Reportagem Milhões de Festa
O Festival Milhões de Festa - Fotos do Público
Milhões de Festa: o único festival sem publicidade enganosa. Começamos pelo fim, a admitir que o festão mínimo foi absolutamente garantido. Chegou o dia do festival mais querido (do verbo querer) deste Verão. À espera de aproximadamente 3000 pessoas que trocaram a praia por um fim de semana debaixo do sol abrasador de Barcelos, estavam 3 dias de música impossível de classificar numa só palavra, e um dinossauro que segurava o já tão conhecido logótipo.
Não foi a primeira edição, o triângulo não era aleatório e todos os que se dirigiram à zona ribeirinha de Barcelos sabiam o seu significado e tinham-no na ponta da língua se fosse preciso. Depois de duas edições que passaram meio despercebidas – uma no Porto e uma em Braga – 3 palcos prontos a receber a melhor música de que todos e ninguém ouviu falar.
À chegada, o parque da cidade parecia ser demasiado pequeno para albergar todas as pessoas que se esperavam. Tal não aconteceu, o espaço de campismo, com condições que nenhum outro festival oferece, foi mais do que suficiente para os festivaleiros cientes de que o Milhões de Festa era o sítio para se estar. A ser preciso um grito para incomodar os vizinhos, alguns clássicos do youtube surgiram como hipótese, mas pela hora que voltávamos à tenda, já se estava demasiado feliz e cansado para que se tentasse alguma brincadeira típica de festivais de verão.
Talvez por termos dedicado tanto tempo a falar e a pensar no MdF sem estar dentro do recinto, era indescritível e inacreditável que tínhamos finalmente chegado à cidade do galo.
Comecemos então a reviver – se é que é possível fazê-lo por palavras – os 3 dias mais incríveis da história dos festivais alternativos deste país.
23 de Julho de 2010 - Fotos
As honras de abertura eram feitas na piscina. Não foi preciso uma tesoura gigante para cortar a fita, bastou um estrado de madeira para que se tivesse acesso ao primeiro palco. Se de início o espaço estava vazio – por ser dia de chegada e montagem de casa – gradualmente foi-se assistindo à explosão de pessoas que usavam a piscina, nunca a tornando insuportavelmente cheia.
Ambientação mais que feita, dá-se início ao propósito do festival: a música. Tren Go! Soundsystem, projecto de Pedro Pestana, assegurava um cheiro a blues aos poucos que a esta altura usavam a piscina. Servindo-se de loops, ficou feita uma boa abertura da zona mais fresca do Milhões com instrumentais de temas a condizer.
O tempo destinado aos concertos na piscina pareceu pequeno demais à entrada dos BEARS. Algo entre post-rock e doom, feito de guitarras e bateria manuseados por 3 ursos que viriam a perder o seu focinho rapidamente, levados pelo calor. O conceito não se perdeu, pelo contrário. “Malato”, a única música pedida e até então conhecida começou com problemas nos loops, mas seguiu com guitarradas graves e bem controladas que se propagavam pela água.
Já sabemos com o que contar quando lemos Rudolfo. A Nintendo DS não falhou, apesar do perigo vertiginoso da actuação entre cabos eléctricos pelo enxarcado-à-primeira-música Diogo, de nome artístico Rudolfo da Silva. Saído da piscina, seguiu-se “Jogos de Tiro” e uma aula de aeróbica pela bóia Cornélia, culminada pela marcha imperial e por uma tentativa de mosh à beira da piscina. E se o projecto cujas inspirações são mais ou menos desconhecidas se baseia em hate beat, era impossível não amar o “Hino do Milhões”, apresentado ao mundo poucas semanas antes do festival mas que rapidamente ficou na cabeça de quase todos os que saiam da piscina para assistir a tamanha insanidade. “Xô Satanás” contou com muita dança que aqueceu demasiado o público que dispersou da actuação seguinte. Rudolfo terminou o seu set dentro da piscina, como tinha começado e quase sem calções. Prato do dia.
Seguiram-se os Claiana na hora perigosa do Sol. O projecto de Gui e Luís Figueiredo que fez sucesso durante o 20 20 20, desta vez não teve a mesma recepção. “Business” e “Cherri”, foram tocadas para uma multidão maioritariamente dentro de água e que, pensava-se, se despedia da piscina pelo dia.
