Reportagem NOS Primavera Sound 2015
Teve início na passada quinta-feira a quarta edição do NOS Primavera Sound, aquele que se pode considerar o primeiro festival de enorme proporção a acontecer no país. Segundo dados da organização, passaram pelo Parque da Cidade 23 mil pessoas, naquele que, digamos, é o dia de aquecimento do festival.
Como se sabe, neste primeiro dia é sempre possível assistir a praticamente todos os concertos por inteiro, e foi precisamente isso que a equipa do Festivais de Verão fez.
Começou com Bruno Pernadas, o português que teve a honra de abrir a sonoridade do Primavera. Derreteu corações com as músicas do álbum de estreia How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge, temas esses que misturam vários estilos como o jazz e o folk. Acompanhado por vários músicos em palco, entre eles Margarida Campelo (Julie & the Carjackers) e Afonso Cabral (You Can’t Win Charlie Brown), Pernadas serviu um cocktail musical perfeito, excelente para abrir o apetite aos muitos curiosos que iam chegando e que sentavam na relva a apreciar o belo concerto.
Seguia-se Mikal Cronin (Cinerama não entusiasmaram), esse artista que já tinha pisado o palco ATP do Primavera quando acompanhou Ty Segall no concerto da edição passada. Desta vez, Cronin surgiu em palco acompanhado de quatro músicos e, com o seu power pop misturado com garage rock e inspirado em melodias dos anos 60 e 70, provocou bons momentos e deixou o público a bater com o pézinho.
Continuamos numa onde de anos 70 quando nos deslocamos ao palco Pitchfork para presenciar a lendária Patti Smith, um ícone do rock mundial. O palco Pitchfork funcionou em exclusivo para a senhora norte-americana, que não se coibiu de cumprimentar a plateia que a esperava. Afinal, eram muitos os que por ali estavam sentados para assistir a uma atuação acústica/spoken word, mas que acabou por ser mais que uma simples atuação acústica – Dancing Barefoot, por exemplo, uma prova de que o público estava ali para curtir. Patti Smith foi, claro está, muito faladora com o público. Fartou-se de desabafar, mas fica na memória algo muito importante: a voz. Incrível como permanece imaculada após todos estes anos. Longa vida a esta avó.
Foi com pena que não vimos o concerto todo desta senhora já que, no palco NOS, Mac DeMarco já fazia das suas. Este é um artista feito para tocar em festivais. Manda piadas, é atrevido, canta os parabéns a um amigo, tudo isto enquanto desfilava canções do seu Salad Days, álbum muito apreciado pelos portugueses. Ainda fez crowdsurfing, disse maravilhas sobre o Porto, convidou o público a ir sair e despediu-se de rabo ao léu. São assim os concertos do músico canadiano.
Era altura da única estreia em Portugal neste primeiro dia do NOS Primavera Sound. A curiosidade era muita e as expetativas estavam em alta para o concerto da britânica FKA Twigs. E a verdade é que não desiludiu. Embora ao vivo as músicas sofram de algumas variações inesperadas (isto quando comparamos com as versões de estúdio), esta boneca humana que dança que nem uma serpente soube conquistar um público desde logo rendido a seus pés. Charmosa, sensual, com danças coreografadas ao milímetro que quase parecem de um robô, voz angelical. São estes os ingredientes que salvam FKA Twigs de ser uma artista banal e que fez com que o público assistisse a um concerto fenomenal. Em palco, a artista é acompanhada por três percussionistas (que lá iam alternando, quando calhava, com outros instrumentos) e de um fraco jogo de luzes que é amplamente sugado por todos os movimentos corporais da britânica. Afinal, FKA Twigs é conhecida pelas atuações intensas, mas delicadas q.b. O concerto baseou-se, claro, no álbum de estreia LP1 e nos EP’s que lançou anteriormente. Assim, temas como Water Me ou Papi Pacify deixaram os fãs a salivar por mais minutos de concerto e mais movimentos sexuais de anca. Começou por participar em videoclips de outros artistas e, hoje, conquista plateias. Pode voltar que Portugal tem público para dar e vender. Estava encontrada a vencedora da noite.
