Reportagem NOS Primavera Sound 2017
O NOS Primavera Sound voltou a encher o Porto de música e animação, apostando desta vez nas tendências actuais da música alternativa e menos em nomes históricos, como se tinha verificado anteriormente com as presenças da Patti Smith e do Brian Wilson, entre outros.
Como tem sido habitual, houve um “warm -up” antes de o festival rumar até ao Parque da Cidade, e foram vários os locais a receberem concertos destinados somente aos detentores do passe geral.
A principal atracção desta noite era o regresso ao nosso país da canadiana Jessy Lanza, depois da estreia no Lisboa Dance Festival. A autora de “Oh No” - um dos mais aclamados discos de 2016 - apresentou-se na sala principal do Hard Club e assinou uma prestação memorável. Dona de uma voz meiga e melodiosa e de uma sonoridade surpreendentemente eclética – uma mistura de pop, R&B e electrónica de inspiração japonesa (pense-se em Yellow Magic Orchestra e noutros trabalhos de Haruomi Hosono), Jessy ofereceu a todos os que a foram ver – e foram muitos ainda - um concerto tão delicado e sonhador como irresistivelmente dançável. Durante o tempo que permaneceu em palco conseguiu tanto reunir um registo contemplativo como criar belíssimas explosões de energia, prendendo a nossa atenção. Além disso, o som colossal que saía das colunas do Hard Club – há muito que ninguém puxava tanto pelos graves nesta sala – e o uso de projecções só contribuíram para que a actuação tenha sido ainda mais poderosa. Quando tudo terminou, sabíamos que tínhamos assistido a uma grande prestação de uma das mais talentosas e criativas artistas da actualidade.
Destaque também para as Las Bistecs, dupla de Barcelona que, antes da chegada de Jessy Lanza, proporcionou uma das mais épicas festas que já tivemos o prazer de testemunhar. Disseram, em tom jocoso, que não sabem cantar nem dançar, mas sabem claramente entreter uma audiência e foi precisamente isso que fizeram: houve danças sincronizadas, oferta de cigarros (sim, leram bem, elas distribuíram cigarros) e muito humor acompanhado de um electro possante (“Electro- disgusting”, é como lhe chamam). Que venha a próxima sessão, pois a julgar pela reacção dos presentes, o festão está aprovado!
Day 1 - 08 Junho 2017
O primeiro dia oficial do Primavera Sound – o único sem sobreposições que impedissem a visualização de certas actuações - tinha vários pontos de interesse, entre os quais o regresso ao nosso país dos Cigarettes After Sex. O projecto liderado por Greg Gonzalez navega pelos mares do shoegaze e do dream pop, numa espécie de cruzamento entre Mazzy Star, Slowdive e Beach House, desenvolvendo uma sonoridade obscura e poética que tem conquistado imensos seguidores. O concerto era, portanto, bastante aguardado, e a verdade é que foi deveras competente; todavia, teria sido melhor à noite do que ao final da tarde. Apesar disso, serviu para nos mostrar que os Cigarettes After Sex possuem imenso potencial e que farão grandes coisas se continuarem a trabalhar na sua fórmula.
O concerto de Rodrigo Leão e Scott Matthew - perfeito para o ambiente naturalmente contemplativo de uma sala, tinha tudo para não resultar em contexto de festival, sendo que foi precisamente isso… que não aconteceu. Sim, um recinto ao ar livre – por mais belo e paradisíaco que seja - continua a não ser verdadeiramente ideal, mas ambos os músicos ultrapassaram essa barreira e deram tudo o que tinham, resultando numa actuação extremamente agradável e perfeita para o final da tarde/início da noite. Optando por um registo mais próximo da pop, mas não desprovido de outros elementos sonoros, estiveram ora juntos, ora separados, sendo que Scott, nos momentos em que tinha o palco somente para si, decidiu brindar o público com versões de “I Wanna Dance With Somebody” de Whitney Houston e “Smile” original de Charlie Chaplin. Um concerto inegavelmente bom – consequência do talento, paixão e experiência dos dois artistas – e bastante variado, no modo como se ia constantemente renovando.
Goste-se ou não do som que produz, há que dar crédito a Miguel pela prestação enérgica e genuína que ofereceu ao público do Primavera Sound - uma parte significativa dessa audiência constituída por seguidores do artista norte-americano. Visivelmente motivado e com uma postura altamente dinâmica em palco, encheu o Parque da Cidade de um R&B de cariz pop extremamente aprazível. “How Many Drinks?” e “Adorn” foram alguns dos momentos mais altos.
