Reportagem Milhões de Festa 2013 - Dia 2 e 3
Dia 2 – 27 de Julho
Para este segundo dia previa-se um ambiente morno e sem grandes correrias, apesar de não menos intenso ou diversificado como já vem a ser hábito. Egyptian Hip Hop para os fãs de indie pop, EYEHATEGOD para os mais valentes, experimentalismo com os Za! ou dançar cegamente ao som de batidas africanas trazidas da capital pelo DJ Marfox, ou até mesmo a electrónica feita em Portugal pelos Octa Push, eram algumas das sugestões ao dispor dos que se deslocaram a Barcelos.
A bem ou a mal, depois da primeira noite “a sério”, o que mais se quer fazer é relaxar na piscina e não ser confrontando com música barulhenta. Infelizmente, foi o que aconteceu. Uma má escolha para um ambiente que se pretende calmo provocou algum desconforto e total desinteresse no palco, o que prejudicou em parte a actuação dos Surya Exp Duo. Já na subida dos espanhóis Cuzo ao palco, a situação alterou-se ligeiramente mas mesmo assim sem grande impacto. Já os Besta, mesmo ao criarem música violenta e serem contra todas as normas de ambiente de piscina conquistaram algum público que parecia entusiasmado aos encontrões.
Ao fim da tarde, coube a Jonathan Saldanha e a sua banda, os HHY & The Macumbas, abrir o palco Milhões para, a lamentar, meia dúzia de pessoas, que miravam intrigados o que se passava. Seria voodoo em forma de música? Não. Eram os The Macumbas talvez a produzir um psicadelismo intrigante e a ter debaixo de olho.
Para quem prefere bandas mais pesadas, o palco Vice é amigo e era lá que os Process of Guilt se preparavam para mostrar FÆMIN, que se tornou o centro das atenções durante cinquenta minutos até à entrada dos Loosers no Palco Milhões. E se pelo nome parecem ter um carácter derrotista, ao vivo é o oposto. Os lisboetas são grandes adeptos do improviso e é sempre uma boa qualidade a ter quando se pretende agradar e agarrar um público que os desconhece.
Já os Egyptian Hip Hop, oriundos de Manchester, deixaram muito a desejar. Formaram-se em 2008 mas só quatro anos depois é que lançam o álbum de estreia Good Don’t Sleep. Havia quem estivesse muito ansioso e entusiasmado para os ver, mas a banda não saiu muito da sua zona de conforto, fazendo com que o concerto, interrompido pelo fogo de artifício vindo de zona incógnita, se tornasse monótono e pouco expansivo. Mesmo assim, viu-se uma percentagem aceitável de pessoas satisfeitas com a electrónica minimalista aliada ao indie pop de fórmula gasta.
Za! visitaram-nos pela primeira vez em 2010, naquele mesmo palco escondido do lado direito do recinto. Entretanto voltaram e actuaram em duas salas distintas do país e em 2013 voltaram a conquistar o Palco Vice com toda uma parafernalia e confusão que nos baralha mas que nos preenche. Trompetes, percussão, baterias com sonoridades tropicais como africanas, Za! é toda uma complicação descomplicada que ao vivo se torna impossível de dissecar e por isso, se não os consegues vencer, junta-te a eles.
O Milhões de Festa, quando é para ter bandas de peso, sabe o que faz e a contratação dos EYEYHATEGOD deixou muitos corações metaleiros cheios e com um sorriso esboçado na cara, fazendo com que a peregrinação a Barcelos fosse obrigatória. Vindos do outro lado do Atlântico, Mike Williams com a sua voz grosseira, a poderosa guitarra de Jimmy Bower em aliança com Joe LaCaze na bateria atravessaram grande parte da sua discografia, que apesar de pequena, tendo em conta uma carreira de vinte anos e quatro álbuns editados (o último trabalho de originais foi lançado em 2000 – Confederacy Of Ruined Lives), pareciam ter muita história para contar e compensar a longa espera por um concerto em Portugal. Para uns o concerto do festival, para outros um outro concerto qualquer, os EYEHATEGOD deixaram a sua marca na edição de 2013 de modo genuíno.
