Reportagem Milhões de Festa 2012
20 de julho
Comecemos pelo mais-que-óbvio: o Milhões de Festa é o melhor festival nacional. Consegue destacar-se de todos os outros (mesmo com as falhas visíveis: atrasos nos horários dos concertos, bem como com as alterações de alinhamento que nem sempre foram comunicadas) tanto pelo ambiente bem como pelo conceito que envolve todo o festival – é organizado por quem gosta de música e não pelo negócio que a música pode ser. Mesmo com estas falhas, consegue não perder todo o seu encanto e que, por isso mesmo, já deixa saudade e nostalgia aos que se dirigiram a Barcelos neste último fim-de-semana. A organização esperava 9000 pessoas e, muito provavelmente, o objectivo foi atingido.
Pode-se dizer que na sua terceira edição em Barcelos (deixando-se de fora as edições do Porto e Braga), o Milhões de Festa amadureceu por completo e, pessoalmente, deve ser este o caminho que o festival deve seguir. Nesta edição, para além da recepção ao campista com a taina/patuscada que a Lovers & Lollypops tanto gosta e que foi claramente uma aposta ganha, pois tal foi a enchente que se viu no Parque da Cidade logo na quinta-feira e um pouco por toda a cidade que acolhia os eventos do festival. Foi um excelente aquecimento para os que voltavam a Barcelos e uma amostra do que se iria assistir nos três dias seguintes para quem se estreava nestas andanças festivas; ficou, também, evidente a preocupação da organização para que o público pudesse respirar mais o festival, com os concertos do Palco Milhões e Vice a iniciarem mais tarde do que nas duas últimas edições; e por fim, mas não menos importante, a clara melhoria no que à comida dentro do recinto diz respeito com imensas opções e a preços bastante convidativos. A piscina? Bom, a piscina continua a ser a cereja no topo do bolo e faz as delícias dos que lá vão.
Como é habitual, o dia inicia-se sempre na bela piscina municipal de Barcelos, com a companhia do cogumelo gigante e do palhaço chorão que viam a sua piscina encher-se de pessoas bem cedo. E a estreia do palco da piscina deste ano não poderia ter ficado melhor entregue: Jibóia, projecto de Óscar Silva, ofereceu aos muitos presentes um mistifório de sons: desde o rock ao noise, passando até pelo kuduro ou pelo psicadélico. Era o início de festa aos milhões.
Seguiram-se os Equations, para apresentar o seu math-rock do seu álbum de estreia Frozen Caravels, e se instrumentalmente estes rapazes são irrepreensíveis, em termos vocais a coisa deixou muito a desejar. Era a vez dos, já habituados a estas andanças, Alto!, centraram a sua potente actuação no seu álbum homónimo que saiu este ano. Com o seu surf rock, os Alto! fizeram a delícia a todos os festivaleiros de calção e bikini, proporcionando belas coreografias dentro e fora da piscina.
Já se fazia tarde e, um pouco longe do palco da piscina, os Savanna, provavelmente uma das bandas nacionais mais interessante do ano, subiam ao Palco Taina, na companhia de Da Chick, no tema "Run" Xinobi na guitarra e Moullinex no sintetizador, proporcionaram um enorme concerto (em termos de qualidade, porque para muitos foi curtinho em tempo). Exemplares tanto na sua execução técnica como a nível vocal, brindaram-nos com o seu rock progressivo e psicadélico futurista de Aurora, lançado este ano, deliciando os presentes naquele palco.
Já passavam uns largos minutos das 20 horas quando os barcelences La La La Ressonance subiram ao Palco Milhões. Com uma actuação muito tímida, centrada no seu terceiro álbum, Faust onde o espaço ainda muito despido de público foi um enorme obstáculo para a banda, fazendo com que o concerto perdesse um pouco o interesse. Provavelmente num recinto mais pequeno – ou mesmo fechado – o quinteto ter-se-ia saído bem melhor. Por outro lado, à entrada para o recinto, os Joseph – e apesar dos problemas técnicos iniciais –, iam destilando o seu doom metal para os que se encontravam nas imediações do recinto, conseguindo reunir à sua frente um bom número de pessoas.
A estreia do Palco Vice ficou encarregue a RA/Löbo, num concerto bipartido. Em primeiro lugar, ouviu-se a electrónica negra e pesada de RA, projecto a solo de Ricardo (Löbo) que conseguiu hipnotizar todos os presentes, muitos sem saber o que se estava ali a passar, pois o palco estava montado para acolher uma banda e tudo o que se via era um homem a balançar o corpo ao som de um industrial bem pesado, onde os ruídos, efeitos e feedback comandam toda a sonoridade de RA; após uma pequena pausa (talvez esta transição poderia ter sido um pouco melhor), os restantes membros de Löbo subiram ao palco e sentiu-se um doom mais pesado e muito mais orgânico. No entanto, e embora o concerto não tivesse sido mau, os que conhecem a banda estariam, por ventura, à espera de um pouco mais e melhor.
