Reportagem Optimus Primavera Sound
7 de junho
O tempo passa a correr. Foi há vários meses atrás que se confirmou a edição do Primavera Sound, sob o aval da Optimus, na cidade do Porto, com confirmações a surgirem de semana a semana, construindo aquele que foi, provavelmente, um dos melhores cartazes que alguma vez tivemos por cá. Yo La Tengo, Flaming Lips, Wilco, Jeff Mangum, Codeine… nomes de culto da música dita alternativa, que trouxeram mais de 20 000 ao Porto (mais de 50% deles estrangeiros). Alguns cancelamentos ainda antes do festival começar (Bjork e Explosions in the Sky), mais dois com este já a decorrer (Death Cab for Cutie e James Ferraro), mas nada que impedisse este de ser, de longe, um dos melhores cartazes que alguma vez passaram por cá. Claro que, no meio de tantos nomes, escolhas teriam de ser feitas. Não sendo eu adepto de ver apenas pedaços de concertos, tentei ver maioritariamente concertos do início ao fim. Isto fez, claro, com que acabasse por perder alguns grandes nomes pelo meio; mas o que vi, ainda assim, valeu muito a pena.
O primeiro dia foi, por assim dizer, o dia de aquecimento. Menos bandas, apenas dois dos quatro palcos em funcionamento (o palco Primavera e o palco Optimus, os dois principais, por assim dizer, de onde os concertos podiam ser vistos do topo de uma bonita colina), e menos gente que a que estaria nos restantes dias. Quando lá chego, ainda a investigar o recinto e a zona de imprensa, estão os StopEstra!, nome nacional, a tocar. Som estranho, mas forte e energético, com uma banda a dar o litro em palco perante um público ainda reduzido. Uma verdadeira amálgama musical que soa estranha e interessante ao mesmo tempo. Mereciam mais atenção que a que tiveram, tanto da minha parte como do restante público. Fica a vontade de os voltar a ver com mais atenção.
Os Bigott, banda espanhola, vieram a seguir e deram um concerto agradável, ainda que bem longe do memorável. Meio folk, meio pop, meio psicadélico, canções como “Cannibal Dinner” são agradáveis e energéticas, nunca deixando caia no aborrecimento, mas também nunca o elevando muito acima do divertido. Uma banda que se safa bem, um vocalista que é… bem, francamente estranho, algumas canções boas, e tem-se um concerto agradável. Uma boa forma de começar o dia, sem dúvida.
Atlas Sound foi a seguir, e vimo-nos aqui confrontados com a eterna questão do “Isto é bom, mas não é para tocar aqui”. Concerto muito interessante, muito bonito, mas que não foi feito para ser visto ao ar live, de dia ainda, com o sol a bater na cabeça. Os inúmeros efeitos que Bradford Cox usa na guitarra e que se vão aliando à sua óptima voz conseguem criar canções lindíssimas, mas que não foram feitas para serem ouvidas ali. Concerto mau? Não, longe disso. Apenas não foi no sítio ideal.
Com Yann Tiersen, que veio a seguir e trouxe alguns aguaceiros com ele (poucos, felizmente, que não demoraram a passar), as coisas correram melhor. Passando pelo teclado, pelo violino e pelo teclado, com uma excelente banda a acompanhá-lo, Tiersen e companhia deram um belo concerto, onde rock instrumental se misturou com rock mais experimental, e onde canções mais antigas como a bela e intimidante “Sur Le Fil”, protagonizada pelo violino (que Tiersen toca tão bem), interagiram muito bem com músicas mais recentes como a etérea “The Gutter”, que ao vivo ganha uma outra dimensão. Se havia dúvidas em relação à forma como a música de Tiersen ia resultar em festival, o músico dissipou-as rapidamente: belíssimo concerto. E não, não tocou nada da banda-sonora do Amélie.