Além da estreia de FKA Twigs, outro chamariz na noite estava, digamos, na banda cabeça de cartaz do dia: os Interpol. Depois de terem atuado na edição de 2014 do NOS Alive, a turma de Paul Banks regressou ao nosso país para, desta vez, terem muitos mais seguidores atentos ao seu espetáculo. Se no NOS Alive a banda passou algo despercebida, causando pouca reação no público, o cenário foi diferente no Porto. Afinal, os gostos dos festivaleiros também são outros, fazendo com que o pós-punk revivalista dos Interpol seja mais apreciado no Parque da Cidade.
Contudo, os Interpol não são capazes de dar concertos brilhantes. Apesar de possuírem temas épicos como Stella Was a Diver And She Was Always Down, Pioneer To The Falls ou Evil, os nova-iorquinos não conseguem ser muito exuberantes (nem os temas assim o são), pelo que um espetáculo pode sempre pecar por ser algo monótono. A voz de Banks nem sempre está nos trincos (não esteve especialmente bem nesta noite), mas valem a guitarra serpenteante e a eloquência das canções que fizeram sucesso no passado. E isso notou-se quando enveredavam para o magnífico álbum Turn On The Bright Lights, causando euforia nos fãs, e logo passava para o pobre Our Love To Admire ou o mais recente El Pintor (bom álbum, mas não espetacular). Apesar da falta da energia e do caracter deprimente das canções, os Interpol acabaram por dar um concerto seguro, mas morno, sem arriscarem em nada.
Da monotonia passámos para uma pista de dança gigante, prontamente comandada pelos The Juan Maclean. Ao apresentarem o seu dance-punk, a voz de Nancy Whang fez bater o pezinho ao comandar um concerto que misturava house music com muitos sintetizadores e teclados. Foi um excelente aquecimento para o que viria a seguir.
A noite ainda era uma criança, mas Caribou fez questão de nos deixar a pedir que essa mesma noite nunca mais acabasse. Passava da uma da manhã e, apoiados pela imagem caleidoscópica do álbum Our Love, Dan Snaith e companhia entravam em palco vestidos de branco e logo em posição para dar início à festa. E foi mesmo com a faixa homónima que tudo começou.
Os canadianos apoiam-se num forte jogo de luz, em teclados e duas bateria dispostas em frente uma da outra. Este projeto é um dos mais respeitados atualmente na cena eletrónica, ou não tivessem estes homens alcançado sucesso mundial a partir do magnífico álbum Swim. Outrora experimentais, o projeto Caribou de Dan Snaith é estrela da música de dança alternativa, com uma sonoridade rica em ritmos hipnóticos e psicadélicos, mas que também deixa espaço a vozes frenéticas e flutuantes. As maiores ovações deram-se com Odessa, Your Love Will Set You Free e, claro, para a tão popular Can’t Do Without You. Para o encore, a belíssima Sun fechou o alinhamento de um concerto memorável e carregado de boa disposição. Estava encerrada a discoteca Primavera.
Chegámos ao segundo dia do festival. Os palcos abrem todos e, como tal, há que fazer escolhas. A mais ingrata terá sido quando o relógio apontava as 1h40. Run The Jewels, Jungle ou Ariel Pink? A escolha era complicada, e muitos festivaleiros chegaram, inclusive, a fazer petições na Internet para a organização mudar os horários. Claro que isso não aconteceu, e essa escolha ingrata teve mesmo de ser feita. Continuem a ler para perceberem qual o que fomos ver.
Começámos por ver a Banda do Mar. Apesar das palavras cantadas em Português do Brasil, este não foi um concerto que correu de feição aos brasileiros. Mallu Magalhães, Marcelo Camelo e Fred não conseguiram agitar os presentes, e a própria qualidade do som não estava nas melhores condições. Ainda assim, a plateia estava muito bem composta (ainda que muita gente estivesse sentada) e o pop-rock da banda acaba por cair bem numa tarde solarenga.
Passámos diretamente para Patti Smith e a sua banda a interpretaram na íntegra o incólume Horses, lançado em 1975. Sim, há 40 anos! E foi com Gloria que se deu o mote para aquele que viria a ser um concerto inesquecível.
