Reportagem Festival Paredes de Coura 2009
29 de Julho
Desde 1992 que Paredes de Coura tem sido o festival de verão com uma identidade mais definida, dedicando-se maioritariamente à projecção de bandas associadas aos experimentalismos ou a esse termo tão vasto chamado “música alternativa”.
Felizmente, a perda da Heineken como patrocinador principal não impediu que este ano se vissem as bandas certas nos momentos certos – The Horrors, Howling Bells ou The Pains of Being Pure at Heart são bons exemplos – nem se traduziu numa ausência de nomes de peso como os Nine Inch Nails ou os Franz Ferdinand.
Os fracos aguaceiros não conseguiram assustar os já muitos festivaleiros preparados para o primeiro dia. Com o palco principal ainda a receber os últimos retoques, tudo se passou no melhorado Palco After Hours (este ano quase em formato tenda), estreado pela country-folk dos conimbricenses Sean Riley and The Slowriders.
Sim, eles podem ser portugueses mas toda a sonoridade tem raízes na América profunda. A americana e Bob Dylan transpiram nas guitarras e teclados da banda, com a actuação a atingir o auge no bem recebido “Houses and Wives”.
A chegada dos Strange Boys indica que o espírito de Dylan não saiu de palco com os portugueses. Também se encontram pormenores de country e blues nestes putos texanos mas com um ligeiro toque punk, incutido pela voz rouca de Ryan Sambol, algures entre os tons adolescentes de Alex Turner dos Artic Monkeys e Ray Davies dos Kinks.
Os pormenores de garage rock em “Woe is You and Me” e os woo-hoos de “No Way For a Slave to Behave” foram dos momentos mais deliciosos de um concerto que reflectiu a experiência de uma banda de miúdos que anda pela estrada há 4 anos.
Percebe-se que nas primeiras filas há fãs ansiosos de Patrick Wolf, em contraste com alguns comentários jocosos mais atrás. Com um fato de abutre e acessórios à personagem do Mad Max, Wolf dá inicio a uma actuação que varia entre a folk depressiva dos primeiros álbuns – em “The Libertine” e “Wind In The Wires” - e a pop de cabaret tecnicolor dos mais recentes “The Magic Position” e “The Bachelor”.
Acompanhado por uma violinista, um baixista, um baterista e sons electrónicos, o espectáculo carnavalesco de Wolf torna-se visualmente mais interessante quando celebra a sua pop, seja no melhor, transformando-se numa diva que tem tanto de David Bowie como de Kate Bush, seja no pior quando se assemelha a um número moldavo do Festival da Eurovisão. Para o final ficaram “The Magic Position” e “Hard Times” acompanhados com riffs de violino, e a quase new-rave de “Battle” sem esquecer uma curta tentativa de “Gigantic” dos Pixies.
30 de Julho
Ao segundo dia, boas noticias: Aparentemente já não há salmonelas no Tabuão, permitindo mergulhos no rio. Pelo recinto de campismo, o efeito de Pavlov dos gritos de “f*d*-se!” até pode perder rapidamente piada, mas dão azo a reacções interessantes em palco. Enquanto os Supergrass respondem com “what? what? what?”, o inocente vocalista dos Pains of Being Pure at Heart entende-os como elogios.
O segundo dia acaba por ser o dia com o alinhamento mais certinho, pautando-se pelo indie rock britânico. A abrir o palco principal, os australianos The Temper Trap não escondem as suas influências: rock com pretensões para encher estádios na linha dos Coldplay e U2 onde não faltam os obrigatórios crescendos e refrões épicos. Raramente os australianos saíram do insosso, criando apenas algum interesse com “Sweet Disposition”.
Com a certeza de serem uma das bandas com maior hype para a edição do festival deste ano, os The Pains of Being Pure at Heart falharam ligeiramente as altas expectativas que traziam. Raramente os nova-iorquinos fizeram sentir que estávamos a ver algo de especial. Uma das possíveis explicações terá sido o volume sonoro não estar suficientemente alto para que a muralha sonora que polvilhava uma doçura pop - típica dos My Bloody Valentine - se pudesse experienciar.
As três guitarras não escondem as influências dos Jesus & Mary Chain, The Smiths e até mesmo da shoegaze dos Ride num concerto que teve o momento alto em “Young Adult Friction”. Talvez num espaço mais fechado soe melhor.
