Reportagem Festival de Inverno 2014
Dia 1
O Festival de Inverno é o nome do projecto que a promotora Music In My Soul teve o prazer de apresentar à noite lisboeta no passado fim de semana.
Dividido por duas salas na ponta alta e baixa da cidade de Lisboa, o Santiago Alquimista e o Teatro do Bairro, respectivamente, receberam uma panóplia diversificada de artistas portugueses, pois é esse prezado grupo de artistas que o festival pretende exaltar nos palcos da capital. Dividido por dois dias e em duas salas, o primeiro dia contou a presença dos Mesa, Walter Benjamin e Nicotine’s Orchestra no Santiago Alquimista, enquanto no Teatro do Bairro, o rapper NBC, Dino D’Santiago e Mad Called Honey tomavam conta de outras sonoridades. Creio que é importante referir o facto, infeliz, da poupa adesão, pelo menos a olho, do público ao evento.
Pouco falta para as 22h, o Santiago Alquimista estava com alguns (poucos) curiosos e o número de repórters era superior aos presentes pagantes, fazendo com que este evento fosse a receita para o desastre. Independentemente desse pormenor, o evento prosseguiu como se nada fosse e acabou por resultar num evento extremamente intimista que acabou por agradar aos amantes da música. Para tal, Nick Nicotine & His Mystical Orchestra, Nicotine’s Orchestra para os amigos, fez as honras de inaugurar o evento, estivesse público ou não. Seis álbuns em seis anos converteram-se na compilação 77☽13 lançada recentemente pela Optimus Discos, que desfilou pelos ouvidos dos presentes com a ajuda de duas baterias e a boa disposição de Nicotine. Tivemos momentos de arregalar os olhos com “Right Before my Eyes” ou de nostalgia com “Adios, Conchita!”, sem nunca ser possível desviar o olhar do palco. Posto isto, seguia-se o cabeça-de-cartaz do Santiago Alquimista.
Os Mesa trouxeram consigo Pés que Sonham ser Cabeças e mais dez anos nos discos. Agora sem Mónica Ferraz, Rita Reis é uma substituta à altura e um complemento ideal às melodias idealizadas por João Pedro Coimbra, que frequentemente trocava de posição entre baterias, órgãos e guitarras. Tivemos direito a “Luz Vaga” com dupla voz de Rita Reis, sem contar com Rui Reininho, e uma hipnotização durante “Cedo o Meu Lugar” e, para surpresa de muitos, uma versão de “Wuthering Heights”, a lendária canção da britânica Kate Bush.
E para finalizar a festa no Santiago Alquimista, Walter Benjamin, não o filósofo alemão, mas sim o artista sediado na capital inglesa, teve o prazer de apresentar o seu trabalho enquanto músico. Num registo muito singer-songwriter folkarockalhado, The Imaginary Life Of Rosemary and Me fez parte do corpo do alinhamento, até porque um novo álbum está em preparação. “Airports and Broken Hearts”, “Twenty Four” e terminar em beleza com “We might never fall in love, but you can kiss me anyway”.
A festa continuou com Mad Called Honey, encarregue de encerrar o dia com o seu rock que dispara em todas as direcções, no Teatro do Bairro. O dia seguinte prometia uma segunda dose de entretenimento.
Dia 2
Dedicamos o segundo dia aos concertos do Teatro do Bairro, tudo devido à distância considerada entre as duas salas lisboetas A receita previa-se, novamente, a mesma: pouca gente para grandes artistas. Confirmou-se. O nome de Erica Buettner saltou-nos à vista recentemente, tendo sido ela a abrir o concerto do holandês Jacco Gardner no Musicbox. Se lá tinha sido uma agradável surpresa, o concerto no Teatro do Bairro serviu para colmatar todas as dúvidas que se tinha. A viver em Portugal há três anos, vinda dos Estados Unidos, passando ainda antes por Paris, Buettner agradeceu à organização o convite para actuar num festival que se destinava a artistas portugueses. Entre palavras carinhosas num português claramente ainda mal amanhado, Buettner lançou o aviso que consegue perceber (praticamente) tudo. Com guitarra em mãos, o seu folk enamora as palavras e remete-nos para um universo semelhante a artistas como Haruko, que passou pelo nosso país em Dezembro. "True Love and Water" foi lançado em 2011, predominou ao longo de pouco mais de uma hora e deixou o fervoroso desejo por mais, provando que não é preciso uma parafernália de produção e instrumentalidade para fazer música sublime.
Denis Filipe foi o vencedor do programa “A Voz de Portugal” e teve o seu álbum de estreia Twist & Bend produzido por Armando Teixeira, dos Balla, que actuaria no Santiago Alquimista nesse mesmo dia. Claramente influenciado pelos grandes clássicos do rock, como The Doors ou Rolling Stones, Denis apresenta uma visão de rock um pouco mais moderna. Independentemente de ter ganho o programa por apresentar uma perspectiva de rock diferente, o rótulo não lhe ficou agregado. O concerto só pecou pela falta de credibilidade de todo o aparato em palco, não por culpa da banda mas sim, novamente, da falta do público. Extremamente comunicativo, haja público ou não, o rock é pesado e barulhento e é bem feito e o “It’s Killing Me” o single é prova viva disso, servindo e cumprindo o propósito de uma actuação ao vivo de uma banda de rock promissora.
Por fim, a cara conhecida de O Martim é-nos familiar por acompanhar as emissões de 5 para a Meia Noite e acompanhar B Fachada (saudades de quando tocava) no seu antigo projecto. Agora apresenta o seu próprio projecto e um álbum Em Banho, Maria, acompanhado de músicos eficientes para terminar a noite final do Festival de Inverno na cidade de Lisboa.
Como é de prever, eventos como estes podem ser e constituir, como já foi referido, uma receita para o desastre. Os bilhetes não eram propriamente acessíveis para uma compra de última hora. No entanto, foi uma tentativa aceitável e que para o ano, será certamente, reconsiderada e, esperemos, melhorada. Por agora, ficamos com um festival de Inverno, quase – meia-estação, para matar saudades da silly season que é o Verão e os seus eventos megalómanos. Aqui faz-se muito com pouco e mostra-se o que se faz bem neste nosso cantinho do mundo.
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quinta-feira, 21 novembro 2024