Reportagem Milhões de Festa 2013
2010 foi ano do nascimento de um dos (muitos) festivais nacionais que causou mais burburinho nas redes sociais e Barcelos é o seu berço. Milhões é como os amigos lhe chamam mas que proporciona, sem dúvida, muita festa e deve a isso um cartaz sempre muito fiel a si próprio, capaz de agradar aqueles que gostam de viver a música, de ir a extremos ou mesmo aos que vão só pelo ambiente, sem deixar de parte a mancha negra que fortemente e respeitavelmente preenche sempre as filas da frente dos concertos de tudo o que seja assim mais para o pesado. O Milhões de Festa é, afinal de contas, um festival incontornável neste nosso cantinho do mundo, embora a quarta edição tenha demonstrado uma adesão aparentemente menor.
Dia 0 – 25 de Julho
A recepção é feita, como já é habitual, no palco Taina, com uma vista previlegiada sobre as margens do Rio Cávado e Barcelinhos, onde nomes como Holocausto Canibal, com as suas irreverentes canções e letras imperceptíveis fizeram as delícias, ou talvez não, dos muitos presentes; e Claiana com canções típicas de bailarico “caribe mix 2001” que nos fazem dançar sem um pouco de noção e nos levam a risadas intermináveis. Há quem opte por crowdsurf, não se percebendo essa necessidade, mas no calor do momento a única justificação viável é o “porque sim”. Antes de qualquer destes eventos, Cangarra e Canzana estiveram frente a frente por volta das 20h, abrindo lugar para os Killing Frost, um dos regresso mais bem recebidos do panorama hardcore nacional.
Dia 1 – 26 de Julho
Quem tinha saudades da piscina mais famosa do país, juntamente com o já icónico cogumelo e o palhaço mais triste do Norte? Nós e muitos outros que por volta das 14h30 já se encontram à volta do palco da piscina. Mas o Milhões não é Milhões sem os já inconvenientes atrasos. Nada que impedisse os JUBA de abrirem o festival. Entretanto, o palco Taina, literalmente do outro lado de Barcelos, recebia os Quelle Dead Gazelle, que este ano estão em peso em todos os palcos por Portugal fora, apresentando o EP homónimo e muita “Afrobrita” – a canção que mais se destaca do registo. Trocado por miúdos, este duo bateria-guitarra é talentoso e deposita todo o seu esforço no que faz, e como é hábito e popular dizer, quem corre por gosto não cansa.
Tarde passada entre palcos, era na piscina que aconteciam algumas das melhores surpresas: por um lado, a junção de Yonatan Gat (dos Monotonix que na primeira edição incendiaram o festival) com Igor Domingues (Throes, Throes + The Shine, ex-Botswana) que se revelou como uma das melhores sessões de improviso que Barcelos viria a presenciar ao longo dos três dias; por outro, o regresso dos filhos pródigos Adorno que, pós-actuação, se partiram em Papaya.
Enquanto isto, o Taina continuaria a ser palco de concertos pesados, entre Waste e Mr. Miyagi, parelha de Viana do Castelo que soube servir aqueles que deixavam a piscina para os dias seguintes.
Eram, no entanto, os concertos nos palco Milhões e Vice que os devotos milhonários ansiavam, que no dia 26, contava com nomes frescos, fortes e fofos do maravilhoso mundo da música.
É com o psicadelismo dos krautrockers dinamarqueses Papir que o recinto abre portas e é inaugurado o Palco Milhões, mas é Mikal Cronin que recebe a primeira enchente. Cronin é membro da banda de Ty Segall, mas um dia decidiu fazer um álbum a solo com ajuda do próprio Ty, que lhe produziu o disco de estreia. MCII, o sucessor, recebeu louvores pela crítica conceituada mas nada acrescenta de novo ao género, até porque se fecharmos os olhos, soa-nos a Kurt Cobain, o já falecido líder dos Nirvana, a cantar canções de amores falhados na adolescência. Não admira, até porque o próprio afirma que In Utero foi o seu primeiro álbum preferido. Independentemente disso, são canções como “Change” e “Weight” que fazem o álbum ser equilibrado, melódico e competente.