Substitutos dos Grandaddy, os escoceses Arab Strap assinaram uma actuação majestosa. Alternando entre a força cortante das guitarras, alguns apontamentos electrónicos e registo spoken word, espalharam melancolia carregada de whisky, mostrando como a tristeza, com a sua dose de humor negro, pode ser encantadora. Entre temas Como “Girls Of Summer”, “Here We Go” ou “Turbulence”, a banda de culto levou-nos numa esplêndida viagem intimista e emotiva, em que cada som provocava arrepios. Por mais palavras que escrevamos, só quem testemunhou esta sublime passagem poderá compreender o quão maravilhosa foi. Sentimos, choramos e amamos aquilo que vimos.
Há dois anos, neste mesmo recinto, os Run the Jewels provaram ser um dos duos mais destruidores do cenário hip-hop. Em 2017 apresentaram-se no palco principal, e apesar de não ocuparem oficialmente a posição de cabeças de cartaz, acabaram por sê-lo. Bastava observar o entusiasmo do público, que berrava o nome da banda várias vezes nos intervalos das músicas, para nos apercebermos que estão no auge da sua popularidade e também no topo da sua forma a nível criativo. Para isso muito contribui a coesão entre Killer Mike e El-P, dois rappers que, mais do que formarem uma simples parceria, desenvolveram uma relação fraternal, sendo que isso é óbvio pela maneira como interagem. Num setlist bastante equilibrado, músicas como “Blockbuster Night Part 1”, “lie, Cheat, Steal” ou “Run the Jewels” (esta já em encore) misturaram-se com novidades como “Talk to Me”, “Hey Kids (Bumaye) ” ou “Legend Has It”. Um dos melhores concertos do ano, protagonizado por um dos melhores grupos da actualidade. Acima de tudo, os Run the Jewels estão a marcar uma geração e a dominar o mundo.
Esta noite no Primavera Sound teve uma fenomenal dose de electrónica, a começar com Flying Lotus e a terminar com os Justice.
O primeiro foi responsável por uma apresentação extremamente bem delineada, tanto a nível musical como visual. Detentor de uma electrónica ambiciosa, que explora livremente territórios tão diversos como o hip-hop ou o jazz, juntou a essa mescla de sons um conjunto de impressionantes projecções - algumas das imagens retiradas de “Kuso”, polémico filme da sua autoria - sendo que mesmo a nível musical houve referências cinematográficas (o famoso tema do clássico “Twin Peaks”, apareceu aqui transformado), pois é mesmo isso que Flying Lotus faz, unir som e imagem num só meio de expressão artística, oferecendo um espectáculo rico, imprevisível e constantemente animado.
Quanto aos franceses Justice, estiveram irrepreensíveis. Desde o momento em que entraram em palco até à altura em que o abandonaram, a festa e a loucura nunca pararam, sendo que todos fomos fustigados pelo electro deste duo, pela intensidade capaz de fazer concorrência a muitas bandas de música pesada. Ousado? Talvez, mas a sonoridade dos justice é de tal forma musculada, densa e excitante que desperta no ouvinte um desejo incontrolável de dançar e de abanar a cabeça, sendo que em concerto a energia é naturalmente ainda mais elevada. O único defeito desta celebração foi que, muito honestamente, nos pareceu demasiado curta. No entanto, com o nível de entretenimento dos Justice – a contar igualmente com o esplêndido jogo de luzes - qualquer fim é prematuro.
Day 2 - 09 Junho 2017
O segundo dia do Primavera contou novamente com muita animação e concertos marcantes. Logo no final desta tarde solarenga, tivemos direito a uma boa actuação dos australianos Pond, que criaram um ambiente agradável e descontraído ao som de um indie simultaneamente orelhudo e psicadélico. Temas como ”Elvis 'Flaming Star” ou “Giant Tortoise” são extremamente contagiantes, sendo que muita da magia do grupo reside nessa capacidade em criar músicas acessíveis e cativantes que mantêm um louvável espírito de jam session - em determinados momentos, os Pond recordavam uns Led Zeppelin mais melódicos e contidos. Contudo, apesar de instalarem um ligeiro clima de familiaridade que nos faz pensar em certos nomes do passado, que não haja dúvidas: os Pond são inegavelmente um produto do século XXI.
