Reportagem Festival Músicas do Mundo 2009
Reporategem Festival Musicas do Mundo de Sines
22 de Julho
Apesar de chegarmos só na quarta-feira dia 22 a Sines, sentimos de imediato o ambiente que o Festival Musicas do Mundo deixa cair sobre a cidade. Para todas as pessoas que já frequentaram alguns dos festivais de verão do nosso País, este é sem dúvida um festival diferente. Diferente por tudo, pelo local que só por si é fabuloso, pelo espírito que é vivido nas ruas de Sines uma vez que o palco principal é no interior do Castelo. Tudo o resto passa-se no exterior das muralhas e nas imediações da marginal mesmo à beira da Praia Vasco da Gama, pelas pessoas que após 11 anos de festival estão perfeitamente entrosadas com a diversidade de estilos e de formas de estar que por ali se cruzam nesta semana de homenagem à World Music.
Musicalmente falando, e conscientes que não poderemos pormenorizar a actuação de todas as bandas, o festival teve desde logo uma actuação de alta qualidade, não que esperássemos outra coisa, mas sempre surpreendente, Janita Salomé. Um concerto de música portuguesa, popular ou não, com pequenas borrifadelas de um estilo mais alternativo que dá aos concertos deste “nosso” artista um toque actual e inovador. De Portugal para o país vizinho chegamos à actuação de Uxía, uma cantora galega acompanhada por um grupo de músicos portugueses e espanhóis com uma linha musical entre o tradicional Açoriano, traços de mornas de Cabo Verde e com uma vocalização que nos leva à música popular da Galiza. Continuando caminho pelo território Espanhol chegamos à Extremadura e aos Acetre, possivelmente o momento alto deste dia 22. Mais uma junção, feliz diga-se com toda a justiça, da música portuguesa com a música de nuestros hermanos. A destacar as vozes de ambas as cantoras dos Acetre, Raquel Sandes e Ana Márquez que nos remetem quase para aquele patamar de exigência medieval que tão bem soa ao ouvirmos projectos deste género, mas a assinalar de igual forma a curta, mas incisiva intervenção de Francisco Pinto na guitarra flamenca que apareceu no meio dos 9 músicos fixos da banda no momento exacto do concerto a oferecer a quem estava no Castelo de Sines um momento que facilmente todos guardarão. Passamos para o palco da praia, palco este que não tinha obrigatoriedade de entrada como tal, qualquer pessoa que passasse por Sines naquele momento poderia ficar para ouvir música, beber ou comer qualquer coisas ou então juntar todas as actividades numa. L’enfance Rouge foi o concerto que se seguiu e apesar de uma sonoridade nada simples de captar, captou muita gente na Praia Vasco da Gama. Este colectivo que inclui músicos franceses, tunisinos e italianos, apresentou uma sonoridade forte, aguerrida e com momentos de rock alternativo puro e direito a oscilações instáveis que não se tornam fáceis de acompanhar às três da manhã mas que pelo trabalho que dão a ouvir e a perceber o que está a ser feito em cima do palco prendem de certa forma a atenção, ficamos curiosos para ouvir um álbum desta banda para que possamos ter uma opinião mais concreta do que a simples análise ao vivo.
23 de Julho
O dia 23 do festival não nos começou bem quando um contratempo inesperado nos fez perder as primeiras três actuações uma das quais muito esperada por nós, a banda chinesa Hanggai. Foi uma pena termos perdido este espectáculo e é uma pena não conseguirmos dizer de nossa justiça o que foi esta actuação mas por aquilo que conseguimos recolher junto de algumas pessoas que assistiram foi (mais) uma viagem intercontinental de alta qualidade no FMM09. Chucho Valdés Big Band, verdadeiramente o concerto do dia e quem sabe do festival, uma banda incrível, composições complexas mas ao mesmo tempo fáceis de acompanhar se formos capazes de deixar de analisar a técnica por instantes e simplesmente sentir a linguagem da música Cubana. Chucho Valdés, outrora classificado como um dos melhores pianistas de jazz do mundo, apresentou um projecto cheio, com momentos de virtuosismo puro do colectivo que estava em palco. Se algum daqueles músicos não fosse igualmente virtuoso ninguém iria perceber tal era a força musical que todos explanaram naquela hora e meia de concerto. Fantástico. Falando de fantástico chegamos aos Kasai Allstars banda Congolesa que esteve agendada por duas vezes para outros anos do FMM sem nunca ser possível a sua aparição por questões burocráticas de vistos destes músicos no espaço Schengen. Com bases na música tradicional da Republica Democrática do Congo com aquele aspecto tribal africano, trouxeram a Sines uma sonoridade típica de quem cresce com o ritmo debaixo do berço. Desde os balafons poderosos, a instrumentos de precursão com efeitos de distorção, aos dançarinos que constantemente passam a mensagem ao público que ouvir os Kasai sem dançar não tem o mesmo impacto, ao suposto Chefe Tribal (dizemos suposto uma vez que além de ser o mais ornamentado, teve momentos em que o vocalista do grupo cantava directamente para ele quase em tom de veneração) sentado a um canto do palco e esporadicamente, de música em música levantava-se e acompanhava os restantes dançarinos. Vimos um espectáculo que quem nunca viu deveria ver, foi definido pela organização do FMM09 como “um fim de noite hipnótico” e não ficou longe disso. Nós ficámos a saber que existem projectos no Congo com uma abrangência enorme e com uma força ao vivo ainda maior. Mais uma viagem para ao palco da praia e a primeira desilusão do FMM. Não por falta de gosto da organização (longe disso) mas por um infeliz acontecimento que fez com que Ramiro Musotto não pudesse estar presente em Sines por motivos de saúde. Quando ouvimos falar de um percussionista argentino que descobriu os sons Brasileiros da Bahia as expectativas disparam mas, infelizmente, não foi desta que vimos a actuação deste artista. Em substituição tivemos os Damily banda de Madagáscar que apresentou um concerto cru, com sons fortes e estridentes que possivelmente farão muito mais sentido quando captados com a mensagem que estes músicos passam através das suas letras, infelizmente essa parte não conseguimos acompanhar, contudo enérgico.
