na Praia Formosa consegue sentir a magia de um festival que é único no país e, por isso mesmo – sempre foi e sempre será: uma Maré de felicidade. 30 anos de um festival de gerações e experiências únicas que nos enchem a alma.
No próximo ano já sabe o que apontar na agenda para finais de Agosto.
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sábado, 20 dezembro 2014