O concerto de Royal Trux representou uma bela oportunidade para assistirmos a uma banda histórica que, em 2017,esteve igual a si própria – decadente. Se com qualquer outro grupo classificaríamos este cenário como uma desesperada e desastrosa tentativa de reviver os tempos áureos, com a dupla Neil Hagerty e Jennifer Herrema é apenas o que se esperava deles – afinal, foram sempre um símbolo do lado negro e selvagem do rock’n’roll. Entraram em palco com bebida e cigarros, falaram com o público de forma (quase) imperceptível e destilaram uma valente dose de rock alternativo recheado de noise. Podem não ter sido tecnicamente irrepreensíveis, mas compensaram com o charme único das suas composições e com a sua atitude de rockeiros rebeldes que fazem as coisas como querem, independentemente do que os outros pensem. Um concerto que permitiu viajarmos no tempo e sentirmos na pele as malhas de uma das mais excitantes bandas underground dos anos 90.
Angel Olsen era um dos nomes mais aguardados deste segundo dia – afinal, lançou um dos mais brilhantes discos de 2016 - mas o concerto acabou por ficar um pouco aquém das expectativas. Mesmo com o seu magnífico registo vocal e as poderosas composições onde o indie, a folk e o country alternativo coexistem harmoniosamente, a decisão de a colocar no palco principal – minimamente compreensível se tivermos em conta o número de pessoas que a queriam ver – retirou, infelizmente, muito do carácter intimista que a sua música pede. Não deixou de saber bem ouvir temas como “Shut Up Kiss Me”, “Woman” ou “Not Gonna Kill You”, mas a actuação teria tido maior impacto emocional num espaço fechado, onde a atmosfera fosse mais introspectiva. Talvez para a próxima isso aconteça.
Quem pensa que o punk precisa obrigatoriamente de guitarras não está familiarizado com os britânicos Sleaford Mods, pois o duo formado por Jason Williamson e Andrew Fearn fá-lo somente com um laptop, um microfone e doses industriais de irreverência. O modo como se apresentam em palco é muito pouco ortodoxo - Andrew põe a tocar as bases instrumentais previamente programadas e passa o resto do tempo simplesmente a relaxar de cerveja na mão, enquanto Jason berra e adopta uma postura irrequieta. Os Sleaford Mods, acima de tudo, cospem indignação após indignação e, no processo, tornam-se numa espécie de heróis da classe trabalhadora, da população que se revê nos manifestos apaixonados – ainda que grosseiros – da imparável dupla de Nottingham.
Além disso, hoje há claramente motivos para estes senhores protestarem: estamos na era do Brexit – facto que a banda não se esqueceu de mencionar da forma mais frontal que encontrou para expressar a sua revolta, proferindo, a alto e bom som, “England is dead”.
Contudo, houve mais alvos - Os Teenage FanClub, que começaram a actuar no palco Super Bock por volta das 21h, foram descritos por Jason como um símbolo do passado. Independentemente de concordarmos ou não, uma coisa é certa: os Sleaford Mods são um símbolo do presente - uma máquina bem oleada de punk com elementos de hip-hop e electrónica, que funciona – ainda que se recuse a assumi-lo – como uma das mais relevantes vozes do descontentamento.
A certa altura, o público do Primavera Sound dividiu-se: enquanto muitos foram ver Bon Iver, responsável, em grande parte, pela enchente que se verificou neste dia, outros preferiram testemunhar o retorno dos Swans (sendo que ainda houve quem tenha decidido espreitar a actuação de Julien Baker na tenda Pitchfork).
No que diz respeito à banda liderada pelo carismático – e enigmático - Michael Gira, esteve exactamente como a esperávamos, sendo que era precisamente isso que queríamos.
Os Swans podem já ter passado por diferentes fases ao longo da sua carreira, desde os começos na no wave de Nova Iorque até à evolução e enriquecimento sonoro do seu trabalho mais recente, mas houve sempre uma constante – os níveis claustrofóbicos de intensidade que caracterizam as actuações do grupo. Vê-los ao vivo é como ser engolido por uma onda gigante de ruído, com a diferença de que não estamos a tentar escapar – queremos ser absorvidos. De certa forma, percorremos a escuridão até chegar à luz, livramo-nos dos nossos demónios para atingir a catarse e, quando tudo termina (e nunca é um processo rápido, pois aqui a experiência durou duas horas) sentirmo-nos esgotados mas felizes.
