Reportagem Festival Vodafone Paredes de Coura 2014
Mais uma edição do Festival Vodafone Paredes de Coura, que se estendeu pelos dias 20 a 23 de Agosto, e manteve a tradição de ser um festival de excelência que providencia uma alternativa aos amantes de música, num cenário florestal de imensa beleza e ambiente imparável. Se em 2013, houve destaque para The Knife e Belle e Sebastian, foi no presente ano que o Paredes de Coura nos trouxe nomes como James Blake, Beirut e Mac DeMarco. Abençoados com uma previsão metereológica favorável – praga que assola a maior parte das edições do festival Courense, damos nota mais que positiva a um evento de renome que conta sempre com uma legião de fãs leais.
O dia de recepção do campista abriu com Capicua, por volta das nove horas da noite no Palco Vodafone. A rapper portuense, de nascença Ana Matos, com o novo álbum ‘Sereia Louca’, abriu a noite num set de sucesso e revelador das suas muitas idiossincrasias, conquistando lentamente o magote de festivaleiros que se preparavam para o primeiro dia de música ao vivo. Pouco depois, seguiram-se os Cage the Elephant, que de contidos e “enjaulados” pouco foram, atuando com muita energia e boa-disposição. Rock de garagem, com alguns laivos de psicadelismo, é a palavra chave da sua identidade musical – nada que seja particularmente original, mas acaba sempre por ser extremamente eficiente em ambiente de Festival. Matt Schultz e companhia trouxeram o seu terceiro esforço de originais, Melophobia (2013), a Paredes de Coura, e destacam-se os temas “Come A Little Closer” e “Shake Me Down”.
Claramente um dos destaques do cartaz, mas uma atuação que não se esperava ser a melhor de todo o festival – foi já noite dentro que atuou a fantástica e efervescente Janelle Monáe, naquela que foi uma performance triunfal e tecnicamente irrepreensível. Dois álbuns excelentes, The ArchAndroid (2010) e The Electric Lady (2013), uma voz potente e soulful, uma magnífica banda de suporte que é parte essencial da encenação em palco e energia para dar e vender foram os ingredientes de um concerto que arrebatou por completo o público português. Monáe é uma verdadeira sucessora de James Brown e Diana Ross, com uma visão musical e estética que a demarcam da maior parte dos nomes da música atual, daí que não seja surpresa apresentar-se de forma impecável em palco, interagindo com o público e criando um espetáculo completo e atraente para todos. “Q.U.E.E.N.” e “Tightrope” foram alguns dos maiores agitadores na multidão, mas também houve tempo para uma versão de “I Feel Good” de James Brown e “Let’s Go Crazy” de Prince.
Tarefa difícil para os Public Service Broadcasting de suceder à artista americana, daí que tenham marcado a reta final do primeiro dia de atuações numa nota menos positiva. O duo londrino constituído por Wrigglesworth e J. Willgoose, Esq. serviu uma dose de música electrónica instrumental introspetiva, pontuada por samples robóticos (mensagens de serviço público), numa performance morna, sem ser aborrecida, onde deu para descansar as pernas para o dj set de Cut Copy, no Palco Vodafone.FM. Encerra, então, a recepção ao campista, com promessa de mais e melhor no dia seguinte.
Embora o segundo dia, 21 de Agosto, tenha aberto portas com as atuações de Oso Leone e Fast Eddie Nelson, a primeira paragem para o Festivais de Verão foi a atuação de Seasick Steve. De guitarra em punho e blues no coração, o americano, que já tinha sido avistado no palco do Jazz na Relva, entusiasmou a hoste do festival com os seus temas aguerridos, incentivando crowd surf e contando histórias pelo caminho. Outro grande nome do rock moderno teve um palco para brilhar pouco depois – Thurston Moore pode ser melhor recebido no seu ex-coletivo Sonic Youth, mas não se pode queixar, claramente, da adesão ao seu concerto no palco Vodafone.FM. Detentor de uma voz distinta, Moore apresentou os temas do seu novo álbum a solo – The Best Day - aos portugueses num set coerente e de qualidade.
De muitas maneiras, a confirmação de Mac DeMarco para a 21ª edição do Festival Paredes de Coura fez completo sentido: é tanto o lo-fi etéreo que apresenta como a postura descontraída em que o faz que o insere perfeitamente na identidade relaxada do evento. A sua voz doce entra no ouvido, as melodias entoam-se e assobiam-se e assistir a um concerto dele assemelha-se a ver um amigo tocar – daí que não seja surpresa que tenha sido um dos êxitos do festival. DeMarco contou com várias invasões ao palco e, sobretudo, apresentou temas de Salad Days, como a homónima “Salad Days” e “Let Her Go”. No palco secundário, eram os Thee Oh Sees que tomavam posse. Eficientes a mover a multidão, os americanos brilharam com os seus temas de rock psicadélico e prestação energética. Apesar de terem anunciado um hiato em 2013, o ano seguinte trouxe Drop na bagagem, e pelo ar da coisa, os Thee Oh Sees não parecem adormecer tão cedo.