Seguiram-se-lhes os Sensible Soccers, com a sua electrónica experimental e guitarras celestiais, com o belo toque do pós-rock e que fizeram com que o público dançasse e viajasse, sem nunca ter saído de Barcelos. Foi um penálti à Panenka eximiamente executado.
A primeira grande enchente no Palco Milhões, como já era de prever, foi para os norte-americanos Baroness, que faziam a sua estreia em solo nacional e o histerismo foi mais que evidente, ora com palminhas a marcar os ritmos, ora com mosh e até com uma tímida wall of death (mas por que raio?). Público à parte, os Baroness deram um concerto portentoso, cheio de energia, empatia e a emanar simpatia por todos os lados, sendo bem visível que estavam satisfeitos por estar ali. "Take My Bones Away", do novíssimo Yellow & Green, iniciou o certame. E não é que este último álbum, ao vivo, até parece um bom álbum? Foi uma actuação equilibrada, com especial ênfase em "Steel That Sleeps The Eye"; "Swollen And Halo" ou "Sweetest Curse" do Blue Album ou "Isak", do Red Album. Ao terceiro álbum de estúdio, os norte-americanos já conseguem ser uma banda de culto que reúne uma base sólida de fãs e, com certeza, que fizeram mais uns quantos após esta actuação. Ficou a promessa que o quarteto irá voltar em breve: remanesce a curiosidade de os ver numa sala à medida.
Terminado o furacão sludge no Palco Milhões, as atenções viraram-se para a actuação de Holy Other, com a sua electrónica quasi-depressiva. Mas para aqueles que queriam festa, movimento e animação, então o concerto dos Throes + The Shine foi, provavelmente, um dos momentos altos de todo o festival. Se no ano passado, ainda de tarde, puseram o Palco Vice a dançar e a abanar os glúteos; este ano puseram todo o recinto a fazer movimentos pélvicos bastante arrojados e perigosos com o seu rockuduro. Se os Throes conseguem dar uma componente instrumental muito competente; André e Diron (The Shine) são uns verdadeiros mestres-de-cerimónias, com rimas que ficam logo no ouvido: são entertainers em todo o seu esplendor; juntando a participação de Cláudio Tavares na percussão/guitarra, o resultado foi ainda mais batida a esta amálgama de rock e kuduro. Assistimos a uma comunhão perfeita entre público e banda, era visível o sorriso de satisfação de todos os que lá estavam. E se por palavras é complicado explicar o que ali se passou, então imaginem parte da crew dos Baroness a dançar – e filmar o que ali se vivia – em pleno recinto ao som dos Throes + The Shine. Cuiou e de que maneira.
Parecia complicado seguir com a festa depois do furacão que passou por Barcelos. Mas a verdade é que os Youthless continuaram com a pândega no Palco Vice, numa toada mais regular e pop, que foi amornando até se ouvir "Snowblind" dos Black Sabbath, tema que terminou a sua actuação. Se a performance dos Youthless foi esfriando, isso não se pode dizer de Meneo, essa estranha personagem que invadiu o Palco Vice com o seu GameBoy e desatou a fazer covers (Daft Punk, Stevie Wonder, Alice Deejay, entre outros) ou originais como "Santa Nalga" (a sua obsessão por rabos proporcionou – a seu pedido – a que o público apalpasse os rabos mais próximos) ou "I Know Basic" (música que fala da habilidade dos seus polegares) em 8-bit, insistentemente interrompidas para incentivar o contacto carnal dos resistentes. “Tiger Woods is gay!” foi entoado em plenos pulmões diversas vezes.
21 de julho
Não existe compatibilidade entre Milhões de Festa e acordar tarde: seja porque faz imenso calor logo pela manhã nas tendas, seja porque a rumaria do recinto para as tendas não pára ou então porque a piscina abre ao meio-dia e há que aproveitar todos os momentos. Talvez por isso – e pelo calor que se sentia – a piscina já se encontrava muito bem composta bem antes da hora marcada para os concertos (14h30). Certo é que, muito provavelmente, este segundo dia foi o dia mais mediano dos três, mas já lá vamos.
Ficaria a cargo dos britânicos GNOD e o seu noise/psicadélico que pouco ou nada convenceu, mas que ficou mais que redimido no dia seguinte. Mas se a apatia pairava pela piscina, os Revengeance vieram contrariar toda essa apatia com o seu powerviolence. E que devastação que se assistiu na piscina: crowdsurf, blastbeat e berarria como manda a lei. Este quinteto chegou, distribuiu pancada a tudo e todos e foi-se embora: trabalho cumprido.