Segundo o que o próprio Gira tem dito em entrevistas, esta é a última digressão com a actual formação. Não sabemos exactamente se isso constitui o fim ou uma reincarnação, mas uma coisa é certa: soube bem voltar a vê-los, tendo sido a despedida oficial ou simplesmente o encerramento de um capítulo.
Depois de Swans, é sempre um pouco difícil reunir energia para o que quer que seja, mas ainda havia mais para ver antes de este dia acabar. No palco Super Bock, por exemplo, deu-se o regresso ao nosso país de Skepta. O rapper britânico tornou-se oficialmente um dos nomes mais entusiasmantes do panorama musical internacional com o lançamento de “Konnichiwa” - que lhe valeu um Mercury Prize e uma admiração por parte do público e da imprensa praticamente consensual – sendo que esta actuação era, para muitos, uma das mais antecipadas do festival.
O músico londrino entrou em palco ao som do tema que dá titulo ao aclamado último trabalho, mas foi com “That's not Me” que o caos foi verdadeiramente instalado. A voz revelou alguns problemas, mas isso não baixou os níveis de energia, até porque Skepta encontra-se muito bem acompanhado pelo fantástico DJ Maximum e por Shorty, introduzido na segunda metade do set e que acabou por tornar a prestação ainda mais dinâmica e potente.
“Lyrics”, “Crime Riddim”, “Shutdown” ou “Man” foram alguns dos melhores momentos de um concerto incendiário que serviu para confirmar aquilo que já se suspeitava: o hip-hop está em alta e a atravessar uma nova “golden age”.
Os australianos King Gizzard &the Lizard Wizard estiveram também muitíssimo bem e mostraram ser uma máquina de rock de uma pujança invejável. Apostando numa fórmula musculada do tradicional psych/garage rock, nunca tiraram o pé do acelerador e protagonizaram uma das mais divertidas e suadas sessões deste festival. Quando acabaram já não tínhamos mais para dar, mas saímos do recinto com um sorriso nos lábios.
Day 3 - 10 Junho 2017
O terceiro e derradeiro dia do Primavera Sound 2017 começou bem ao som do folk relaxante de Núria Graham, mas foi com os Songhoy Blues que se viveu o primeiro grande momento do dia. A banda oriunda do Mali deliciou os presentes com um blues ritmado, proporcionando um concerto que, pelo seu carácter exótico e divertido, se revelou perfeito para o ambiente de festival ao ar livre. Uma autêntica festa cheia de pessoas a dançar, num daqueles momentos de pura comunhão entre banda e público. Simplesmente maravilhoso.
Elza Soares foi responsável por um concerto verdadeiramente inesquecível. Na casa dos 80, é uma mulher que passou por muito e que sobreviveu para contar as suas histórias e ser a voz dos oprimidos – daqueles que, tal como ela, tiveram que enfrentar inúmeros obstáculos. Símbolo de eterna perseverança, canta, sentada num enorme cadeirão, com uma emoção descomunal, arrepiando-nos com a sua voz rouca e majestosa, assim como com os seus discursos. Fala, no final de “Maria da Vila Matilde” da necessidade da mulher em protestar quando vítima de violência doméstica, dizendo que há que denunciar e não sofrer calada; berra, durante a interpretação de “A Carne”, que é negra e que a sua carne não é a mais barata; mais do que uma simples cantora, Elza é uma lutadora, sendo que cada actuação desta carismática lenda da música brasileira- sempre muito bem acompanhada pela sua banda - é absolutamente magistral.
Os Shellac, banda residente do Primavera, já nada têm a provar: vê-los é como reencontrar um velho amigo: sabemos o que nos espera, mas continuamos a ansiar por esse momento. Steve Albini, ainda que mais velho, continua a ser um exemplar mestre de cerimónias, brindando-nos, como de costume, com um post-hardcore/ noise altamente complexo e cheio de mudanças de tempo. Nada de novo… e ainda bem.
Na tenda Pitchfork, Mitski foi uma das revelações do festival. Muito se tem falado nesta senhora, sobretudo após a edição do excelente “Puberty 2“, e na sua estreia por cá ofereceu-nos um concerto tão poderoso como intimista. Temas como “Dan the Dancer” ou “Your Best American Girl” (o seu maior “hit”, como fez questão de referir) mostraram que Mitski é uma das mais inteligentes propostas a surgir no movimento indie dos últimos anos, sendo que ao vivo adquire ainda mais força do que em estúdio, aproximando-se muito mais do espírito dos anos 90. No final, houve ainda tempo para uma assombrosa performance a solo, só com voz e guitarra, num registo surpreendentemente intenso, próximo até do noise, que fechou com garra uma actuação muito bem conseguida. Nesta noite e neste espaço escreveu-se o primeiro capítulo do romance entre a artista e o público português. Há que regressar o mais depressa possível.