Pausa para comer alguma coisa, com imensas filas na zona das bancas no recinto (algo a rectificar na próxima edição), e não há tempo para ver The Drums. Mas há tempo para ver Suede, que deram o melhor concerto deste primeiro dia do festival. Já com uma longa carreira às costas, recheada de clássicos que todos conhecem mesmo julgando não conhecer (pensei que só conhecia uma ou duas, e afinal conhecia metade do alinhamento de dezanove músicas), os Suede tocam ainda com uma energia notável, com Brett Anderson ainda com uma excelente voz, um carisma que envergonharia muita gente, e com a postura rockstar de “estou aqui para tocar, não esperem que fale muito com vocês”. Canções como “So Young” ou a inevitável “Beautiful Ones”, que encerrou na perfeição o corpo principal do concerto, resultam muito bem ao vivo, numa veia de rock clássico dos anos 90. O público, com alguns fãs devotos pelo meio, recebeu bem aquele concerto de hora e meia que nunca caiu no aborrecimento, graças a uma máquina bem oleada que faz o que faz já há imensos anos. Pelo meio, as luzes vão abaixo, e isso acabou por dar um pequeno toque mágico ao espectáculo (ao início, até se pensou que tinha sido planeado…). O encore, com as lindíssimas “Saturday Night” e “Still Life” (terminada já com Anderson fora de palco), mostraram o poder da banda em criar canções mais densas e apoteóticas, no sentido bonito da palavra, terminando bem um concerto que certamente fez as delícias dos fãs, e agradou a todos os restantes.
A noite continuou com veteranos, com os Mercury Ver, recrutados para substituir os Explosions in the Sky (um cancelamento que, mesmo depois do festival ter acabado, ainda dói), e cumpriram muito bem a sua função. Ao vivo, a banda é… diferente do que se esperava. Mais espalhafatosos que sóbrios, com um vocalista (Jonathan Donahue que, fun fact, fez parte dos Flaming Lips e saiu da banda porque se chateou com o Wayne Coyne) que parecia ter glitter na barba e vai fazendo posturas que acabam por conquistar pelo seu ar over-the-top (“In dreams I’m always strong!”/flecte os músculos dos braços) enquanto vai bebendo duma garrafa de vinho, a banda de Deserter’s Songs, um álbum francamente incrível, surpreende pela quantidade de barulho que vai acrescentando às músicas, transformando-as em algo ora mais épico, ora mais… estranho. Rock alternativo que ao vivo mistura o alternativo com rock de estádio, com momentos mais apoteóticos que propriamente emotivos. Estranhamente, pareciam ser poucos os verdadeiros conhecedores da banda no público, que actuou perante uma plateia mais pequena que o esperado, tendo em conta o culto que os rodeia. Intercalaram canções mais antigas com mais recentes, passando felizmente pouco pelo mais fraco Snowflake Midnight (que, ainda assim, proporcionou um bom início com a bonita “Snowflake in a Hot World”), e muito pelo grande Deserter’s Songs, com “Goddess on a Highway” a ser talvez o grande momento da noite, a par da apoteótica (ainda que com a letra mais lamechas de sempre) “The Dark is Rising”, que fechou em grande o concerto. Jogo de iluminação exemplar, muito fumo em palco, e um ambiente bem criado num concerto que, curiosamente, vai crescendo quanto mais se pensa nele. Fica a vontade de os ver novamente por cá, desta vez em sala fechada.
E para terminar a noite, perante uma plateia bem composta e que sabia bem ao que ia, chegaram os The Rapture. Rock energético e bem feito, que pede para saltar e abanar o corpo; e, lá está, foi isso mesmo que o público fez, mesmo já passando das duas da manhã. Basearam-se acima de tudo no mais recente How Deep is Your Love, não esquecendo êxitos como a grande “Get Myself Into It”, e transformam ao vivo cada canção num hino para a dança e para a festa. Há falhas, claro, essencialmente a nível musical: por vezes a música parece que vai rebentar e não rebenta, ocasionalmente há um build-up que não leva a lado nenhum, e outras vezes a música é basicamente o repetir do refrão até à exaustão. Ao vivo são divertidos, fazem uma boa festa… mas poderiam ser melhores. Talvez com mais tempo lá cheguem. Ainda assim, concerto muito agradável, que sem dúvida fez suar alguns dos presentes, e uma bela forma de dar por terminado este primeiro dia do Primavera Sound.