24 de Julho
Dia 24 começou com um Português com alma indiana, Paulo Sousa ex-guitarrista da histórica banda portuguesa Esse Entende apresentou um repertório de temas harmoniosamente tocados na sua recente paixão, o Sitar. Acompanhado pelo mesmo tablista que o tinha acompanhado anteriormente no concerto que realizou no CCB em 2007 Makarand Tulankar, Paulo Sousa conseguiu transmitir a leveza e a quase flutuação emocional que este instrumento nos apresenta e cujo som foi propagado pelas ruas circundantes do Centro de Artes de Sines graças ao sistema de som instalado pela organização. Mais um factor de contentamento para todas as pessoas que gostam de boa musica e não só para quem paga um bilhete. Mais um apontamento relevante foi o concerto dos Warsaw Village Band. Este colectivo que apresenta maioritariamente um repertório de canções, adaptadas à sua própria visão, tradicionalmente Polacas, mostrou-nos também algumas músicas originais inspiradas pelo nascimento de Lena, filha de dois músicos da banda. Mostrou com tudo isto, uma destreza inesperada (pelo menos para nós) a nível técnico e proporcionou ao público do Castelo mais um momento ritmado e enérgico. Não querendo largar os pontos enérgicos que ficaram elevados chega-nos Debashish Bhattacharya, um verdadeiro mestre, para não arriscar dizer “o”mestre da slide guitar Indiana. Esta actuação foi possivelmente uma das mais completas a que assistimos, Debashish juntamente com o seu irmão e tablista Subhashish e as percussionistas Chitrangana Reshwal e Charu Hariharan (tanto quando soubemos as duas únicas mulheres percussionistas indianas) tanto nos fizeram voar lentamente pelo topo do recinto com os sons leves e preenchidos como também nos fizeram cair em queda livre chamando-nos de novo à realidade com os devaneios jazzísticos que a guitarra horizontal indiana consegue criar, absolutamente arrebatador. O último artista desta noite chama-se Cyro Baptista e o seu projecto, Cyro Baptista “Beat the Monkey” trouxe-nos um grupo, banda, conjunto ou até equipa musical que em muitos aspectos nos deixa de boca aberta pela originalidade e ao mesmo tempo pelo despropósito que nunca chegou a ser incoerente por incrível que possa parecer. Entre instrumentos criados pelo próprio Cyro alguns deles tocados da forma menos previsível como um engenho de tubos de PVC que Cyro toca com duas chinelas havaianas tão típicas do Brasil, país de onde é oriundo. Cyro e o seu colectivo apresentam uma boa disposição contagiante que faz esquecer todos os momentos menos compreendidos na música que cria, até porque Cyro Baptista é considerado por muitos um génio na arte da percussão e este crédito tem que lhe ser dado, teve sem duvida momentos geniais. Megafones, um reco-reco pendurado ao peito, um percussionista norte-americano que de um momento para o outro nos brinda com um sapateado fantástico, são tudo razões para caso tenham a oportunidade de ver este projecto não pensarem duas vezes.
25 de Julho
No primeiro momento alto de dia 25 no Castelo de Sines, James Blood Ulmer brindou-nos não só com a sua presença que só por si seria de louvar, mas também com a sua sonoridade totalmente blues, a história do funk que carrega nos seus ombros e o jazz que em qualquer altura se solta por entre os dedos no braço da guitarra que já o caracteriza. Num ambiente ficcional, elementos de heavy metal, jazz e klezmer invadiram a world music, criando uma sonoridade acústica e explosiva que alimentou o êxtase da multidão ávida de experiências. Alamaailman Vasarat, ricos na dinâmica instrumental, trouxeram variados instrumentos de sopro, piano, melódica, violoncelos, bateria e percussão, criando um surto de poder no FMM2009. Á energia de Alamaailman Vasarat seguiu-se Lee Scratch Perry. Figura incontornável da música jamaicana, ofereceu um espectáculo desejável, apresentando-se num alinhamento de voz, bateria, teclados, guitarra e baixo, deixou a descontracção no terreiro do Castelo. Os corpos libertos de quem ansiava este momento deixaram-se ficar entre o privilégio de ouvir o reflexo de um visionário e a amarga desilusão de quem esperava mais. Lembrando a Marcha dos Pinguins, a tradicional caminhada entre o Castelo e a Avenida da Praia levou o público a descer até à praia para sentir Speed Caravan, que numa atitude despretensiosa apresentaram um verdadeiro híbrido da world music, conjugando o rock e batidas electrónicas com influências tradicionais da Argélia. Mehdi Haddab e o seu alaúde eléctrico proporcionaram um encerramento do FMM 2009 repleto de qualidade e muito movimento.
O Festival de Músicas do Mundo 2009 apresentou uma programação cultural de excelência, um fresco continuar de raízes musicais de todo o mundo, denotando uma vontade de dar palco às sonoridades ecléticas e representativas da dinâmica sonora que um cidadão do mundo almeja. Um festival que marca a diferença pelo ambiente, pelo espírito e pela lição que todas as pessoas levam que a música existe neste nosso planeta em todos os recantos e em todas as linguagens.
Texto: Bruno Farinha