Já com o corpo bem tostado o som de Moullinex + Xinobi (que trocaram a ordem de actuação devido ao atraso dos Bro-X) convidava à dança, fosse ela aquática ou na relva. Estes dois produtores sabem muito bem o que fazem e prova disso é que o seu set enquadrou-se muito bem no ambiente quasi-caribenho que se sentia àquelas horas: venham os mojitos.
Infelizmente, e porque o fim de tarde ia já longo, a piscina deixou de ser a prioridade, pois, no palco principal os suecos Blues Pills estavam prestes a iniciar o seu concerto e a espectativa elevada, ora não estivéssemos na presença de dois ex-membros de Radio Moscow. Se o seu primeiro EP, Bliss, causou boa impressão, a coisa ao vivo funciona ainda melhor com a excelente execução técnica do seu rock com pitadas de blues e psicadelismo, bem como com a irrepreensível voz de Elin Larsson.
Parecia que estava lançada mais uma noite com excelentes concertos, mas a coisa não correu como o previsto. Se existiam enormes espectativas para ver Sarah Assbring, com o seu projecto El Perro Del Mar e a sua electrónica, depressa se percebeu que pouco ou nada ia ser retido da sua actuação. Esperava-se muito mais desta sueca. Saltou-se para o palco secundário para ver Prinzhorn Dance School e após cinco músicas a coisa parecia estar ligada às máquinas: repetitivo e chato, estes britânicos deram um concerto muito pouco interessante e talvez por isso assistiu-se a uma debandada por parte do público (fosse para jantar, para beber ou mesmo para recuperar forças).
De volta com a música no palco principal, desta vez com os neo-zelandeses Connan Mockasin conseguiram prender e hipnotizar o público com a sua pop sedativa. Ficaria a cargo dos lisboetas Gala Drop um dos momentos altos do segundo dia. Foi uma sinestesia completa; foi uma alomorfia mais-que-perfeita aquilo que se assistiu no Palco Vice.
Os Weedeater proporcionaram o concerto mais pesado de todo o festival, sem qualquer sombra de dúvida. Parece que desta vez Dixie (quase) trocou a erva pela garrafa de Jack Daniels e a mistura resultou num destilar de riffs pesadões e com imenso groove que fizeram mexer muita malta. Estes norte-americanos foram exímios na sua actuação e brindaram as margens do Rio Cávado com um stoner rock bem pesado. Os que conseguiram manter o seu pescoço intacto e se dirigiram para o Palco Vice viram um duo portuense de seu nome Ghunagangh, que não vinham para fazer amigos e decerto que não devem ter feito muitos. A noite já não era uma criança quando Publicist entrou em palco e, diga-se, melhor seria não ter sequer entrado. A noite já ia longa e no fim da actuação do argentino, as forças já faltavam e ainda havia mais um dia para saborear antes de começar a bater as saudades.
22 de julho
O último dia estava aí e só restava aproveitar ao máximo o que Barcelos podia proporcionar. E nada melhor do que começar o dia com a pop turca de Grup Ses Beats que foi mais que suficiente para colocar todos os que se encontravam na piscina a dançar de sorriso na cara. Nate Brenner, com o seu projecto Naytronix transportou-nos para um mundo futurista onde a dança e o pós-apocalipse se encontram. Resultado: um funk que faz abanar os corpos mesmo que involuntariamente. Seguiam-se os muito aguardados Moonduo que, com Mazes, álbum editado no ano passado, foram destilando o seu rock com batidas repetitivas e, por vezes, frenéticas. Foi a banda sonora perfeita para se ir fazendo os últimos mergulhos ou acrobacias para a água. Mas o palco da piscina não iria ser encerrado sem que antes Dj Fitz nos brindasse com um fim-de-tarde com muito rock.
E nada melhor que, no Palco Milhões, assistir ao pôr-do-sol com a excelente banda sonora que Al-madar (onde Bassam Saba e April Centrone e Timba Harris, estes dois últimos membros de Secret Chiefs 3) nos proporcionava. Ouviu-se de tudo: desde música e sons tipicamente árabes, funk, rock até a um cheiro de improviso fizeram a delícia aos que se dirigiram ao palco principal. Foi uma fusão perfeita. E chegara a vez dos portugueses – e mais que habituados ao festival, ora não fosse a sua terceira presença em Barcelos – Riding Pânico, desta feita com Carlos BB (Men Eater) na bateria e Fábio (Men Eater) na guitarra. Se é certo que Riding Pânico não cansa, provavelmente porque não dão muitos concertos, também é certo que, apesar de ter sido um bom concerto por parte da banda lisboeta, já se assistiu a concertos bem melhores (por exemplo: Milhões de Festa 2011); tocaram temas novos, mas o momento alto será sempre "E se a Bela for o Monstro".