Move the Crowd, constituído por Dj Spot, Kidflames e Spark terminava o dia na piscina quando dentro do recinto se ouviam os primeiros acordes do palco secundário, se assim se pode chamar.
Os Evols começavam a tocar no Palco Vice, dentro do recinto propriamente dito. Situados entre o rio Cávado e uma parede quase medieval que teria história para contar dali a dois dias, tocavam para um público reduto e pouco participativo que parecia fugir do sol, sentado por todas as sombras quantas havia em frente ao palco. Três guitarras que pareciam desnecessárias ao alternativismo da banda que entretanto foi substituída pelo palco em frente.
Os Plus Utra, com Kinörn dos Ornatos Violeta na bateria, não podiam ter feito melhor trabalho na abertura do Palco Milhões. Por entre gemidos de uma voz a fazer lembrar a de John Garcia (dos Slo Burn e dos Kyuss) saiu um rock bêbado e pesado, com saltos e deambulações pelo Palco de costas voltadas ao rio. Estava amassado o chão.De volta ao Vice, ainda assistíamos ao soundcheck dos Larkin de Viana do Castelo, largamente comparada aos míticos Refused. As semelhanças são evidentes, particularmente nas linhas de bateria de algumas das músicas que apresentaram ao público do MdF, de um álbum a ser masterizado ainda este ano na terra do próprio Dennis Lyxzén. O estilo não é inconfundível, mas soa bem demais para não ser contagioso. Apesar de terem dedicado o set à apresentação músicas novas, não faltaram “Creative Context” e “Retrospect” do primeiro e único Every Living Day Begs the Question. Apesar das ameaças de término da banda, o novo álbum vindo da Suécia no final do ano contará ainda com uma série de concertos de promoção. A moleza do Sol não fazia com que o público fosse tão emotivo como eles, que saltavam pelo palco, imparáveis. De aclamar a t-shirt de Gallows e uma actuação curta mas que falou por si quanto ao poder dos Larkin em palco.
A esta altura, já estávamos treinados para o vai-e-volta entre palcos, era quase crime perder qualquer banda que fosse.
No Milhões, começavam a actuar os The Glockenwise, banda local e claramente satisfeitos com a dinamização da sua cidade (estávamos todos, mesmo quem não era de Barcelos). Nuno apresentou-se inicialmente à guitarra, pelo que os saltos e aparatos foram mais controlados... até deixarem de ser. Problemas técnicos aparte, os barcelenses tocaram um rockzinho viciante com uma energia que intimidava o pequeno público que só se soltava depois do sol posto.
Introduzidos por Gon dos Plus Utra, os Sizo entram no Vice para uns bons 40 minutos de dança. João, com o joelho ligado, não parou por um bocadinho. Se era para ser Sizo, era Sizo e nada mais. Para começar, o estalo de som foi dado por “Obsession/Reaction!” e “By No Means”. É difícil dizer que as setlists dos Sizo são alguma vez mal escolhidas, “Nice to Miss You” e “Got to Love People Who Set Themselves Up for Disaster” não deixam espaço para isso. “Big Three” podia quase ser dedicado ao festival, mas foram “Mongoloid” e “Strychnine” as escolhidas para dedicatórias: a primeira a quem estava parado, e a segunda ao Fua, cabecilha da máfia a quem devemos o Milhões de Festa.
A maior enchente foi trazida pelos Men Eater. Víamos os putos metaleiros de Barcelos a chegarem-se à frente quando “First Season” começava. Com uns míseros 4 anos de existência, dois grandes álbuns lançados e um EP auto-intitulado, os Men Eater vão já para uma nova formação que conta com Paulo Segadães (ex-The Vicious Five) na guitarra. Não se podem fazer grandes comparações com os membros anteriores, mas durante “Heartbeating Locomotiva”, “Black” ou “Drunk Flies Drugged Souls” era quase impossível notar a diferença. A voz de Miguel Correia, aka Mike Ghost, esteve sempre à altura, mas contavam-se ainda algumas surpresas na voz. Quem já tinha visto André Henriques dos Linda Martini pelo recinto, podia ter esperanças de uma participação nalguma das várias bandas do Black Sheep que actuavam no MdF. Foi durante Lisboa que entrou em palco e fez maravilhas a uma música a que não se dá crédito suficiente. “Drivedead”, por sua vez, foi quem deu mais ideias de mosh e fez um aquecimento para a entrada de “Valient Himself” dos Valient Thorr para duas músicas finais de deixar o coração a ferver. “Man Hates Space” e “Last Season” com duas vozes incansáveis e barba rija fecharam umas das melhores actuações dos Men Eater.