A verdade é que, após todos estes anos, a voz de Patti Smith continua imaculada, soberba e poderosa, como só ela consegue. Quando se mistura rock clássico, cheio de rebeldia, amor e raiva, juntamente com uma voz capaz de mover milhares de seres humanos, o resultado só poderia ser explosivo, mas num bom sentido.
Interpretado na íntegra, Horses soa, hoje em dia, a sabedoria. Canções como Elegie, Because The Night, People Have The Power, Birdland, Free Money ou Break it Up – todas elas altamente poéticas – causam arrepio na espinha, ou não fosse este um dos álbuns mais seminais na história do punk e um dos mais importantes na histórica da música.
E, claro, houve tempo e espaço para homenagear figuras como Lou Reed, Joey Ramone, Joe Strummer, Jim Morrison, Jimi Hendrix, entre muitos outros. Certamente um dos melhores concertos a que mesmo muita gente assistiu. E ainda bem.
A difícil tarefa de suceder a Patti Smith coube a José González, que o soube fazer com mestria. Apoiado pelo som e pela bonita moldura humana à sua frente, o sueco soube encantar a plateia com os seus sons delicados e que nos transportam para África. Melancólico quando baste, o artista disparou temas como Teardrop, cover da música dos Massive Attack, Leaf Off / The Cave, Heartbeats, Down the Line, entre outras, sempre com muita serenidade e calma, tal como se lhe reconhece. A sua voz límpida entra nos ouvidos como quem não quer a coisa e, verdade seja dita: um concerto deste tipo acaba por funcionar muito bem no conceito de festival, apesar de muitos terem optado para pôr a conversa em dia. Mas isso não interessa – González sabe o que faz, com mais ou menos timidez, e conseguiu chegar bem fundo ao nosso coração.
Começava a hora das decisões a sério e optámos por presenciar Electric Wizard em detrimento dos The Replacements. E passámos de uma guitarra simples para um duelo de guitarras barulhentas, onde só o caos parece fazer sentido. Os instrumentos de Jus Oborn, Li Buckingham, Tas e Shaun Rutter meteram muitos dos presentes a fazer headbanging. Guitarras em peso, e um stoner/doom que deixa qualquer um orgulhoso. Também saltava à vista as imagens que iam passando, sempre com mulheres nuas a serem torturadas. Foi bonito, mas tínhamos de rumar ao palco Pitchfork.
É que Sun Kil Moon já fazia das suas. Chegámos a tempo de ver Mark Kozelek a interpretar o clássico I Got You Babe, de Sonny e Cher, com a libanesa Yasmine Hamdan. A tentativa, ainda que bem-humorada, saiu trapalhona, já que a jovem referiu não estar muito à vontade com o inglês nem com a própria música.
Mas um concerto de Sun Kil Moon é muito mais que isso. É uma obsessão, é uma provocação. No fundo, Kozelek canta, aos berros, como se estivesse sozinho no meio da floresta. Consigo trazia Vasco Espinheira, guitarrista dos Blind Zero, com quem já tinha tocado em digressão. É claro que a visita ao nosso país se deve ao aclamado Benji, um álbum extraordinário que resulta de muitos insultos, indiretas e de vários dilemas pessoais. São, contudo, temas como Carissa, Dogs, The Possum ou Bem’s My Friend que revelam toda a lírica inesperada e criativa de Kozelek. Claro que fez das suas ao dizer a meio do concerto: Quem é a banda que está a atuar e a perturbar o meu concerto? Estou a brincar, estou a brincar!. A questão é: estaria?
Não fomos a Spiritualized porque passámos diretamente para os Belle & Sebastian. E é curioso. Passámos do diário de angústias de Mark Kozelek para uma hora de festa e amor com a banda escocesa. Há quem diga que são a banda mais bonita do mundo. Seja esse o caso ou não, a verdade é que a banda deu dos concertos mais bonitos do NOS Primavera Sound.