No dia a seguir havia mais; mais e muito, muito melhor.
8 de junho
Ao segundo dia, as coisas começaram a sério. Quatro palcos, dezenas de bandas e um recinto muito mais cheio que no dia anterior. E, felizmente, um céu limpo.
Há tempo para ver um pouco de We Trust e ficar impressionado com a banda de André Tentugal, que agora até secção de sopros tem; secção essa que, para quem já antes tinha visto ao vivo, acaba por fazer toda a diferença. O som está mais cheio, a banda mais oleada, e com isso se justifica a pequena multidão que tem à sua frente no palco Optimus. Pop catchy, bem feita e de muito bom gosto; quem acha que “Time” é a única boa música que tem está bem enganado. Infelizmente, não há tempo para ouvir essa, mas há tempo para ficar bem-impressionado.
Dá-se um saltinho ao palco club, que é do outro lado do recinto (no qual os palcos são todos moderadamente perto uns dos outros, felizmente), e apanha-se um pouco de Other Lives. Rock indie com toques de folk e um som denso e lento, que se vai entranhando e crescendo em cada canção. Tinham uma multidão muito bem composta na tenda, com vários a mostrarem-se conhecedores do grupo (não era o meu caso). Não é bem música para ouvir numa tenda de tarde, mas enfrentaram bem essa questão e proporcionaram certamente um belo concerto a quem ficou. Não foi o meu caso, no entanto. Afinal de contas, os Yo La Tengo estavam prestes a começar.
Os Yo La Tengo não são nenhuns novatos. Têm doze discos, sendo o primeiro de 86, já cá vieram várias vezes e ao vivo é isso mesmo que se vê: um trio que faz o que faz com a destreza que só anos de prática constroem, com Ira Kaplan a ser Deus e senhor do palco, com a sua excentricidade à guitarra (atira-a ao ar, ao chão, esfrega-a por todo o lado, desafina-a durante um solo de propósito, etc) que tanto espanta quanto impressiona. E depois há ainda a classe de Georgia Hubley, sua mulher, com aquele ar de dona de casa que toca bateria e tem vida de rockstar. Foi o verdadeiro grande concerto que vi no festival, e acabaria por ser, efectivamente, dos melhores que lá veria. Alinhamento bem construído (faltou “Tom Courtenay” e mais umas, mas perdoa-se), com a sequência final de “Sugarcube”, “Pass The Hatchet I Think I’m Goodking” (dos melhores momentos do festival que até contou com um Wayne Coyne a filmar com o telemóvel no palco enquanto Ira por pouco não destruía a sua guitarra), e a lindíssima “My Little Corner of the World”, que foi uma passagem tão abrupta quanto genial do caos para a paz, com Hubley a mostrar bem o quão bela é a sua voz, e com os roadies em palco a assobiarem ao microfone. Demoraram dois anos a voltar cá e foi demasiado tempo, que voltem depressa. Nota ainda para duas ou três músicas que não reconheci, talvez novas; sejam ou não, soaram muitíssimo bem.
Espreita-se Rufus Wainwright e a sua banda, que deram, segundo um amigo meu, um dos concertos do festival. Não posso confirmar, mas confirmo que é curioso a forma como a sua música resulta tão bem com mais músicos atrás, e que Rufus tem, efectivamente, uma presença muito particular em palco; simpático e esvoaçante. Ficou-se com pena de não ser ver mais… mas os Flaming Lips começavam em breve, e era hora de arranjar lugar perto do palco. Perdoem-me, sou um fanboy.