Os Black Bombaim, mais uns nativos que ostentam, talvez, o título de melhor rock a ouvir-se por esse país actualmente e um vinyl com direito a reconhecimento e capa internacional (desenhada por Nat Damm que trabalhou com os Monotonix), tocaram para o maior aglomerado que o palco Vice viu até à hora. Guitarradas ácidas e irresistíveis, deixaram Saturdays and Space Travels perfeitamente apresentado, se é que alguém ainda não o conhecia.
Depois do concerto em Lisboa (com primeira parte de Miss Lava), os Valient Thorr sobem ao Minho com as suas barbas rijas, “you know what i’m talking about?”. O início com “I Hope the Ghosts of the Dead Haunt Yr Soul Forever” prometia uma festa à moda antiga, mesmo para quem nunca os tinha visto. O espírito do rock ‘n’ roll, a precisar de um hino, teve-o durante “Infinite Lives”, dedicada aos Men Eater que sempre fizeram a primeira parte dos concertos dos estado unidenses por terras lusas. “Night Terrors” e “Tomorrow Police” foram o culminar da loucura que se vivia no meio do público. Crowdsurf era a palavra de ordem, enquanto Valient exibia guitarras imaginárias na perna de Eidan Thorr. Com o grande Immortalizer e o não mais pequeno Total Universe Man, feitos de guitarradas agudas, baterias rápidas e temas profundos, se fez aquele que foi o melhor concerto do dia. “Masks of Sanity” e “Though Customer” terminaram uma actuação energética dos senhores de Vénus que seguem em tour para Itália.
Depois de tamanho poder, era difícil arranjar melhor. Poucas pessoas decidiram abandonar o espaço do Palco Milhões para assistir ao showcase dos Faca Monstro, Guna X e Espião tentavam com dificuldade igualar o espectáculo a que acabávamos de assistir. Letras com pouco a dizer, sons pouco consistentes, mas alguma dança por simpatia guiavam os curiosos de volta ao palco principal para os cabeça de cartaz.
Electric Wizard foi seguramente um dos nomes que levou mais pessoas aos primeiro dia do melhor festival do pais. “Witchcult Today” deu início ao regresso ao doom no palco Milhões. “Satanic Rites of Drugula” podia quase ser a banda sonora do ataque do dinossauro que nos virava as costas ao cimo da colina. A Lua cheia ao cimo do rio serviu de cenário perfeito à actuação dos ingleses encabeçados por Jus Oborn, donos de compridos cabelos e coletes de ganga de impor respeito. “The Chosen Few” quase terminou o concerto, baixo e curto demais, por entre uma longa cigarrada de Jus, quase a marcar um encore em que ninguém abandonou o palco, antes de “Funeralopolis”. Da parte do público, largos aplausos e cabeçadas no ar não podiam faltar. Um grande fim de dia para o Palco Milhões, que ficava agora à espera do – pensava-se – maior nome do festival no dia seguinte.
O que se passou a seguir, não é para todos. Tony Welter, dos Eustachian, ficava agora a cargo do início do resto da noite. Era impensável, para qualquer outro sítio, o volume a que Tony exibia as suas remisturas àquelas horas. Não tivemos conhecimento de queixas dos vizinhos, mas certamente que até em Barcelinhos as houve. Até agora, ainda não percebemos bem o que passou durante aquele set, mas sabemos que foi duma energia nunca antes vista, e duma rapidez estonteante.
Depois disto, o testemunho foi passado aos Captain Ahab. A noite queria-se de dança, e a estrear o pavimento muitos pés se mexeram durante a actuação de Jonathan Snipes e Jim Merson que rapidamente se despiu e passou o resto do set com as clássicas cuecas azuis numa dança frenética e bem ensaiada. “Girls gone Wild” foi apropriada ao frenezim.
O resto da noite ficou a cabo de Sickboy e Megabass, para quem aguentou até de manhã. O primeiro dia teve um balanço mais que positivo, os níveis de épico corresponderam às espectativas e amanhã é outro dia.