Tudo começou com Nobody’s Empire e, a partir daí, a animação não mais parou. A panóplia de instrumentos em palco fez de todo um concerto um espetáculo folk, muito recheado pelos incríveis agudos de Stuart Murdoch. Percebeu-se a facilidade em temas como Perfect Couples Are Breaking Up, The Party Line, I’m a Cuckoo, entre outras canções que revisitaram os álbuns Dear Catastrophe Waitress, Write About Love e o mais recente Girls In Peacetime Want To Dance. Porém, a verdade é que, não fosse o vocalista Stuart Murdoch, e os escoceses poderiam muito bem passar como despercebidos. Felizmente isso não aconteceu e, já no final, a malta nova que estava encostada às grades subiu a palco para mais uns minutos de festa. Foi bonito.
00h15. Silêncio no Primavera Sound, a não ser o ruído das pessoas. Porquê? É que Antony Hegarty, mais conhecido por ser a vocalista da banda Antony and the Johnsons, preparava-se para entrar em palco juntamente com mais uma orquestra de 40 elementos. E tudo isto sem amplificação. Pedia-se, portanto, muito silêncio e, acima de tudo, respeito pelo artista e por quem queria apreciar o espetáculo. Contudo, tal não se sucedeu para quem estava mais longe do palco.
Totalmente vestida de branco, Antony fez uso da sua voz singular e deu aos mais atentos um concerto para mais tarde recordar. Apoiada por imagens incrivelmente perturbantes de Mr. O’s Book Of The Dead, filme de 1973 de Chiaki Nagano, esta mulher (na verdade é um homem que nunca aceitou ser um homem) tornou-se omnipresente no festival, já que nem sequer tinha uma luz apontada para si. Ou seja, o objetivo era absorver aquela experiência como um todo, e não apenas ser mais um artista munido de uma gigantesca orquestra.
Infelizmente, este acabou por ser um concerto bastante monótono para quem estava mais afastado do palco, sendo que muita gente aproveitou para ir comer qualquer coisa, para descansar ou para se dispersar para outro palco. Mas os fãs da frente, esses, não queriam perder aquele espetáculo por nada deste mundo. E assim foi, com toda a intensidade do mundo, que se pôde escutar belos temas como Hope There’s Someone, You Are My Sister Blind, dos Hercules and Love Affair, Epilepsy is Dancing, Cut The World, Cripple And The Starfish, I Fell In Love With a Dead Boy, I Am The Enemy, entre outros. É a art-pop no seu melhor. Fica é a dúvida se, realmente, um concerto deste calibre se adequa a um festival. Pode ser um bom espetáculo teatral, Antony tem uma voz de outro mundo, mas é demasiado minimalista e o ruído que se ouviu durante todo o concerto impediu esta de ser uma experiência inesquecível.
1h40. Ui, grande problema para resolver. Jungle, Run the Jewels ou Ariel Pink? Solução: ir ver metade metade dos dois mais importantes. E foi isso que a nossa equipa fez.
Começámos pelos Run The Jewels, o duo de hip-hop composto por Killer Mike e El-P. Entraram com tudo em palco: ao som de We Are The Champions, o duo foi disparando rimas loucas, deixando todos os presentes de queixo caído com tanta admiração da qualidade artística que estavam a presenciar. Foram temas como Banana Clipper, Blockbuster Night part. 1 e Oh My Darling Don’t Cry que fizeram as delícias dos presentes. Havia humor no ar, mas também uma espécie de música de intervenção, já que os alvos das músicas são os corruptos do planeta Terra. Não foi preciso ficar ali o tempo todo para perceber que o concerto estava ganho desde o início.
Já os Jungle repetiam a fórmula apresentada no verão passado, mas desta vez com mais mestria e coesão. No fundo, a máquina está mais oleada e, claro, a qualidade está toda lá. Foram, portanto, temas como Drops, a orelhuda Busy Earnin e a igualmente fantástica Time que fizeram a delícia dos presentes, num concerto cheio de funk, soul, jazz e pop eletrónica. Sim, os Jungle fazem esta mescla de estilos, mas funciona tão bem!
Há quem diga que os Jungle são monótonos. Bem, creio que seja um bocadinho impossível não gostar dos espetáculos ao vivo desta cambada, especialmente quando ficamos com a letra de uma dada música a dar voltas na cabeça. É claro que todos os temas têm uma lógica, uma estrutura definida. Os Jungle não são nenhum suprassumo da música atual (ainda), mas podem aspirar a sê-lo com o passar dos anos. No final do concerto, o corpo já acusava (e muito) o cansaço, mas era impossível não dançar e não bater o pezinho. Sim, os Jungle trazem a música dos anos 80 para o presente, e tornam-na moderna. O melhor de tudo é que o conseguem fazer com estilo, com Groove e com um tremendo à-vontade. Sim, deixaram-nos rendidos. Sim, dos melhores concertos do festival.