Satisfeitos com o sludge sublime dos EYEHATEGOD, agora era a vez dos menos fãs de coisas pesadas terem a oportunidade de se divertirem e para tal contou-se com os Octa Push. São irmãos, vêm de Lisboa e já correram a Europa nos mais diversos eventos com uma electrónica tribal e futurista que promete deixar toda a gente entusiasmada. E se o álbum recém-editado Oito é o suficiente para espalhar o pânico nas pistas de dança, é com a ajuda de Alex Klimovitsky, dos Youthless, que fazem a aclamada "Françoise Hardy" soar mais dançável, tudo isto graças à mutação de duo para banda em formato ao vivo.
“Barcelos, isto é Kuduro de Lisboa” é como (DJ) Marfox se apresenta aos que ainda estavam acordados para uma longa noite de dança onde o que não falta é o clássico. Gradualmente a conquistar as discotecas/salas do país, Marfox junta o melhor de África à música electrónica (quem nunca se deixou envolver em ritmos destes?), garantindo festa durante toda a noite aos resistentes.
Dia 3 – 28 de Julho
E ao terceiro e último dia de festival, o que se previa aconteceu: o dilúvio. Tendas alagadas, a preocupação dos palcos sem cobertura terem a programação cancelada, não haver o último mergulho na piscina, o convívio limitar-se a quatro “paredes” cobertas com um impermeável e deixar de haver aquilo que melhor classifica o Milhões: a festa.
Felizmente o São Pedro foi um porreiro e deixou que Ana Miró, a doce Sequin, um dos membros do colectivo Coronado, levasse o seu concerto avante na piscina. Algo a ter em mente é a envolvência das canções compostas por Sequin, sendo elas dotadas de uma simplicidade abismal, que misturadas com sintetizadores fluentes e dançáveis, a sua voz encaixa que nem uma luva. Com um álbum ainda por sair, são canções como “Flamingo”, outra ainda por baptizar (se tiverem sugestões, contactem a própria Miró) e a incontornável “Beijing”, que a bem ou a mal já demos por nós a cantarolar, que fazem deste projecto fresco e fofo (melhor que o pão) a ter debaixo de olho. As nuvens que tardavam a desaparecer completamente começavam a ser mais convidativas ao último mergulho na piscina de Barcelos. Com isto, os Long Way To Alaska, após o concerto recheado de experimentalismo dos Torto, que ainda conseguiram captar a atenção de alguns (poucos) olhos que estavam na piscina, apresentaram aos que se iam sucessivamente aproximando do palco o novo expólio de canções que nos confortam o coração. Life Aquatic, o novo EP lançado em Abril, remete-nos para o folk a là Grizzly Bear. Não invalidando o esforço, a persistência e a qualidade deste colectivo do norte, os problemas técnicos nunca são amigos de ninguém, levando-os a cortar o seu tempo de actuação. Toca o relógio nas vinte horas e é altura de ir para o recinto pela última vez.
Coube aos The Partisan Seed, projecto do multifacetado Filipe Miranda, abrir o palco Milhões neste que seria o último dia da edição de 2013 do Milhões de Festa, mas era em Dirty Beaches que o peso estava colocado nas costas. Muito se esperava deles e muito deles se recebeu. Supostamente one-man band, Alex Hungtai ao vivo desdobra-se em quatro para apresentar Drifter/Love Is The Devil, o sucessor de Badlands de 2011. O seu trabalho é algo complexo para recriar ao ar livre, e claro, é música minunciosa que para ser apreciada ao pormenor o mais indicado serão as quatro paredes de uma sala preparada para tal. No entanto, Hungtai conseguiu transmitir o que pretendia numa actuação intensa e hipnotizante, que certamente será relembrada pelos que tiveram o privilégio de assistir.
Quatro são o número de actuações que os Riding Pânico podem contar no Milhões de Festa. Tocaram em diversos palcos mas 2013 foi o ano em que conquistaram o Palco Milhões, e certa e novamente, os presentes. A legião de fãs é notável, já conhecem todo o trabalho mas desta vez Homem Elefante era o motivo da visita. Não se precisa de muito para prender um público devoto, basta estarem em palco e repetir a fórmula que os fizeram grandes: o post-rock instrumental que nos enche os ouvidos mas que não incomoda.