E sou um fanboy muito, muito, mas mesmo muito satisfeito. O verdadeiro espectáculo que os Flaming Lips deram no Primavera, que deve ter quebrado uns quantos recordes de balões e confettis lançados em concerto, foi a representação perfeita da carreira nem sempre genial, mas sempre óptima (Embryonic, o último disco que lançaram, é espectacular) de uma banda tão over-the-top, tão ridiculamente festiva e tão ridiculamente espalhafatosa que é difícil não adorar. “Toda a gente tem de ver pelo menos uma vez na vida um concerto de Flaming Lips”, disse-me uma vez um amigo meu que os viu no Sudoeste e, sim, é mesmo isso. Não há propriamente nada igual ao que Coyne e companhia fazem ao vivo. Têm de tudo desde cheerleaders a balões, megafones que deitam fumo, guitarras com bolhas a cobrir as cordas e toda uma panóplia de brinquedos que tanto divertem quanto impressionam.
É inegavelmente épico ver Coyne a entrar na sua bolha e a passear-se depois pelo público, enquanto se ouve “On The Run” dos Pink Floyd, tal como é arrebatadoramente lindíssimo o momento em que tocam “Yoshimi Battles the Pink Robots” numa versão ainda mais acústica que possibilitou um sing-along perfeito dos devotos que estavam perto do palco. “É um circo”, poderiam dizer muitos. Sim, talvez seja; mas é o que a sua própria música também é. Ora espalhafatosamente épica “Yeah Yeah Yeah Song” é, ao vivo, tão boa quanto se esperava, ora espalhafatosamente lindíssima “Do You Realize?”, a terminar o concerto, foi de misturar confettis com lágrimas. Os Flaming Lips não estão ali para deixar coisas a meio: dão tudo o que têm a dar e ou se gosta ou não. Bastaria aquele momento notável que foi “Race for the Prize”, primeiro encore, para ser provavelmente o melhor concerto do festival, foi incrível.
E depois de um concerto como aqueles, para guardar na memória, quem diria que logo a seguir… viria outro igual? Os Wilco, grupo que por alguma razão obscura nunca teve muito culto por cá, país onde os The National e os The Walkmen são (merecidamente) adorados, deram no palco Optimus um concerto ora indescritivelmente belo, ora indescritivelmente arrepiante. Tocam com a sabedoria e a calma de quem já o faz há longos anos, com muitos curiosos e alguns devotos no público (nota: fomos obrigados a mudar duas vezes de sítio, graças aos grupos de espanhóis que falam como se estivessem na praça), com Tweedy a ter aquela presença modesta de um frontman que não faz bem ideia do quão boa é a banda que tem. Num alinhamento generoso, que felizmente se baseou em muito no incrível Yankee Hotel Foxtrot, a banda deu um concerto genial, onde canções como “Heavy Metal Drummer” e “Radio Cure” ora nos humedeceram os olhos ora nos fizeram dar saltos pelo meio de guitarradas. Tocam espantosamente bem canções espantosamente boas e fica-se sempre com a sensação de haver ali algo mágico, que não pode ser propriamente explicado por palavras. Quando após a grande “Shot in the Arm”, que segundo o alinhamento deveria ter sido a última, se atiram com coração à incrível ainda que não planeada (“Não temos tocado muito esta música porque já a tocámos em todo o lado, mas vamos tocá-la aqui hoje”, diz Tweedy) “Jesus, etc”, torna-se um facto inevitável que dificilmente qualquer outra coisa conseguiria igualar aquele momento no resto do festival; e assim foi. Geniais.