A partir daqui, apenas passava a funcionar o palco Pitchfork. Foi lá que, às 3h00, vimos os Movement, que concretizaram uma cover de Hold On We’re Going Home, de Drake, e assistimos durante uns minutos à atuação Marc Piñol. Estava feita a noite. E que noite!
Sim, último dia do NOS Primavera Sound. O dia de hoje poderia não ser tão interessante como o de ontem, mas há aqui atos que valem a pena ver. Já irão perceber quais.
Começar a debandada com Manel Cruz, o português que também quer ficar na história da música. Quem mais? Líder de vários projetos de sucesso nacional, este homem não consegue ficar parado sem fazer novas coisas, além de nunca ficar satisfeito com o que produz. É assim, dizem alguns sábios, que se atinge a perfeição.
Apresentando-se neste concerto sob a designação Estação de Serviço, Manel Cruz e a sua banda revisitaram projetos como Supernada, Pluto ou Foge Foge Bandido, sempre com muito carinho para dar e com um público pronto para o receber. Foi uma bela revisão a uma carreira do homem dos mil projetos e que, para muitos, é um dos melhores letristas e artistas portugueses de todo o sempre.
Passámos para o palco ao lado para ver um pouco da atuação de Baxter Dury. Embora nos tenha agradado, o público presente era em pouca quantidade e pouco efusivo, o que evidenciava a falta de interessa pelo concerto. Dury esforçou-se para dar o melhor de si, especialmente com temas como Palm Trees. Mas tinha concorrência fortíssima no palco ATP – Thurston Moore e a sua banda conquistavam por quem lá passava. Em banda falamos em elementos como Steve Shelley, baterista dos Sonic Youth, Debbie Googe, baixista dos My Bloody Valentine, e James Sedwards, dos Nought. Juntando tudo, sai uma explosão de noise rock com muita distorção, pujança e agressividade à mistura. E temas como Forevermore ou Speak to the Wild soam muitíssimo bem.
Quem também fez pela vida foram os Foxygen, em que o seu vocalista parece saído de um sonho onde se concretiza uma fusão entre David Bowie, Iggy Pop, Mick Jagger e Nick Cave. Desta junção nasce Sam France, uma fera de palco sem qualquer momento de silêncio e com tanta energia que fazia corar o vocalista mais enérgico do mundo – esperem, talvez seja ele esse mesmo vocalista.
Um abanão forte, é o que se pode dizer do concerto dos Foxygen. Ali em palco tínhamos o caos, de onde saía rock psicadélico revivalista, e saltos, quedas e muitas outras parvoíces. Sam France foi sempre muito comunicativo com o público, soube como puxar a atenção de cada pessoa para aquele que foi um dos melhores e mais divertidos concertos desta edição do NOS Primavera Sound. Divinal o tema On Blue Mountain, arrepio da espinha em Shuggie, a tristeza e o amor de No Destruction e um final maravilhoso com Everybody Needs Love. Melhor que isto? Muito, muito difícil…
E do concerto com mais energia do mundo passamos para a calma e sensatez de Damien Rice. Munido apenas da sua guitarra acústica, o cantautor irlândes é bastante competente no que faz e temas como Cannonball ou 9 Crimes ganham, ao vivo, contornos épicos. É claro que a maioria do público (feminino) sabia as letras na ponta da língua e, sem surpresas, o ponto alto deu-se com The Blower’s Daughter. Mas o tema final It Takes a Lot To Know a Man deixa antever que Damien é um homem que gosta de roçar o experimentalismo. Um homem, uma guitarra. Apenas estes dois elementos serviram para entreter uma plateia atenta.
Éramos para ter tocado aqui em 2012, mas ocorreram umas merdas e o concerto não aconteceu. Foi o que disse a certo momento Ben Gibbard, vocalista dos Death Cab for Cutie, eles que foram confirmados para a primeira edição do Primavera Sound, mas viram-se impedidos de tocar devido ao mau tempo.