Após o brilhante concerto dos The Horrors, poucos se teriam lembrado que os recentemente nomeados para o Mercury Prize estavam presentes como banda de substituição. Com um visual que não tira nada a uns The Cure, liderados pelo vocalista Faris Badwan (um “if they mated” entre Bruno Nogueira e Peter Murphy) a banda tem se libertado lentamente de uma sonoridade garage em direcção a terrenos mais psicadélicos. Prova cabal: nenhuma música do primeiro álbum “Strange Hous”e fez parte do alinhamento.
Deste modo, “Primary Colours”, álbum onde o psicadelismo convive com o gótico e com o shoegaze, foi apresentado quase na íntegra. A muralha sónica de “Mirror’s Image” e de “Do You Remember” são bons exemplos desta sonoridade. Mas foram os desnorteantes 8 minutos de “Sea Within a Sea”, a finalizarem com sintetizadores hipnotizantes, que imortalizaram os Horrors como uma das melhores performances a passar pelo palco de Paredes de Coura.
É um pouco estranho chamar os Supergrass de veteranos, mas a verdade é que apesar de terem entrado há pouco na casa dos 30 anos, já andam nisto há quase 15. A estreia tardia da banda dos irmãos Coombes em Portugal foi recebida entusiasticamente por poucos mas bons conhecedores da sua discografia, apesar do esforço comunicativo do vocalista Gaz.
Com mais blues rock do que britpop, os Supergrass visitaram praticamente todos os álbuns, desde a já antiguinha “She’s So Loose” até o que foi um dos grandes momentos do festival: “Rebel In You” do mais recente Diamond Hoo Ha. Pelo meio não faltaram clássicos como “Moving”, “Grace” e “Pumping On Your Stereo” que mereciam um cantarolar mais entusiasta por parte do publico.
Mas todo o alvoroço estava aparentemente guardado para os Franz Ferdinand. Não é preciso muito para a banda de Glasgow arrebatar um público. Tudo sai natural ao carismático duo Kapranos/McCarthy. A máquina de fabricar singles até pode ter perdido algum gás no último álbum Tonight: Franz Ferdinand, mas isso não é nada que possa deter uma banda com uma colecção invejável de êxitos.
“The Dark of the Matinée”, “Do You Want To” e “This Fire” conseguiram levantar literalmente o pó do chão e durante o refrão de “Take Me Out” até se conseguiu vislumbrar um very light vermelho aceso no meio da multidão. Para o encore sobraram os la-la-las de “Ulysses”, e ainda “Michael” que contagiou todo o recinto excepto um jovem que sentado na encosta à esquerda do palco preferia ler o seu horóscopo.
Após a celebração épica dos Franz Ferdinand, coube ao synth-pop dos Chew Lips e aos Holy Ghost! da DFA de James Murphy continuarem a festa no Palco After Hours, com concorrência do já lendário DJ do Windows Media Player fora do recinto.
31 de Julho
Afirmar que os Nine Inch Nails foram a banda mais aguardada da história de Paredes de Coura talvez seja um exagero, mas a verdade é que o dia de sexta-feira bateu o recorde de assistência do festival registando oficialmente 22 000 pessoas. Já às 17h30 se fazia sentir alguma ansiedade, quando após se abrirem as portas do recinto, vários fãs dos NIN corriam pela encosta abaixo na esperança de conseguirem um lugar na primeira fila.
Comprovando que nem em tudo que Adolfo Luxúria Canibal toca é transformado em ouro, os Mundo Cão viajaram entre o assombro e o ridículo, tentando por vezes um stoner rock. Palavra chave: “tentando”.
Apenas “Morfina” conseguiu no final alguma reacção dos poucos presentes, mas ficou a sensação que a maioria dos aplausos surgiu por o concerto ter finalmente terminado. O resto do alinhamento só provou que há já muito tempo que nesta latrina o ar se tornou irrespirável.
Logo de seguida, os Portugal, The Man não arrancaram muito mais interesse ao publico. Os artistas mais conhecidos de Wasilla, no Alasca, a seguir à comediante Sarah Palin, destilaram prog-rock dos anos 70 não escondendo também a influência dos Led Zeppelin e um falsete do vocalista John Gourley bastante colado ao de Andrew VanWyngarden dos MGMT. Tudo soa tão épico quanto aborrecido.