E se nós gostamos do Milhões por ser diverso, então não o censuramos por escolher um headliner que talvez não agrade particularmente toda a gente. Orange Goblin, inicialmente conhecidos como Our Haunted Kingdom, formaram-se em 1995 e desde então percorrem o mundo fazendo o que mais lhes dá prazer: stoner/doom/heavy metal ou o que lhe quiserem chamar. Com dezoito anos de carreira já viram de tudo, mas chegaram ao Milhões de Festa sem qualquer tipo de expectativa: seria mais um concerto? Não. Bastaram as primeiras músicas para o público se envolver (demais) com a banda, desde o crowdsurf imparável ao já característico moshpit sem piedade para provar que os portugueses não são para brincadeiras. Notava-se que, depois de uma tour atribulada, Barcelos foi a melhor data para terminar o ciclo, onde não faltaram elogios e louvores à dedicação dos portugueses, onde Ben Ward, o vocalista, não se poupou a fazer o público corar, afirmando sem qualquer problema que este concerto foi, sem dúvida, o que teve melhor público: dedicado, intenso e sedento por mais.
E se de um lado terminava a festa mais pesada, no Palco Vice começava o ínicio do fim. Zombie Zombie tiveram nas mãos uma tarefa complicada: superar a experiência vivida poucos instantes antes no palco principal com os Orange Goblin. Mesmo assim, não conseguindo atrair muita gente, que aproveitou o momento para descansar e preparar-se para o que ainda estava por vir, o synth-pop hipnotizante, aliado a claras influências do kraut rock foi suficiente para entreter os que optaram por dar continuidade à festa, dando um pézinho de dança enquanto esperavam pela experiência preparada por Óscar Silva. Se Jibóia ao vivo já é experiência o suficiente, o que se viveu no palco Milhões foi algo surreal. Aquando do anuncio do concerto, o facto de ser Jibóia Experience e não simplesmente Jibóia levou muita gente a interrogações, que só por volta da 1h40 da manhã do último dia de festival é que foram respondidas. Mais que as presenças habituais, onde Óscar comanda e a voz de Ana Miró (Sequin, HEATS) encanta, entraram ainda em palco Luís Lucena (SAUR, Lydia’s Sleep) encarregue do baixo, Cláudio Fernandes (Cangarra) com Gonçalo Duarte (Equations) como chefes, donos e senhores das guitarras, Zé Pedro (Equations) na percussão, Ricardo Martins (Adorno, Papaya, Lobster, Cangarra) na bateria e por fim Pedro Sousa (Canzana) a liderar a não menos importante secção de sopro e Fábio Costa (DJ Quesadilla) em toques de voz, para interpretar em formato banda (e que banda!) canções provenientes do EP de estreia de Jibóia. Num panorama muito Bollywood hare krishna, o rave rock das arábias protagonizado e levado aos sítios mais reconditos do nosso país por Óscar Silva parou por Barcelos para uma actuação exemplar e impossível de ignorar, que certamente ficará na história do festival, provando que não é preciso muito para se fazer em grande. Basta contar com aqueles que nos são mais próximos e uma dose considerada de dedicação e genuinidade para impressionar e apresentar aos mais cépticos ou aos que desconhecem aquilo que se faz melhor, hoje em dia, no panorama musical português.
Mykki Blanco já é habitué em território nacional. Passou pela Galeria Zé dos Bois e pelo Lux e desta vez ficou encarregue de dar continuidade à noite final do festival. Esperava-se muito e obteve-se muito pouco. Ainda antes da sua entrada, trouxe consigo dois performers, Psycho Egyptian, mais um rapper que nada tem a acrescentar ao género, e Boychild, um perfomer transgénero ligado à arte butoh, que ao som de "Say My Name" das Destiny’s Child (remixado por Cyhril Hahn) ainda chegou a impressionar alguns dos presentes até chegar Mykki Blanco. Perfomer, cross dresser, rapper, Blanco sabe dominar o seu público mas não sabe ficar atrás da linha imaginária que estabele o limite do aceitável. Desafina, manda dicas que estão já muito gastas e pouco ou nada canta, escondendo-se atrás do DJ que cobre as suas falhas com remisturas. Num dia tão triste como o fim, espera-se o melhor e Mykki Blanco não foi, de certeza, a melhor aposta.
El G teve a feliz infelicidade de encerrar a edição de 2013 do Milhões de Festa, que novamente foi satisfatória, apesar de ainda haver falhas a corrigir. Mas ninguém é perfeito e é para isso que existe a próxima edição de 2014, que se prevê solarenga e próspera. Até para o ano? Sim.
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Organização:Lovers & Lollypops
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segunda-feira, 05 agosto 2013