Duas grandes bandas escocesas acabam a noite no palco principal, em espectros diferentes da música: Chvrches e o seu synthpop, e os já muito conhecidos ao público Franz Ferdinand e o seu post punk dançável. Chvrches podem reunir muita atenção por causa do ar angelical e doce da vocalista Lauren Mayberry, mas engana-se quem ache que o coletivo se resume a isso. Iain Cook, ex-membro dos Aereogramme, e Martin Doherty, parte ao vivo dos The Twilight Sad, reuniram Mayberry para uma celebração da música electrónica naquela que é provavelmente uma ressurgência dos anos 80 no género (daí a predominância de vocalistas femininas). Na bagagem, The Bones of What You Believe, em Coura, uma prestação enérgica e cativante, com temas como “Night Sky” e “The Mother We Share” a darem prova da qualidade do conjunto.
Já sobre os Franz Ferdinand há muito pouco a dizer que já não tenha sido dito antes. A sua presença como uma das cabeças de cartaz prometia espetáculo e não desapontou: sem grande alarido, os escoceses encabeçados pelo cativante Alex Kapranos deram um enorme concerto, que serviu como revisão a todos os pontos altos da sua carreira. Aliás, impossível é pensar que o conjunto já conta com 12 anos de carreira, pois parece-nos que Kapranos e companhia não envelheceram um dia, repletos de energia e interativos com o público. Destaque, claro, para a repetição metódica de “Do You Wanna”, o erotismo divertido de “Michael”, a clássica “Take Me Out” e a emblemática “This Fire”, que encerrou o concerto e não deixou ninguém indiferente.
O segundo dia de música no festival (ou terceiro, contando com a receção do campista), trouxe duas bandas de excelência da música portuguesa. Os Killimanjaro, de Barcelos, e o seu stoner rock pesadão abriram bem o palco principal, seguindo-se dos já gigantes Linda Martini, num grande concerto de celebração do seu material. Sorumbáticos, energéticos e dilacerantes, estes reconfirmaram o seu estatuto de quase banda de culto em Portugal, com direito a invasão de palco e a adoração de um público que bem os conhece.
Os Yuck seguiram-se, no palco Vodafone.FM, para mais uma demonstração de indie rock e nostalgia dos anos 90 no Paredes de Coura. Pela sua sonoridade, parece que já os ouvimos antes, e parecem um misto de uns Built to Spill com o shoegaze dos Slowdive – em palco são competentes e o público não fica indiferente à sua performance. O novo Glow and Behold não é figura principal da atuação, mas “Lose My Breath” faz a delícia do público português.
Conhecemo-lo como a alma por detrás do projeto Bright Eyes e já tem extenso material lançado para apenas 34 anos de idade, embora nunca tenha passado por Portugal, desde que se lançou em 1998. Conor Oberst é também conhecido pelo material chorado e torturado, extremamente pessoal, mas este mostra-se, a solo, no Tabuão, bem crescido e algo distanciado da sua “imagem de marca”. Oberst a solo é bem mais folk e country, mais mexido, menos adolescente, e se ao vivo marca pontos por isso, pareceu-nos claro que o público português não aderiu totalmente à sua presença. Os clássicos Bright Eyes “Lover I Don’t Have to Love” e “Another Travelin’ Song” fizeram parte do alinhamento do americano, mas foram os temas de Upside Down Mountain, do presente ano, que figuraram na sua maioria (“Zigzagging Towards the Light”, “Enola Gay”). Os Perfect Pussy, possivelmente no top 5 de nomes menos google-áveis da história, tomaram lugar no palco secundário pouco depois, dando um concerto de energia furiosa – ao qual a hoste de festivaleiros soube dar resposta. Meredith Graves, vocalista, é o maestro da exibição fulgurante dos nova-iorquinos e marca do sucesso do conjunto pela terra minhota.