Também conhecidos por serem os White Stripes dos pobres, os Blood Red Shoes não adiantaram muio à festa. O indie rock do duo de Brighton, na linha de uns The Kills ou The Subways, falhou em contagiar uma assistência que obviamente apenas ansiava pelos Nine Inch Nails, apesar de ter surpreendido em alguns momentos. Pelo menos, não são tão insossos ao vivo como em disco.
Depois de Juliette Lewis em 2005 e de Maja Ivarsson dos The Sounds no ano passado, coube a uma ex-professora primária preencher o papel de “fresca” do festival deste ano. Não, não estamos a falar da taróloga Maya, mas de Peaches.
Com uma performance sexualmente explícita, a canadiana não chocou propriamente ninguém, mas conseguiu criar um bom espectáculo ao exigir ao público que despisse as t-shirts, ao simular relações sexuais com um andaime ou através dos 83 fatos que usou durante todo o concerto. Quanto à música propriamente dita: uma nulidade. Um electropunk ao nivel de vários outros projectos menores que apenas não merecem honras de palco principal por não terem o número de circo de Peaches.
E finalmente, o momento mais esperado. É certo que ainda em 2007 os Nine Inch Nails deram 3 concertos em Lisboa, mas a aparição deste ano revela uma maior ansiedade já que foi dramaticamente anunciada como a última tour da banda de Trent Reznor. Infelizmente, não é o regresso nem a despedida que se desejaria. Sem os carismáticos Josh Freese na bateria e Aaron North na guitarra, a actual incarnação dos NIN foi reduzida a quatro elementos. A saber: o retornado Robin Finck na guitarra, Justin Meldal-Johnsen no baixo e o ex-lostprophets Ilan Rubin na bateria. A ausência de um teclista também obrigou todos os membros a dividir tarefas pelos sintetizadores.
Quanto ao alinhamento, nada a apontar já que a discografia da banda de Reznor permite sempre uma excelente setlist. A destacar: as excelentes interpretações de clássicos como “Terrible Lie”, “March of the Pigs”, “Head Like a Hole” ou “Wish”. Infelizmente, parte do público demonstrou ser pouco tolerante com momentos mais calmos como numa “La Mer” com contrabaixo e xilofone. Para o final, a banda dedicou-se a temas mais recentes como “Survivalism” e a uma “The Hand That Feeds” ainda mais rock fm que a versão de estúdio, até fechar com a intemporal “Hurt”.
É mais do que certo que um concerto dos Nine Inch Nails nunca defrauda ninguém, porém, para uma tour que se quer de despedida, exigia-se uma composição de palco superior à assistida. Quando comparada com os muros luminosos da Fragility Tour de 1999 ou com o ecrã interactivo da Lights in the Sky Tour do ano passado, os strobes e holofotes que estiveram presentes em Paredes de Coura parecem lanternas. No entanto, quem viu os Nine Inch Nails pela primeira vez não se pode sentir desiludido.
A fechar a noite no palco After Hours, e acompanhados pelos primeiros chuviscos a sério, os franceses Kap Bambino – synth-pop regada a cocaína, na linha dos Crystal Castles – e os Punks Jump Up fizeram parca concorrência ao já citado DJ do Windows Media Player.
1 de Agosto
Após a tempestade dos NIN na noite anterior, era natural que tudo estivesse mais calmo no dia seguinte. Na praia fluvial, os campistas relaxavam ao sol enquanto se dava uso ao megafone para pedir um saca-rolhas. Megafones que são a melhor moda do festival deste ano, cuja capacidade para criar loops vocais permitiu imortalizar frases como “o segurança do Ecomarché tem a mania que é grande.” Porque em loop tudo tem piada.
Quando o projecto Foge Foge Bandido de Manel Cruz pisou o palco principal às 19h havia ainda menos público do que num jogo do Belenenses no Restelo. A maior curiosidade prendia-se em como Cruz iria transpor O Amor Dá-me Tesão/Não Fui Eu que Estraguei para o palco. A resposta: com uma banda de cinco elementos onde se destacavam guitarras, bateria, banjo, xilofone, violino e sintetizadores. Apesar do lado mais experimental, canções como “As Nossas Ideias” contagiaram os mais atentos, apesar da maioria permanecer sentada.
