Reportagem Jameson Urban Routes: Tim Hecker, Moonface, Voxels, Sonja, Medeiros/Lucas
No último dia da primeira semana do Jameson Urban Routes, o protagonismo transferiu-se de Inglarerra para o Canadá. Depois das atuações dos Fujiya & Miyagi e dos Glass Animals na noite anterior, impuseram-se as atmosferas minimalistas de Tim Hecker e Moonface, ambos conhecidos pelo seu gosto pelo experimentalismo.
Antes, porém, subiu ao palco a dupla lusa Medeiros/Lucas que também demonstra apetite por novas experiências. Convém contar a história do princípio: em novembro de 2010, Pedro Lucas (que está radicado na Dinamarca) lançou «Experimentar Não m'Incomoda», um álbum em que, a partir de uma abordagem a um disco de Carlos Medeiros, reinventava a música tradicional dos Açores, usando samplers, sequenciadores e sintetizadores digitais. O resultado dessa releitura foi verdadeiramente surpreendente: um cruzamento da tradição com a modernidade, do campo com a cidade, da insularidade e com o cosmopolitismo.
Agora, os dois resolveram unir forças no projeto Medeiros/Lucas. Os temas que tocaram ontem fazem parte de um disco que será editado no início de 2015. Pelo que vimos, este trabalho segue uma linha diferente, mais orgânica, demonstrando que não se limitam a recriar música tradicional. Com uma interessante componente visual, o espetáculo desenrolou-se à volta da potente voz de Medeiros, suportado pela guitarra elétrica de Lucas, ambos sentados no centro do palco. Mas ainda houve espaço para alguns sons tribais assegurados por um baterista e para texturas eletrónicas conferidas por um teclista que, em certas ocasiões, também tocou guitarra baixo. Com o mar inevitavelmente no centro do imaginário desta dupla açoriana, as novas canções falaram-nos de aventuras e desventuras, de batalhas navais e marinheiros. Este interessante encontro de gerações foi bastante bem acolhido pelo público lisboeta.
1:00 - Um ténue foco de luz permite vislumbrar uma mesa cheia de parafernália eletrónica. Por entre a penumbra, sobe ao palco o primeiro canadiano da noite. No centro da mesa, Tim Hecker assumiu os comandos e transpôs o ambiente etéreo e minimalista dos seus trabalhos de estúdio. Mestre na construção e manipulação sensorial, Hecker começou por pintar leves sonoridades nebulares mas não demorou a lançar um forte ataque que esmagou todos os presentes num contínuo sonoro. Nos temas que tocou - alguns dos quais extraídos de «Virgins», lançado em 2013 - não houve lugar às palmas, porque não existiu um início e um fim entre eles.
Um aviso afixado à porta do Musicbox (“o volume do espetáculo poderá ser superior a 120 decibéis”) lembrava que o ambientalismo abstrato em que Hecker se move está bem longe de ser música de fundo... Ao vivo, existe uma concentração assombrosa de energia e o ambiente veste-se de negro, com muralhas sonoras opressivas, densas e rochosas. Três quartos de hora mais tarde, Hecker abandonou o palco e sentimo-nos enfim devolvidos, depois de termos sido engolidos por uma vertigem maquinal avassaladora. E, aí sim, ouviram-se finalmente as palmas.
“Hi, my name is Spencer and I’m from Canada. It’s 2 a.m… Good time for piano”. A ironia pertence ao canadiano Spencer Krug aka Moonface, que é imediatamente avisado pelo público sobre a mudança de hora de Inverno. Krug é provavelmente um dos músicos mais ativos da indústria discográfica. Consideremos apenas as bandas que ajudou a formar e temos logo uma mão cheia delas: Frog Eyes (2002), Wolf Parade (2003), Fifths of Seven (2005), Sunset Rubdown (2005) e Swan Lake (2006). Demasiados projetos para um homem só? Talvez para a generalidade dos músicos, mas não para este talentoso compositor, cantor e multi-instumentista, que entretanto lançou-se a solo sob a persona de Moonface.
O seu regresso não teve como palco o altar de uma igreja (como no Vodafone Mexefest 2013), mas o espaço não menos acolhedor do Musicbox. Sozinho ao piano, teve a voz e a melancolia como companheiros (e, já agora, um inteligente e minimalista jogo de luzes). Pareceu, de facto, estar numa “sad Liberace phase”, tal como escreveu há uns meses no Facebook. Com tudo o que isso tem de bom. Com uma voz que faz lembrar Peter Murphy e uma perícia incrível a soltar as teclas, as suas canções falam de amor e desamor, do arrependimento e da esperança, do passado e do futuro. Falam de locais e das viagens de quem saiu de Montreal para Helsínquia e depois para Vancouver.
Começou com «The Fog», o tema que abre o seu novíssimo EP «City Wrecker», ao qual só voltou já mesmo no final do espetáculo. Foi com base em «Julia With Blue Jeans On», o longa-duração lançado no final do ano passado, que o concerto se desenrolou. Depois de «Black is Back in Style» e «The House You’re In» lembrou-nos que já é a quinta vez que visita Portugal e avisou que não haveriam breakdancers: tudo o que iriamos ver e ouvir era simplesmente um homem e um piano.
Lança-se então ferozmente a «Barbarian», belíssimo tema em tom auto-confessional, que ao vivo nos soou ainda melhor que no disco. Numa das estrofes, parece encarnar Morrissey quando diz “stop me if you’ve heard this one before”... Levanta-se ligeiramente da cadeira e enquanto uma mão percorre delicadamente as teclas, a outra fica suspensa no ar, serpenteando de forma graciosa e elegante. É Moonface a expiar as suas culpas e a plateia, silenciosa, a partilhar o drama e a sua dor.
Depois, chega de forma célere «Fast Peter», de «Organ Music not Vibraphone like I’d Hoped» de 2011 (um tema que Moonface referiu não ter sido composto para piano), naquele que foi o único momento de revisitação a um passado mais longínquo. Ao introduzir «November 2011», fez-nos um alerta: “this one is cheesier than the last ones”… Mas o que assistimos foi um dos momentos altos da noite, recebido com muitas palmas, com Krug em registo quase constrangedor, de tão íntimo, a cantar com dor “Baby, we both know we are both crazy, and we both know that you can stay as long as you would like to stay”.
Ao terminar «Your Chariot Awaits», aproveitou para fazer um sentido agradecimento ao responsável pelo som, companheiro de tantos anos que está de partida para outros projetos. Na reta final, o destruidor de cidades tocou o novo single «City Wrecker», enquanto por trás iam passando imagens a preto e branco de ruas vazias. Despediu-se com «Julia with Blue Jeans On», arrebatando toda a gente numa explosão de teclas e voz. Um concerto soberbo, dos melhores que vimos nesta edição do Jameson Urban Routes.
A noite prosseguiu com portugueses Voxels, em formato live, e com Sonja. O festival faz agora uma pequena pausa e regressa em noite de Haloween…
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sábado, 20 dezembro 2014