De volta ao palco principal e os frances L’enfance Rouge presentearam Barcelos com o seu rock/noise avant-garde e se são uma banda claramente difícil de digerir, foi visível que conseguiram manter o público atento à sua prestação em palco. Os portugueses Memória de Peixe subiam ao Palco Vice e logo a avisar que gostam de construir músicas em tempo real e, por isso, pediam – por antecipação – desculpa por qualquer “prego”. E não foi preciso muito tempo para que ficassem prontamente desculpados, não por causa dos “pregos” mas porque conseguiram criar um ambiente perfeito, com uma excelente performance. Riffs de guitarra cheios de harmonia e melódicos, com uma bateria rítmica: ora na orla do pós-rock, ora numa onda mais pop, o certo é que este duo conseguiu maravilhar o muito público que os via.
Chegada a hora dos britânicos – e amantes de triângulos – Alt-j subirem ao palco principal e fazerem a delícia das muitas pessoas que lá se encontravam. Com o seu álbum de estreia, An Awesome Wave, que estará muito provavelmente em vários tops do ano, proporcionaram um concerto delicioso. Instrumentalmente irrepreensíveis com a sua pop invulgar e seriamente refrescante, com muitas influências psicadélicas, com bastante groove e até (pasme-se!) hip-hop e soul. As introduções a cappella ficam ainda mais divinais ao vivo e toda a mistura de estilos consegue ser brilhantemente charmosa. A maravilhosa "Tessellate", antecedida de uma intro, logo deliciou o público e com "Graceland", "Fitzpleasure" ou "Matilda" ficou provado que se os britânicos em álbum são brilhantes, em palco transcendem-se. Em suma: o concerto mais sexy deste ano do Milhões de Festa. Pena foi mesmo a curta duração deste. A redenção dos GNOD chegara, mas muito por culpa dos Black Bombaim, que juntos – BlackGnod – proporcionaram uma consistência musical brutal. Foi espessa, obscura e psicadélica esta jam session que as duas bandas nos proporcionaram.
A despedida do Palco Milhões ficaria a cargo dos norte-americanos Red Fang que meses antes estiveram em Lisboa a abrir o concerto dos Mastodon. Talvez por isso – e não só – eram uma das bandas mais aguardas da noite. E as espectativas não foram defraudadas: stoner rock como se quer e muito headbang. O público era conhecedor do trabalho dos Red Fang: desde "Wires", passando por "Prehistoric Dog" ou mesmo "Hank Is Dead" era bem visível que o público estava a gostar ora não fosse o muito crowdsurf, mosh e headbang. Provavelmente não se pediria mais para terminar em beleza este último dia, com muito rock e um concerto que fez sorrir toda a gente. Os próprios Red Fang estavam notoriamente satisfeitos por estar lá, pois tudo o que queriam era “ouvir música e estar na água”.
Após a demolição sonora que se assistiu no palco principal restava, agora, o Palco Vice para que se queimassem as últimas forças, para os resistentes. E nisso, a trupe dos Discotexas Band fez questão de que ninguém ficasse parado, mesmo que se quisesse não era possível. Liderados pela irreverente Da Chick, electrizaram todo o palco secundário com o seu disco-funk que nada fica a dever ao que se faz lá por fora. E de fora vieram os sul-africanos Shangaan Electro para fritar o resto que havia para fritar ao som dos seus frenéticos ritmos africanos. Aqui o mote era 189 BPM. De danças surreais e tribais em cima do palco, a dança do comboio e danças bizarras no público, tudo aconteceu de sorriso rasgado na cara. Fica o desafio: para o ano há que saber dançar tão bem quanto os quatro dançarinos que acompanhavam Richard ‘Nozinja’ Mthetwa.
Depois de tanta dança, as forças já realmente faltavam e o peso de que o Milhões de Festa 2012 tinha acabado começava a invadir. A imprevisibilidade que o festival proporciona, o não jogar pelo seguro ou com um cartaz maioritariamente feito de apostas à partida ganhas faz com que o Milhões de Festa seja, na minha opinião, o melhor festival nacional – desculpem-nos todos os outros –, seja pelo ambiente, seja pela música seja pelo desafio que é ir e estar lá ou seja por tudo isto misturado. Certo é que o Milhões de Festa conseguiu virar a cidade de pernas para o ar e já não se consegue imaginar verão sem uma ida a Barcelos.
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quarta-feira, 26 junho 2013