Acordar cedíssimo nunca soube tão bem. O calor insuportável dentro das tendas, apesar de o campismo ser 98% sombra, trazia campistas a dormirem na rua a partir das 8 da manhã, hora em que muitos voltavam do recinto.
Era preciso recuperar forças do dia anterior, por isso as tendas abertas e o chão de terra tinham de servir.
Às 14 horas, hora em que abria a piscina, já se fazia fila para as espreguiçadeiras. Uma espécie de fila da frente alternativa (ainda que nunca ficassem de frente para o palco). Os concertos só começavam daí a uma hora, e hoje nadava-se menos à vontade que no dia anterior. O calor que se sentiu durante todo o dia convidava a que nem se saísse da água. Um dos poucos desrespeitos ao alinhamento previsto, foi a troca entre os ex-roomates de sala de ensaio Lululemon e os Throes, que passaram assim a ser os primeiros a actuar no segundo dia.
Os Throes, nortenhos de gema com um Dirty Glitter acabado de sair pela Lovers & Lollypops, tocaram debaixo de um sol abrasador, entre duas piscinas convidativas. A bateria do Igor precisou de um prato e de uma tarola de substituição a meio, tamanha força saía dali. O set quase instrumental (já que Ad Lib conta com gritos de guerra) de guitarra e bateria, curto, rápido e brutal contou com todas as músicas do EP e mais algumas só para quem pode – ou vá ao myspace- como “Killing Tomatoes” e “Orange”. Final com o Marco a largar a guitarra e a roubar o timbalão para +oo fez um óptimo início de dia. Dois dos Botswana, acabaram agora de actuar. Faltam os outros dois.
Problemas de amplificação resolvidos, era a vez dos Lululemon, mais um power duo do Porto com um tapete de pedais e uma bateria pujante. O calor não impediu que Pedro usasse um gorro com orelhas de gato, a dar um tom meio contrário ao que saia da guitarra. Em vez de fofísse, iniciava-se um set pequeno com os arranhões de “Yes Sir, I can Boogie” do EP Thee ‘Ol Reliables. Além da bateria, Tiago Sales passava a mão pelo teclado durante “Mojo Jojo”. Fez sentido.
Às quarto da tarde eram o lusco-fusco. Se no primeiro dia tinhamos hate beat com Nintendo, hoje tínhamos os Feia Medroño, já experientes no que é Milhões de Festa depois da participação na edição de 2007. Mais um projecto senseless, de máscaras postas e performances de pessoas vestidas de verde da cabeça aos pés. Uma participação especial de Rudolfo era quase certa. Arrastados pelo chão, os dois detentores do microfone gritavam letras aparentemente aleatórias e faziam espectáculo numa roda de pessoas que saiam da piscina para ver de perto.
Seguiu-se Marçal dos Campos, um tipo calmo e pacatamente recostado na sua cadeira, com um Mac e um sintetizador de onde saiam interpretações de Dulce Pontes e Alanis Morissette, e um cartaz que dizia “Há caracóis”. Uma espécie de limbo entre duas actuações fora do normal.
Fabulosa Marquise e Os Yeah! juntaram-se assim, num quase final de tarde para encerrar o dia de piscina. De cima da mesa, um exemplar de “A vida de Jorge Jesus, o homem que fez renascer o Benfica” e de “A idade da razão” de Sartre. Dançava-se em cima do palco, dançava-se fora de água, e dentro dela, a primeira aula de hidroginástica em jeito de batalha das duas pontas da piscina. Ouviu-se um bocadinho de Caribou à entrada, e à saída, de El Guincho.
A dar os bons dias ao recinto, ouvíamos os Aspen, ladeados por torneios de futebol de praia do outro lado do rio. Certamente que não era a melhor banda sonora para quem jogava, mas para nós era. Apesar de muitos terem ficado ainda na piscina, contava-se já um bom número de espectadores, mais que no dia anterior. Os Aspen são também parte integrante da “cena” de Barcelos, partilham baterista com os The Glockenwise e são uma mistura cósmica de post-rock e psicadélico com uma guitarra bonita. É difícil explicar o que se sente, a vontade de trocar de palco era pouca.