De seguida, há três nomes a escolher: Beach House, The Walkmen e Wolves in the Throne Room. A escolha recai nos Beach House, nome que já por várias vezes passou por cá, mas que traz Bloom, álbum novo que não impressiona particularmente mas que tem potencial para resultar ao vivo, e que já antes deram por cá mais que um ou dois concertos memoráveis; o último foi há coisa de dois anos, no Super Bock Super Rock. Uma tenda a rebentar pelas costuras vinte minutos antes do concerto ter começado e subitamente tornava-se óbvio o culto que a banda tem hoje em dia por cá. Infelizmente, foram uma desilusão. Foi mau? Não, claro que não. Mas também não foi muito acima do mero competente. É desde logo interessante ver a forma como a postura deles mudou face a um público tão grande, falando e interagindo muito menos, e ao vivo torna-se ainda mais óbvio o quão mais fracas são as novas canções quando comparadas com as de Teen Dream, álbum absolutamente lindíssimo. Tocaram Bloom quase todo, com nenhuma dessas canções a destacar-se particularmente, e foram as antigas como “Zebra” ou “Norway” que, como se esperava, fizeram aquela hora de música valer a pena. E, efectivamente, aquilo não é música para se ouvir numa tenda cheia, alguém que os traga cá a uma sala fechada.
A seguir, a fechar a noite (pelo menos para mim), vieram os M83. Esperava-os uma multidão gigante, das maiores que esperou qualquer banda ao longo de todo o festival, e ao vivo defendem bem todo o sucesso que têm tido nos últimos anos. Palco muito bem feito (mais impressionante que o que tiveram no Lux), com projecções e um belo jogo de luz, e um alinhamento que podia ter sido melhor (pelo amor de Deus, quando é que voltam a tocar a “Kim & Jessie” e a “Don’t Save Us From the Flames?”) mas que, como seria de esperar, cumpriu com distinção. A banda toca toda ela com imensa energia, a voz de Gonzalez está em boa forma, e tocam na perfeição canções tão belas quanto épicas como “Steve McQueen” ou “We Own the Sky” (com arranjos muito diferentes que ora se adora ora se odeia). Tocaram maioritariamente músicas do mais recente disco, Hurry Up, We’re Dreaming, e não há mal nisso; afinal de contas, foi de longe um dos melhores do ano passado. Não se percebe bem o porquê de fazerem aquela cover estranha (ainda que boa) de “Fall”, dos Daft Punk, mas percebe-se, sim, o porquê de acabarem sempre com a “Couleurs”, que mais uma vez voltou a dar verdadeiras epifanias. Belíssimo ainda que algo curto concerto, duma banda que, ao que parece, não desilude. Melhor final do dia era difícil.
9 de junho
Ao terceiro dia, é tudo menos Primavera no Primavera Sound. Chuva não muito forte mas insistente, uma multidão com capas de plástico, e milhares numa fila para levantar bilhetes para os concertos da Casa da Música, que encerravam o festival no dia a seguir (algo a corrigir na próxima edição; porque não dois ou três sítios onde levantar os bilhetes, em vez de apenas um?).
Chega-se ao recinto a tempo de ver um bocado de The Right Ons, banda de rock espanhola que tocou perante pouca gente, mas com energia e empenho. Não há aqui nada de novo, mas há a testosterona de um grupo de malta jovem que toca porque gosta de o fazer e que estava claramente entusiasmada por o fazer fora do seu país. Concerto agradável.
Chovia imenso quando os Spiritualized subiram ao palco Primavera, perante uma multidão que via debaixo de chapéus-de-chuva aquele que era, indiscutivelmente, um dos concertos mais aguardados do dia. Têm em Sweet Heart Sweet Light o seu melhor disco em muito, muito tempo, e foi curioso a forma como, ainda assim, tocaram um alinhamento que se dividiu ao máximo por uma carreira de vinte anos, começando com o presente, “Hey Jane”, do mais recente disco, deu um belo início ao espectáculo, e terminando com o passado “Come Together”, do incomparável Ladies and Gentlemen We Are Floating in Space, o momento mais rock do concerto). Foram poucos os que arredaram pé, havendo até alguns corajosos que aceitaram ver o concerto debaixo da chuva sem nada a cobrir, e isso é talvez um dos maiores elogios que lhes podemos dar. Ao vivo não são talvez tão efusivos quanto alguns esperam, apostanto mais na emoção de hinos como Ladies and Gentlemen We Are Floating in Space e não tanto nas guitarradas que lá podem acrescentar. E isso é, efectivamente, a forma certa de tocar ao vivo este rock com alma, de uma banda que, mesmo com álbuns bons e maus, ao vivo se mostra numa forma exemplar. Jason Pierce tem, quer se goste quer não, uma presença em palco diferente de qualquer outra; não abre a boca, toca de lado para o público, vai sacando um solo aqui e ali da guitarra, e canta com uma voz frágil e simultaneamente forte canções que parecem saídas directamente da alma. Até “Come Together”, com todas aquelas guitarras e aquele ritmo que ao vivo vai explodindo, ganhou contornos estranhamento emotivos. Ao vivo são e não são o que esperamos deles; ou seja, são excelentes, e que grande concerto que foi, mas não da forma que se esperava.