Um bocadinho de The Beatles aqui, um outro bocadinho de psicadelismo acolá, inspirações dos anos 60/70 aqui e ali e uma hora depois, logo a seguir a Mikal Cronin, chega-nos de Amesterdão Jacco Gardner e o seu Cabinet of Curiosities. Multi-instrumentalista em casa, ao vivo Gardner desdobra-se em quatro para mostrar o talento que tem para embalar o Milhões de Festa num momento de serenidade absolutamente reconfortante, antes da entrada dos já tão queridos stoners Black Bombaim, que desta vez se juntam aos conterraneos La La La Ressonance no Palco Vice.
Directamente de Toronto, apesar do último concerto ter sido em Madrid, os Austra encabeçavam, juntamente com Mikal Cronin e os Ufomammut, o primeiro dia “a sério” do Milhões de Festa. Um concerto que tinha todo o potencial para ser algo memorável saiu fortemente prejudicado pelo som do palco, juntando-lhe o gradual desinteresse do público, onde nem as danças e a voz encantadora de Katie Stelmanis conseguiram cativar. Olympia, o sucessor do brilhante Feel It Break livrou-se da maldição do segundo álbum e são canções como “What We Done?” logo a abrir o concerto e “Hurt Me Now”, que o terminou, que melhor exploram as capacidades vocais e melódicas de Stelmanis, mas também o trabalho exemplar das baterias e percussão de Maya Popstepki. “Beat and The Pulse”, a canção mais orelhuda e o single com mais sucesso dos canadianos ainda cativou por breves instantes o público, onde se destaca a substituição dos sintetizadores pelo baixo agressivo de Dorian Wolf, mas que não equivale à solidez da canção no disco.
Sem as gémeas Lightman em palco, encarregues dos backvocals, os Austra ao vivo perdem a magia e o imaginário que conquistam nos dois álbuns que já editaram se o som não estiver em condições. Pede-se encarecidamente uma segunda oportunidade, mas desta vez numa ilustre sala do nosso país, tanto a norte como no centro.
E logo após os alemães Camera terem actuado, era a vez dos imponentes barbudos Ufommamut tomarem conta do palco principal com o seu sludge rock com ligeirezas de psicadelismo. Relembrando a sua última passagem por terras lusas, a banda italiana pisou os palcos do Hard Club, integrando o cartaz do Amplifest 2012 para apresentar Oro, o último álbum, integralmente. O Milhões de Festa não teve a possibilidade de escutar os vinte minutos finais de Oro, pois foram cortados devido às limitações de horário mas no entanto foi possível regressar a Snailking (para compensar), e foi com “Braindome” que os italianos encerraram o primeiro dia do Palco Milhões. Seguia-se, no outro palco, algo fora do comum para quem é novato nestas andanças.
Otto Von Schirach é aquela pessoa que existe mas que é tão surreal que parece mentira. O avô era líder da juventude hitleriana, é de origem alemã/cubana e a sua música sofreu mutações desiguais ao longo do tempo, fazendo com que se torne um produtor prolífero, tendo chamando a atenção de Mike Patton. Inicialmente no campo do IDM (intelligent dance music), passou para breakcore e agora dedica-se ao que se pode considerar “dançável”. Já não bastava a mixórdia de nacionalidades e géneros, canções como “Goat Sperm”, “Sub Atomic Disco Divas”, “Tea Bagging The Dead” até ao socialmente aceite “When The Dinosaurs Rule The World”, retirado do último álbum Supermeng, levaram os presentes a um estado de extâse, descontrolo e cegueira que só no final do concerto, onde Schirach simplesmente se despede com uma mala às costas, é que acordam e se apercebem que estão intactos e a respirar.
O fim noite no recinto ficou nas mãos de White Haus, frontman dos X-Wife/DJ Kitten, no seu mais recente projecto, onde explora sonoridades amigas das pistas de dança, adaptando-as à realidade contemporânea com o seu House bate-pé (ou Fuß tippen Haus, para parecer melhor).
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Organização:Lovers & Lollypops
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sexta-feira, 02 agosto 2013