O Palco Milhões abriu hoje com os Long Way to Alaska. Foram seleccionados para serem talento FNAC deste ano, e bem merecido. Entre trocas de intrumentos, o vocalista/baterista/harmocista/guitarrista soube animar um público pequenino, um pouco a soar a Vampire Weekend, por vezes. Caía polen das grandes árvores que faziam sombra sobre o palco, e havia bolas de sabão pelo ar. Um pano de fundo bonito, a acompanhar “Sicillian Relationship”, “Bad Bears” ou “Grow”. No mínimo, foi fofinho.
Cavalheiro, Tiago Ferreira, decidiu não trocar de nome à medida que adiciona membros à banda. Desta vez apresentou-se com João Pedro Gonçalves e Filipe Ferreira para duas mãos cheias de letras profundas, de temas nacionais e que nos devem ser familiares. Por entre “Bom Jesus”, “Ode ao que há-de vir” e “Fão”, houve tempo para “Cold Blooded Old Times" de Bill Callahan antes de voltarmos aos Milhões.
Não foram Milhões de Festa, mas os Appaloosa, amadrinhados por Cat Power, deram um espectáculo apropriado para o final de tarde. Anne-Laure Keib e Max Krefeld que não parava de dançar, encheram o recinto de um eco de sintetizadores e uma voz querida, que gradualmente nos levantava do chão e nos fazia dançar.
Hype Williams foi um jantar a dois. Um em cada ponta da mesa, a mandarem uns cheiros a trip hop disperso, que não caiu bem a muita gente. Já era mais a impaciência que outra coisa, não pensámos duas vezes antes de trocar de palco.
PAUS precisa de ser registado no dicionário. Já não há maneira de explicar o que acontece em cima de um palco com um bombo partilhado por dois bateristas – um mais conhecido por isso que o outro –, por um teclado maluco e um baixo maior que a tua mãe. PAUS foi aquilo que se viu, e quem nunca viu, só pode imaginar ou tentar ver o próximo. O EP É uma Água esteve lá, com algumas (?) alterações nas teclas durante “Pelo Pulso”. Durante a super-aclamada “Mudo e Surdo”, como se uma bateria siamesa não fosse já um murro no estômago que chegasse, Mike dos Men Eater vem para os timbalões ordeiramente dispostos na frente do palco, para o caos final com “Mete as Mãos à Boca” onde tudo deixou de fazer sentido. Paulo Segadães juntou-se ao Mike, o Makoto foi ao crowdsurf em pé com a destreza que mais ninguém deste país vai, para depois se sentar no lugar do Hélio na bateria. Ninguém se lembrou de apontar a descoordenação no início das vozes. Também não importava.
Siga a dança. Os ALTO! do ex-Green Machine e actual Botswana João Pimenta (ou Joca) começaram com a espécie de surf rock acowboyado “Gin Tonic / We are the No Ones conquering China”, incluida na cassette Computer Says No. Depois de largos agradecimentos personalizados por parte de Tiago Silva no baixo seguiu-se a já antiga “20 Something Slackers Don’t Start Revolutions”. “Syphillis” e “Pussy” (que pudicos que somos) também lá estiveram a dançar, com Ricardo Miranda (também dos Black Bombaim) no teclado e Joca a descer até aos comuns mortais. Desta vez houve pouco esfregar de chão, a descida embriagada foi suficiente para uma festa a que só o norte sabe corresponder. “I’ll take the train and if necessary the plane” arrastou o carismático vocalista para um crowdsurf meio forçado pelo público de Barcelos que o puxou pelas grades. A seguir, “a melhor banda do mundo… para mim”, disse ele.
O nome que pensávamos trazer mais pessoas até Barcelos, eram os The Fall. No entanto, a criação de mosh altamente desnecessário fez com que a actuação dos míticos ingleses viesse a terminar de forma brusca. 28 álbuns que ficaram por mostrar, sendo que decidiram focar-se no último Your Future Our Clutter, 5 microfones com que Mark não se satisfez, e poesia que soube a pouco. A voz de Smith ouvia-se pouco, mas sabíamos que dizia coisas acertadas. Acabou por abandonar o palco antes do final, deixando que a banda acabasse o que ele começou. Mas é o Mark E. Smith, pode fazer o que ele bem entender.
Ainda os The Fall acabavam a sua cena, e André Granada já rodava uns discos do outro lado, que faziam mexer por simpatia.