Quando acabam, está perto da altura do outro grande nome do dia: Death Cab for Cutie, que pisam finalmente o palco em terras lusitanas. A chuva continua a cair, mas são muitos os que esperam os americanos em frente ao palco, com a clara ansiedade de quem espera por este concerto há longos anos. E esperam… e esperam, e continuam a esperar. Meia-hora depois, a banda não entrou ainda em cena, e vê-se que uma das lonas que protegia o palco caiu, inundando-o. Informa então a organização que, infelizmente, a banda não pôde esperar mais que o palco estivesse em condições e teve de continuar viagem. Facada no coração para os fãs e um cancelamento que mesmo depois do festival ter acabado ainda dói. Ainda não foi desta.
Com os Death Cab fora de cena, faz-se mudança de planos e vai-se ver I Break Horses no palco ATP (palco bem bonito, diga-se). Muitos curiosos, alguns conhecedores e uma boa surpresa. Fazem electrónica que por vezes relembra Crystal Castles, mas com um espírito muito mais melodioso, e uma beleza que se alia a beats bem criados a uma vez feminina que encanta qualquer um. É música para ouvir neste cenário: com alguns chuviscos (a chuva, felizmente, parou entretanto) e um céu cinzento. Um nome a acompanhar.
De seguida, vai-se para o palco Club para a estreia por cá de um dos hypes do momento: The Weeknd. Tenda menos cheia do que seria de esperar, mas repleta de claros fãs daquele rapaz nos seus vinte e poucos que tem uma voz francamente arrepiante. Ao vivo traz uma banda consigo e impressiona pela forma como cada canção cresce ao vivo, dando um concerto que provavelmente cumpriu as expectativas dos fãs e suplantou a dos curiosos. Canções como “High for This” ou “The Knowing” ganham em concerto uma nova dimensão, uma energia que surpreende e cativa facilmente qualquer um. E depois há, claro, aquela voz, que ao vivo mantém a perfeição que já tinha em disco. Estreia auspiciosa no nosso país, mostrando que aqui não há só hype: há mesmo talento. Resta agora esperar que volte em breve.
Depois da estreia de um, o regresso de outros. Os Kings of Convenience tinham à sua espera uma enorme multidão, claramente conhecedora e apreciadora do som calmo da dupla europeia. Foram, ao que parece, uma escolha acertada para substituir Bjork. Claro que quem gosta, gosta; quem não gosta… não gosta. Não há nada de novo no que os Kings of Convenience fazem, e conseguem até por vezes ser francamente irritantes na forma como, por mais que tentem, não têm jeito nenhum para falar com o público. Soam aborrecidos, com letras cliché, uma espécie de Simon & Garfunkel com soporíferos em cima. Singles como “Homesick” ou “I’d Rather Dance With” You foram recebidas com gritos de devoção, e provavelmente bocejos dos restantes. A meio do concerto chamam banda e o som cresce, mas soa sempre tudo demasiado parecido, mesmo quando o violinista dos Afghan Wigs entra em cena. Quem gosta, gosta; quem não gosta, certamente não sai a gostar.
