Reportagem Jameson Urban Routes - Fujiya & Miyagi + Glass Animals
E ao terceiro dia… o Jameson Urban Routes voltou a ter lotação esgotada. O festival indoor já vai na 8.ª edição e tem vindo a conquistar cada vez mais público. A par de uma política de preços bastante razoável, a receita deste sucesso parece passar pela própria filosofia programática do Musicbox Lisboa, virada para a divulgação de novos (e antigos) projetos no âmbito da música de fusão e urbana. Não será de estranhar que um dia esta sala de espetáculos seja pequena demais para acolher um festival que suscita tanto interesse.
Lamenta-se apenas a hora tardia de início de concertos e os atrasos e alterações face aos horários inicialmente definidos pela organização: à última hora, o concerto de Glass Animals passou das 1:30 para as 2:20, sem justificação conhecida [n.r.: a alteração deveu-se a uma montagem de palco mais demorada, segundo conseguimos apurar mais tarde].
O cartaz desta noite prometia um sotaque vincadamente britânico (assegurado pelos Fujiya & Miyagi e pelos já referidos Glass Animals) mas, como manda a tradição, a música portuguesa voltou a estar na linha da frente.
Os Keep Razors Sharp vinham com epíteto de “aposta nacional para 2014” e, na verdade, formam uma autêntica seleção nacional, juntando elementos de bandas tão distintas como Sean Riley & The Slow Riders, Capitão Fantasma, The Poppers e Riding Pânico. O homónimo disco de estreia foi lançado no início da semana mas o hype que os rodeia não é propriamente uma novidade, muito por culpa dos festivais de verão que a banda percorreu. Curiosamente, a banda tinha-se estreado ao vivo em Lisboa precisamente no Musicbox, há cerca de um ano, numa noite Teach Me Tiger…
A expectativa era grande para confirmar se ao vivo os Keep Razors Sharp conseguiriam fazer jus ao promissor trabalho de estúdio. Fizeram-no com competência, ajudados pelo facto de as canções do disco terem sido gravadas praticamente em take direto. Tocaram praticamente todas as músicas do álbum, cantadas em inglês (com Afonso Rodrigues e Luís Raimundo a alternarem nas vozes) e marcadas por um som denso baseado no indie rock com alguns toques neo-psicadélicos (olá, The Black Angels!). Destacaram-se não só os singles «I See Your Face» e «9th» mas também temas como «Sure Thing» (que grande malha!), «By The Sea» e, na despedida, o trippy «Africa On Ice». No final, ficou-nos na memória a energia esfuziante das guitarras rasgadas e da bateria pujante e, sobretudo, aquele rock n' rol feito de lâminas bem afiadas.
À uma da manhã, o rock de garagem deu lugar ao elegante kraut electrónico dos Fujiya & Miyagi, num aguardado regresso. Vindo de uma digressão aos EUA, o trio de Brighton (acompanhado por um baterista) abriu com «Artificial Sweetners», tema que dá nome ao quinto álbum, editado em junho e que recupera os contagiantes ritmos pop e funk, diretamente apontados à pista de dança. Logo a seguir, continuámos açucarados ao recuarmos a 2008, com David Best a repetir vezes sem conta “vanilla strawberry knickbocker glory”, acompanhado por muitas palmas.
Praticamente metade do alinhamento baseou-se no novo álbum, com destaque maior para «Flaws» (com Best a lembrar-nos “I was right and you were wrong”) e «Terahydrofolic Acid», tema instrumental com notórias influências dos Kraftwerk. Mas foram os momentos de revisão da matéria que levaram o público ao rubro, em faixas como «Collarbone», «Ankles Injuries» e «In One Ear & Out The Other» (todas do álbum Transparent Things, de 2006). Arriscamos dizer que as canções da noite foram «Uh» e «Minestrone» que, ao vivo, ganharam mais espaço para o devaneio, com a irrepreensível guitarra baixo de Matt Hainsby a ditar as leis.
Com direito ao único encore que se viu ao longo da noite, voltaram para tocar «Tinsel & Gliter” a dois tempos. Podem ter reservado poucas palavras para o público mas os Fujiya & Miyagi demonstraram quão perfeita pode ser a união entre o homem e a máquina.
2:40 - Hora tardia para muitos, mas apropriada para a estreia de um projeto nascido em noites de insónias. Os Glass Animals eram provavelmente a banda mais aguardada da noite. A razão: o quarteto de Oxford tem vindo a agitar a cena musical britânica com o seu primeiro longa duração «Zaba», editado em junho e produzido por Paul Epworth, nome forte que já trabalhou com artistas como Bloc Party, Adele e The Rapture. O novo disco pisa territórios inexplorados de uma pop eletrónica que se cruza com o R&B e o hip-hop, partindo do legado de alt-J, James Blake, SOHN e Massive Attack.
Ouve-se o chilrear de pássaros e, poucos segundos depois, os quatro entram em cena sob forte aplauso. Em palco, vestido de preto com t-shirt e jeans dobradas, Dave Bayley destila coolness e comanda todas as operações. Descalço, ensaiou danças tribais, agarrou a guitarra bem alto, subiu e desceu da bateria e mostrou as garras. A sua voz rouca é simultaneamente sedutora e ameaçadora, ninguém diria que este antigo estudante de medicina só se estreou como vocalista na altura em que formou os Glass Animals. Um pouco mais recuados, os sintetizadores de Drew MacFarlane e Edmund Irwin-Singer (que em certas músicas também tocaram guitarra e baixo, respetivamente) foram construindo o ambiente hipnótico que lhes é tão característico.
A banda revelou uma coesão natural, não estivéssemos nós perante quatro amigos de infância. Primeiro desvendaram tesouros ligeiramente mais antigos: abriram com «Psylla» e prosseguiram com «Black Mambo» e «Exxus», todas do homónimo EP lançado em 2013. No ecrã, passaram imagens da selva que nos transportam para o tribalismo do novo disco (apenas «JDNT» ficou de fora do alinhamento), feito de música cerebral mas, ao mesmo tempo, pontuado por arranjos excêntricos e sexys.
“This is our first time in Portugal!”, exclamou um entusiasmado Dave, antes de se ouvirem os primeiros acordes de «Gooey», o primeiro single, deixou toda a gente eufórica a cantar o orelhudo refrão “I can’t take this place, I just wanna go where I can get some space”. Por essa altura, o Musicbox rebentava pelas costuras.
«Hazey», «Flip» e «Wyrd» foram recebidas com muitas palmas. Para o final guardaram uma homenagem às suas raízes: é preciso coragem para fazer uma versão de Kanye West, mas passaram com distinção numa «Love Lockdown» a que emprestaram um toque de blues.
Já passava das 3:30 quando fecharam com «Pools». A noite estava ganha e a plateia aos saltos. Terminava assim uma fascinante viagem por ambientes exóticos, que nos deixou com vontade de regressar a esta selva tropical.
Para os mais resistentes a música continuou pela madrugada dentro, numa vertente Clubbing, entregue ao americano Maurice Faulton (nome forte da cena house) e ao português Jorge Caiado.
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sábado, 20 dezembro 2014