Foi com El Guincho que “Milhões de Festa” ganhou todo o sentido literal. Maracas e foguetes no meio do público davam as boas vindas ao irmão Pablo Díaz-Reixa. Os sons de Kalise davam quase vontade que o concerto tivesse sido na piscina, debaixo das palmeiras e com um mojito na mão. O recinto uniu-se num comboio que passeava em frente ao palco. Era Alegranza. Apesar de o concerto no Plano B ter sido mais intimista, a festa fez-se ao longo de todo o concerto que contou com quase todas as músicas do último álbum, e que encerrou, claro, com “Antillas” em beleza e com direito a invasão pelos membros das bandas que assistiam ao concerto em cima do palco. Podíamos ter ficado a noite toda só a dançar essa música – até a prolongaram para nosso proveito -, mas o Palco Vice ainda tinha muito para dar. Mais uma vez, até de manhã. Pablito despediu-se até ao dia seguinte, em que o resto da sua banda iria actuar como Extraperlo.
Gold Panda mete-se com HEALTH e Simian Mobile Disco. No Milhões veio apresentar You, perante a difícil tarefa de igualar El Guincho. Ritmos mais calmos e orientais, fazia-nos viajar até outro sítio, sob um céu limpo e estrelado, foi quase mágico.
Na vez dos cancelados Hounds of Hate, poucos notaram que eram Inga e Rian dos Hype Williams que nos davam música. E nessa inocência se dançou.
Não era fácil ficar-se totalmente pronto para Crisis, salve-se quem puder. O projecto do membro Botswana que faltava e ex-We Are the Damned que tanta falta lhes faz, Sofia Magalhães (The Nihilist), junta-se a Jack Diamond e Cobrawolf para um delírio que contou com duas quedas aparatosas, nem sempre da mesma pessoa, felizmente. “Crystalized” dos The XX segurava a energia que vinha a seguir durante “Moonchild”. As comparações a Alice Glass de Crystal Castles só fazem sentido se falarmos em termos de altura, ou se ouvirmos momentaneamente a voz de Sofia. De resto, a quererem compará-la a alguma female front, vejam iwrestledabearonce, talvez. Uma guitarra que quase voava, segura pelas cordas por Jack Diamond e efeitos visuais a cargo de Cobrawolf filmavam The Nihilist a correr de lado a lado no palco e mostravam-na espelhada. No final, Igor Ribeiro subiu ao palco para ajudar ao fim explosivo. “Haters to the left”, foi um concerto incrível, com milhões de amor.
Para final da noite, Concorrência deu o primeiro passo na dança.
Xinobi (Bruno, dos The Vicious Five) e Bandido$ juntaram-se em cima do Vice. Quem já tinha saudades dos PAUS, relembrou com as remisturas. Escadotes à mistura, foi até não dar mais. O cansaço já se acumulava, e o último dia aproximava-se. Ainda não era triste, até ser.
Último dia de festival. Mais uma vez, as corridas à piscina a fugir do calor insuportável. Já não era difícil agradar aos banhistas, era a vez de DREAMS. Projecto original de João Chaves, também parte dos Novos Talentos, contou com a ajuda de Ricardo Barbosa (Gravidade Zero) na guitarra e Igor Domingues (Throes, Botswana) na bateria que parecia lenta demais, depois do concerto de ontem. Na manga tinham covers de Joy Division e Wavves, e uns quantos originais nos quais a guitarra parecia desnecessária. “Swimming in Pink Waters” e “4 Steps” fizeram o inicio do fim.
De seguida, palco demasiado pequeno para a bateria e o baixo dos The Sound of Typewriters e para guitarra de Lobster e Tigrala. O poder dos Sunflare propagou-se pela água. O projecto que reúne 3 músicos que deviam ser conhecidos por – pelo menos – todos os lisboetas e que marcam terreno no Lavadouro de Carnide foi sem dúvida um dos melhores a passar pela piscina. Guilherme Canhão já não é novidade na mestria da guitarra eléctrica, e os Typewriters Raphael Soares e Rui Nogueiro têm ainda muito para dar. A ajuda de Nuno Rodrigues (dos The Glockenwise) nas músicas ajaponesadas deu um toque especial ao set.