No final, um momento inédito em Paredes de Coura. Pela primeira vez, uma banda teve direito a encore aceitando o pedido do público, apesar de não aceitarem uma solicitação para tocarem “Borboleta”. Ao invés, Manel e companhia responderam com os 11 segundos de “Mau Hálito”. Após o encore ainda aconteceu uma breve sessão de autógrafos ao lado do palco, onde uma fã demasiado ansiosa julgou estar prestes a desmaiar.
Existem várias bandas do indie rock espanhol a precisar de ser urgentemente descobertas pelos palcos nacionais. Nomes como os Nosoträsh, Los Planetas ou El Columpio Asesino. Os The Right Ons não são um desses nomes. Quem estava na frente bem celebrou com o seu retro rock – os bop-bop de “Thanks” são contagiantes - principalmente quando lhes foram distribuídas maracas, mas cá para trás ainda havia muito povo refastelado.
Os Howling Bells até poderiam ser a banda mais desinteressante de sempre que encontraríamos sempre um interesse em ver a banda em palco: a serpenteante dança da vocalista Juanita Stein, detentora do prémio para rapariga indie mais gira a pisar o palco de Paredes de Coura desde sempre. Mas a banda de Sydney via Londres também tem os seus interesses musicais.
Com um indie rock com toques de blues e electro dos anos 80 na linha dos The Duke Spirit ou de uns Black Rebel Motorcycle Club, os australianos apresentaram temas dos seus dois álbuns com destaque para os pa-pas de “Treasure Hunt”, para o riff descomunal de “Cities Burning Down” e para uma “Low Happening” que poderia se tornar num dos hinos do festival se a assistência não estivesse cansada/desencantada com a banda.
Pejado de um humor tipicamente britânico, Jarvis Cocker dava-nos as boas vindas ao espectáculo em bom português. Ironia foi o tom da actuação do maestro dos Pulp que começou por fazer erguer os braços do público através de uma aula de step, num concerto com uns pózinhos de stand-up comedy. Entre temas como “Further Complications” ou “Angela”, Cocker ainda nos conseguiu convencer que o saxofone não é um instrumento do demo com um rock à Blues Brothers de “Homewrecker!”
Pelo meio, Jarvis despiu o fato para gáudio das meninas presentes (uma das meninas chegou a oferecer umas cuequinhas ao senhor, que elegantemente colocou na sua lapela) enquanto se passeava por vários estilos, chegando mesmo a terminar a melhor actuação da noite com o disco sound de “You’re In My Eyes (Discosong)”. Certamente dedicado a todas as senhoras presentes.
Depois de um concerto dos The Hives só podemos nutrir dois sentimentos pelos suecos: ou se ama ou se odeia. Independentemente do julgamento, não há duvidas que a banda sabe montar um espectáculo e que o vocalista Howlin’ Pelle Almqvist sabe o que faz. Durante o concerto, Pelle ameaça incendiar a metade da plateia que não gosta de rock’n roll com o fogo que deitaria pela boca; responde a insultos com “está ali um tipo que quer fazer amor comigo”; faz alusões à rivalidade ibérica. Tudo isto tem piada da primeira vez, mas à segunda ou terceira torna-se estagnante.
E por mais energia que consigam libertar com o seu rock nostálgico, “estagnação” é a palavra de ordem no alinhamento dos The Hives. “Walk Idiot Walk”, “Main Offender” e “Hate to Say I Told You So” chegam a fazer alguém ao nosso lado questionar: “Mas já não tocaram esta?” ou “outra vez este riff?”. Todos os clichés do rock ‘n roll estão impregnados nos suecos. Sempre os mesmos acordes e sempre a mesma voz galinácea de Howlin’ Pelle Almqvist. O correspondente de Peaches para o rock ‘n roll.
Com o palco principal encerrado, os últimos sobreviventes rumaram ao Palco After Hours para testemunhar que há por aí bandas de rock interessantes no nosso país. Os Sizo prometem ser grandes, basta ouvir “Liar”. A finalizar, foi a vez de Nuno Lopes fazer concorrência ao DJ do Windows Media Player. Consta que não passou Animal Collective.
O Festival de Paredes de Coura regressa em 2010 entre 28 e 31 de Julho e já com uma não-confirmação: os Radiohead.