É verdade que, hoje em dia, a banda não tem uma importância por aí além no mundo da música, mas uma coisa é certa: sabem o que fazer em palco e sabem o que devem tocar, e quando. É assim que podemos descrever o concerto no festival, que começou logo com o trunfo I Will Possess Your Heart, e que teve outros picos com Meet Me on the Equinox, The New Year, Soul Meets Body e, claro, a épica Transatlanticism. Um excelente concerto, a fazer lembrar que a banda já se devia ter estreado em Portugal há muito mais tempo.
E passámos para o pop-rock amoroso dos Death Cab for a Cutie para os saudosistas Ride, outra estreia em Portugal. Apesar de serem um dos nomes fortes do dia, o público assim não o entendeu, e muitos aproveitaram para ir jantar. Os fãs e os mais curiosos, esses, ficaram bem perto de palco para não perderem pitada do que ia entretanto acontecer.
Apesar de fazerem parte dos primórdios do shoegaze, a verdade é que os Ride não são muito populares em Portugal. Foram extintos em 1996 mas, entretanto, a banda de Andy Bell, Mark Gardener, Laurence ‘Loz’ Colbert e Steve Queralt regressou ao ativo para uma série de concertos. Com um cardápio de quatro álbuns, a banda britânica abriu o concerto com temas que fãs mais acérrimos conhecem, casos de Leave Them All Behind e Like a Daydream, que deram o mote para um excelente concerto, forte a nível técnico e visual. A incrível Vapour Trail, ao fim de 25 anos, continua mágica como na primeira vez em que a escutámos. Foi mesmo pena os Ride terem tocado para uma plateia de muitos desconhecedores, pois mereciam melhor.
Fomos a correr até ao palco Pitchfork, onde os Shellac já terminavam a sua atuação e, logo depois, fizemos o caminho inverso para ver Dan Deacon. Uma nova pista de dança gigante toma o Primavera de assalto e a eletrónica deste homem, juntamente com a percussão de um baterista (o único elemento em palco além do mentor do projeto), faz disparar beats fortíssimos. É também um pop colorida, cheia de força e que tem o único objetivo de colocar a plateia… a bater o pé.
Mas o último concerto do palco NOS ficaria a cargo dos míticos Underworld, aqui a apresentar dubnobasswithmyheadman, o álbum de 1994 que lhes deu o devido reconhecimento internacional. A setlist, essa, seguiu o alinhamento do álbum, à exceção de Born Slippy. Foi um regresso ao passado, com batidas fortes, num estilo pouco popular hoje em dia: o techno. Excelente concerto que transportou o público para os anos 90. Muita luz, muito vídeo e uma voz irrequieta que fez a festa durante 1h30. Dançámos, saltámos, cantámos. Era esse o objetivo e, apesar de alguma parte do público não estar a ligar nenhuma ao concerto, muitos aproveitaram como se fosse o último dia das suas vidas.
Terminado o concerto, o festival estava, também ele, praticamente terminado, e apenas os mais resistentes ficaram para ver o alemão Roman Flugel no palco Pitchfork.
Contas feitas, esta foi a edição mais concorrida do Primavera. Ao longo dos três dias, passaram 77 mil pessoas pelo recinto. Estes dados indicam que, agora, o Primavera está mais conhecido do que nunca, e que isso pode representar uma massificação. Por exemplo, a escolha do parceiro de rádio faz-nos pensar que uma próxima edição possa ser mais virada para o mainstream. Esperemos que não, caso contrário perde-se o espírito indie, e o festival irá ficar inundado pelo vírus da selfie e das conversas paralelas entre concertos. Porém, o Primavera é conhecido por trazer nomes menos conhecidos e nomes que fizeram sucesso num passado longínquo, pelo que teremos de aguardar por 2016 pelas surpresas no cartaz. A ver vamos.
A edição de 2016 já tem datas marcadas, são elas: 9, 10 e 11 de Junho - e poderás seguir aqui os confirmados à medida que forem anunciados: NOS Primavera 2016
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domingo, 24 novembro 2024