Depois de um espectáculo no 20 20 20, os Tigre Deficiente não trouxeram o colchão insuflável. Deviam. Em vez disso, puderam contar com um abraço conjunto que limpava a piscina, e terminava numa bola de pessoas. Em vez dos gelados, trouxeram Flocos de Neves (antes fossem verdadeiros). Como tínhamos dito, quatro da tarde é a hora da insanidade. Aqui estavam eles, a ler profecias sobre psicadelismos. Quase que esperávamos que Rudolfo participasse de novo, mas só tivemos direito a acrobacias em frente ao palco.
Os The Shine deram a segunda aula de hidroginástica do festival, enquanto se ouvia uma kizombada. Óculos escuros a reflectir o sol épico do terceiro dia, os dois (ou três) meninos com grande jogo de ancas deram baile à piscina.
Os últimos mergulhos foram feitos ao som dos Andamento. A despedida não foi prolongada, porque a última participação Black Sheep ia começar a actuar.
Os Riding Pânico, semi-desaparecidos em combate, com aparecimentos ocasionais, voltaram a trazer – desta vez ao Vice – um baixo maior que a tua mãe, e teclados que te fazem sentir coisas. São a banda mais batida no que diz respeito a Milhões de Festa - picaram o ponto nas 3 edições (não nos importamos que piquem na próxima). E se a Bela for o Monstro marcou o início de uma reunião de amigos (depois da ausência de Jorge Manso). A banda que junta membros dos If Lucy Fell e dos Men Eater, conta agora com Joaquim Albergaria na bateria. E como pareceu ser hábito Black Sheep, os timablões estavam à espera de alguém que os viesse tocar. Foram os bateristas de raiz Hélio Morais (Linda Martini, PAUS e If Lucy Fell) e Paulo Segadães (bateria de The Vicious Five) que lhe pegaram. Já passou demasiado tempo desde Lady Cobra, e por isso apresentaram-se músicas novas, dando esperanças de um novo álbum.
Depois do concerto estonteante dos El Guincho na noite anterior, os membros voltam aos palco, com Pablo a fazer-lhes o som mesmo em frente. Os Extraperlo tocaram para um povo cansado mas feliz que assistia sentado na relva, à sombra. “Bañadores” dedicada aos que tinham ficado pela piscina, numa despedida mais nostálgica, antecedeu um pequeno comboio que recolhia pessoas até à frente do palco. No final, já estava mais bem composto e mais dançável.
Os The Ghost of a Thousand aproveitaram o Resurrection para antes virem rebentar Barcelos. Parece estranho ver-se hardcore tão pesado num festival tão querido. Deu para um mosh simpático mas que não parecia nunca satisfazer Tom Lacey. O não-tão-recente New Hopes, New Demonstrations fez tremer o pequeno palco, mas também This is Where the Fight Begins deu de si, com “Black Art Number One”. “Moved as Moutains”, “Dreamt of By the Sea” trouxe Tom até ao público que o carregou de volta ao palco. Apesar de poucos, o esforço foi reconhecido. Depois de Fed to the Ocean, Barcelos teve direito a – supostamente - duas músicas novas. Só que a segunda tem cerca de 30 anos e pertence aos AC/DC. A cover de “Back in Black” arrancou vozes que sabiam o que cantavam.
O sol começava agora a pôr-se, e era a vez Year Long Disaster. Pratos altíssimos, mas é assim que Rob Oswald os toca. Black Magic, All Mysteries Revealed foi apresentado aos nortenhos e aos outros que o quiseram ouvir, e deu-se descanso aos membros que voltariam a entrar em palco, faltava só uma viagem ao psicadelismo oriental.
Quem passasse pela entrada do backstage, via 4 japoneses sentados na relva como se o mundo não estivesse em crise. Eram os Bo Ningen. Cabelos estupidamente compridos e uma calma que ficou nos camarins, queriam partir tudo. Lixou só alguns neurónios, furou só alguns tímpanos com “Koroshitai Kimochi” e o resto do EP. Era o caos em palco que não se conseguia igualar no andar inferior. Só daqui a bocadinho.
Reciclamos os elementos de Year Long Disaster e reorganizamo-los para Karma to Burn. Headbang doom-ático indomável que persistiu o concerto todo, foi-se e voltou-se a “Karma to Burn” e a “Appalachian Incantation” e deu-se ainda um salto à “Never Say Die” dos Black Sabbath. Ainda estávamos no recinto, mas as saudades começavam já a apertar.