Porrada do início ao fim – foi isto que os Death Grips, uma das mais adoradas e simultaneamente polémicas bandas da actualidade apresentaram naquela que foi a primeira visita ao nosso país, depois do cancelamento neste mesmo festival em 2012.
É noise? Hardcore? Hip-hop? Um pouco de isso tudo, na verdade. Uma mistura frenética e diabólica que coloca toda a gente aos saltos ou leva ao mosh – seja como for, a reacção física é extremamente forte, já que a música do grupo também o é - não poderia ser de outra forma com MC Ride a desempenhar o papel de líder desta orquestra esquizofrénica. Uma estreia simplesmente arrebatadora e que deixou os fãs plenamente satisfeitos.
Os canadianos Japandroids assinaram uma das mais brilhantes actuações de todo o festival, o que não é de admirar: a dupla formada por Brian King e David Prowse é a banda sonora perfeita para registar a diversão de uma bela noite de Verão: produzem um punk/garage orelhudo, enérgico e recheado de melodias de tal forma empolgantes que só queremos dançar e curtir como se não houvesse amanhã. O setlist percorreu o percurso do duo, misturando temas antigos como “ Younger Ones” e “ The House That Heaven Built” com novidades como “No Known Drink Or Drug” ou “ North East South West” (que, segundo o que a banda contou, teve um vídeo rodado no Porto).
Podem não ser inovadores, mas dominam bem a arte de rockar, como muito poucos hoje em dia conseguem. Não precisam de mais para convencer qualquer plateia.
Numa toada completamente diferente, Aphex Twin apresentou um espectáculo extremamente elaborado e absolutamente fascinante, sobretudo a nível visual. Com vários pequenos ecrãs que exibiam o seu rosto propositadamente deformado (misturado com imagens do público) e servindo-se igualmente de potentes lazers que enchiam o recinto de raios verdes, Aphex proporcionou um concerto incrivelmente rico no que diz respeito à escolha de imagens, muitas delas perturbadoras mas sempre envolventes. Contudo, também não desapontou no departamento musical, focando-se mais na sua vertente techno devastadora e experimental e pouco nas texturas ambient. Pode-se dizer que foi um concerto que viveu de ritmos agressivos e violentos, numa experiência surreal e de uma intensidade impressionante.
Numa prestação que vai definitivamente para a lista de melhores do ano, os Against Me! debitaram uma valente dose de punk rock feito com garra e imensa determinação. A energia que reuniram durante todo o set foi arrepiante e o facto de estarem a actuar na tenda Pitchfork fez com que a experiência tenha sido avassaladora, tanto a nível sonoro como emocional.
Falando de emoções, é impossível não reparar no registo apaixonado de Laura Jane Grace, que depois de assumir a sua nova identidade como transgénero no ano de 2012, parece ter usado essa drástica mudança como fonte de inspiração para enfatizar o lado político da sua banda, proferindo discursos a favor da tolerância durante o concerto; no entanto, a mensagem em prol de um mundo mais compreensivo aborda não só a transfobia e a homofobia, mas também o racismo, a misoginia e, como Laura disse, “ All the fucking things that punk rock should be against”.
Assim estiveram os Against Me! : vigorosos, ruidosos e com muita coisa para dizer. Uma prestação magnifica e inspiradora que, acima de tudo, honrou o espírito do punk e da ética DIY.
Para terminar esta edição do Primavera de forma calma e contemplativa, relaxamos e sonhamos ao som do ambient com laivos de post-rock de Tycho, o projecto de Scott Hansen. Apesar de serem perto das 3 da manhã quando o concerto começou, ainda eram muitos – entre seguidores e curiosos - os que se dirigiram à tenda Pitchfork para absorver as melodias elegantes e serenas que saíam do palco, num concerto excelente que talvez tivesse tido ainda mais impacto se beneficiasse de um melhor horário.
E assim nos despedimos do Primavera. As saudades são muitas, mas para o ano há mais!
-
Organização:Pic-Nic
-
terça-feira, 20 junho 2017