Os Black Lips foram o grande nome do palco principal desta terceira noite e, se foram bem recebidos, não podemos dizer que tenha sido dos melhores momentos do festival. Problemas de distribuição de som impediram que a performance da banda americana tenha sido realmente um sucesso, tal como provavelmente não serão nome grande o suficiente para tocar tão tarde no palco principal. No entanto, como já referido, a festa foi feita por parte do público, havendo mosh e crowdsurf qb, apenas um pouco morno. “Bad Kids” e “O Katrina!” encapsulam a alma dos Black Lips: animado rock lo fi – mas isto para quem os quis ouvir. Já os Cut Copy, os verdadeiros cabeças de cartaz da noite, também entretiveram, num set competente, energético e dançável, mas sem o fulgor e o ambiente do melhor que passou por esta edição do Paredes de Coura. Em dose dupla no festival, tendo atuado no dia anterior em formato dj set, o conjunto australiano de música electrónica apresentou variados temas de Free Your Mind (2013), como do celebrado In Ghost Colours (2008), tendo “Hearts On Fire” e “Lights & Music” acordado ligeiramente mais o público português que resistia para dar uns passos de dança. Os Cheatahs apresentaram-se também, por último, no palco Vodafone.FM, para uma demonstração de shoegaze britânico, sofrendo apenas da colocação no alinhamento, pois não reuniram muitos festivaleiros.
O último dia de atuações trouxe Sequin, a artista de música electrónica portuguesa, e os fantásticos lusos Sensible Soccers, demonstrando uma aposta forte na música portuguesa por parte da organização do Vodafone Paredes de Coura. A primeira surpresa do dia, no entanto, vem por parte dos The Dodos e a delicadeza do seu folk. Meric Long e Logan Kroeber cativaram os transeuntes com temas como “Substance” e “Confidence”, que viram no palco Vodafone.FM o meio adequado para a sua sonoridade brilhar: folk nunca adormecido, com o perfeito equilíbrio entre introspeção e entretenimento.
Foi a vez de Kurt Vile and the Violators brilhar no palco principal, por volta das 19h40. O psicadelismo foi a palavra chave num concerto pesado e menos eficaz a cativar o público português. Kurt Vile, que compareceu neste mesmo festival há três anos, apresentou Wakin On a Pretty Daze, do ano passado, e acabou por desapontar ligeiramente os transeuntes.
Hamilton Leithauser, mais conhecido por ser o vocalista dos (aparentemente) defuntos The Walkmen, deu também ar de sua graça no palco secundário, mostrando-se alternativa apetecível a Kurt Vile. Já lhe conhecemos a voz áspera e poderosa e o carisma de front man dos anos 50, mas não o novo material – Black Hours não se demarca muito, em termos de sonoridade do grupo de Leithauser, mas mostra-se mais blues, intento em fazer dançar. O single “Alexandra” é bem recebido e o concerto passa depressa, numa boa demonstração do talento do artista. Com os The Growlers, fomos transportados para a California solarenga, no seu surf rock encabeçado pela voz à la Bob Dylan de Brooks Nielsen. Boa aposta por parte da organização, uma vez que estes se mostraram mais que capazes para anteceder Beirut e não fazer desesperar com a espera.
Inegável o peso de Beirut neste cartaz do Paredes de Coura. O projeto que era originalmente apenas de Zach Condon, alargando-se depois a uma banda completa, já teria passado por terras lusas, mas acaba sempre por atrair um largo público que se delicia com os temas de folk das balcãs do grupo americano. É, de facto, um fenómeno, tanto por se demarcar tanto da maior parte das bandas da atualidade, como por reunir um público extenso com os seus álbuns de extrema qualidade – e foi como um fenómeno que se apresentaram em Coura, numa prestação capaz e eficiente que fez revisão aos maiores êxitos dos Beirut. “Postcards From Italy”, “A Sunday Smile” e até “Leãozinho” de Caetano Veloso foram êxitos entre os portugueses, que não se continham a entoar as melodias de temas que sabem de trás para a frente.
Por fim, foi de James Blake o palco principal e a tarefa de encerrar o palco principal do último dia deste festival. O londrino já teria passado pelo Primavera Sound, em 2013, numa atuação consistente e cativante, mas que sofreu do mesmo do que a presente – a sua sonoridade de electrónica experimental/dubstep não lhe permite grande espetáculo num festival de música ao ar livre, pedindo-se um meio mais intimista para se lhe ouvir os temas belíssimos e sombrios. Apesar de muito aguardado e recebido, Blake não conseguiu evitar que parte do público português se recolhesse para outros destinos, não obstante, o que apresentou em palco foi belíssimo e mais que digno de ser observado. Destaque para o esforço musical de 2013, Overgrown, e os temas “Retrograde” e “Limit to Your Love”, que apenas se lamenta não terem sido libertas em palco mais pequeno.
Nota editorial: A fotógrafa destacada para o evento, viu-se forçada a abandonar o recinto por motivos de força maior. Por esse motivo, não teremos fotos deste festival este ano. Agradecemos a compreensão.
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Organização:Ritmos
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sábado, 20 dezembro 2014