Os Monotonix, israelitas levados do diabo, tocaram no horário de Za!. Não se sabe o que teria acontecido uma hora mais tarde, mas à hora que foi, passou-se isto: Depois de recusarem seguranças (como se houvesse seguranças capazes de controlar tamanha ferocidade), os Monotonix tocaram no chão, inicialmente encostados à grade, mas que rapidamente passaram para o meio do espaço do Vice. Se os pés de Shalev tocaram o chão, foi pouco. Achamos que não interessa particularmente a setlist, uma vez que a voz se foi pouco depois da primeira “Flesh and Blood”. Yonatan Gat ouvia-se, mas não se via, e a bateria de Haggai Fershtman desapareceu no meio do público. Quem é que agarrava neles? Agarravamos todos. A certo ponto, Shalev pegou num timbalão e no banco e tocou em cima de Milhões de Mãos que o seguravam com dificuldade. Where Were You When it Happened? é o nome do álbum e é a pergunta que gostávamos de fazer a quem não viu e não ficou amassado. Tivemos acesso ao cimo da muralha, mas rapidamente fomos “expulsos” quando os Monotonix decidiram agarrar na bateria e levá-la lá para cima. Provavelmente a única altura em que todos conseguiram ver o que quer que fosse dos senhores de vastas barbas e físicos esbeltos. Ami Shalev acho que não era suficiente tocar bateria em cima de pessoas, e que por isso, à contagem de 4 seria boa ideia mandar-se de uma altura de 6 metros para cima de braços cansados. Ficamos todos inteiros? Mesmo que não estivéssemos, a actuação não ficava por aqui. De volta ao piso térreo, percebeu-se, finalmente, “Summers & Autumns” com direito a crowdsurf para o membro mais desaparecido do trio, Yonatan. Conseguiram, durante momentos, controlar um mar de gente sentada no chão, que rebentou passado pouco. À ida para Toro Y Moi, ainda podíamos encontrá-los entre o “palco” e o backstage, como se não tivessem dado o concerto mais brutal do festival.
Depois do espancamento, Toro Y Moi serviu quase como banda sonora à depressão. As saudades começavam já a apertar, amanhã não havia mais. Toro y Moi não é nem espanhol nem francês, é Chazwick Bundick, dos Estados Unidos, e começou uma actuação meio mole, mas que gradualmente se tornou mais dançável.
Recomposto que estava o Palco Vice, era a vez dos Za!. Efeitos marados na voz e feedbacks de fazer arrepiar a espinha, tinham uma guitarra canhota quase aleatória. Os putos Za! não paravam, agradeceram a Barcelos e ao Fua (quem não agradecia, a esta altura do campeonato?) e os cabelos esvoaçavam numa mistura de luzes psicadélicas e brincadeiras com trompetes e pedais.
O “até para o ano se Deus quiser” ficou a cabo dos Delorean apesar de passarem mais despercebidos que os The Fall, eram também um dos nomes grandes do festival. Com Subiza só a espreitar da mala, a banda de Ekhi Lopetegi fez Barcelos dançar quase como se não houvesse amanhã – porque não havia mesmo. Ficou um palco mais triste com as luzes apagadas e com o público a abandonar o socalco e a relva que ainda lutava por se manter viva. Milhões de Palco encerrado.
A festa ainda continuava. Milhões de Vice, “até de manhã”. Ainda faltavam o Crystal Fighters, que foi do mais refrescante a passar pelo segundo palco e South Rakkas Crew que entraram com remisturas pouco perceptíveis- de Justice e Sean Paul (alguém prenda este homem). Diz-se que às 5h30 se ginasticava com a Aeróbica oficial. Não estávamos lá par a ver, mas acreditamos que tenha sido Milhões de Lindo.
O Milhões de Festa fica guardado nos corações, nos pulsos ou nas caixas de recordações (ai de quem se atreva a deitar a pulseira fora) como o melhor festival alternativo a acontecer no pais.
Mesmo que venham a haver outros, a trademark e a limpeza de organização vai ser sempre da Lovers & Lollypops.
Sem merdas, sobrevivemos e estamos cá para contar aos nossos netos.