A seguir, entra Saint Etienne, e subitamente parece que estamos na Eurovisão. Pop cheia de efeitos, ocasionalmente a cair para o foleiro, a relembrar uma versão má dos Pet Shop Boys. Soou divertido, ainda assim, mas os Washed Out estavam a começar. E que belo concerto que deram. É bom ver a forma como a banda de Erneste Greene cresceu, e como hoje ao vivo as canções soam tão melhor ao vivo do que soaram, por exemplo, no Milhões de Festa do ano passado. Canções como “Amor Fati” e “Soft” soam diferentes ao vivo, mas sempre simultaneamente fiéis à forma que possuem em disco, com mais camadas e mais energia em cima. São, hoje em dia, uma máquina bem-oleada que resulta muito bem ao vivo, merecedores do lugar de destaque que têm tido um pouco pelos festivais de todo o mundo. A tenda estava, mais uma vez, menos cheia do que seria de esperar, mas Greene conseguiu dar uma bela festa.
Os The XX, cabeças-de-cartaz, vieram a seguir, e actuaram perante uma enorme multidão que, claramente, ouviu várias vezes do início ao fim o único disco que têm até agora. As canções novas soaram dentro do mesmo estilo, mas foram, claro, as antigas que foram recebidas com verdadeira adoração e histerismo por parte dos presentes. Histerismo esse que acaba por prejudicar um concerto onde o minimalismo é senhor absoluto e que em festival perde em muito o impacto que teria em sala fechada. Canções como “Crystalised” ou “Infinity” são recebidas com um histerismo que vai exactamente contra aquilo que os The XX fazem em palco e em disco, prejudicando a experiência; vimos o concerto perto do palco, no meio dos fanáticos, mas devíamos tê-lo visto no topo da colina, onde a música certamente pôde ser apreciada longe dos gritos dos adoradores (e, a sério, porque é que os espanhóis falam tão alto?). Foi bom, claro, com momentos verdadeiramente hipnotizantes (“VCR”, por exemplo), ainda que com outros puramente estranhos (ao vivo assassinam a “Intro”), mas teria sido genial num ambiente muito mais íntimo. Com sorte regressam em breve, em sala fechada; ainda assim, esteve longe de ser um mau final para o último dia no Parque da Cidade do Porto.
10 de junho
E no último dia, reservado a quem comprou o passe, passamos do parque da cidade para a cidade mesmo. Foi na Casa da Música que decorreram dois dos concertos principais do festival, que encerraram com verdadeira chave-de-ouro a primeira edição do Primavera por cá.
O double-bill Olivia Tremor Control – Jeff Mangum começou com os primeiros, e foi pena que a banda tenha tocado numa sala sentada; viu-se uma verdadeira onda de rock completamente esquizofrénico e apoteótico, que pedia saltos e gritos. Ninguém se levantou, mas muitos tiveram certamente vontade. Foi um dos concertos mais estranhos do festival, e isso é um elogio. Seis pessoas em palco que vão trocando de instrumentos, tecendo um rock sem regras, que muda de ritmo do nada, transformando o concerto numa verdadeira e épica aventura para os presentes. Eram mais os curiosos que os devotos, mas deu para perceber o pequeno culto que rodeia o grupo do qual fez parte Mangum; que, aliás, se juntou à banda a certa altura para tocar uma música. Canções como “A Sleepy Company” ou “Hideaway” pertencem por si só a um género próprio, diferente de tudo o resto que passou pelo festival. Belíssimo concerto que, tendo ficado longe dos melhores do festival, proporcionou um óptimo último grande espectáculo de rock.
Com Mangum, que entrou a seguir, o ambiente mudou radicalmente. Sentia-se no ar a adoração por um homem que, para o bem e para o mal, já se tornou um ícone de toda uma geração de adoradores da música independente. Os Neutral Milk Hotel, ao que parece, foram descobertos por toda uma nova geração, e é curioso ver tantos jovens a adorar uma banda dos anos 90. “Parece um culto religioso!” diz-me um amigo meu, quando Mangum diz ao público que se pode aproximar e alguns se atrevem a subir ao palco, sentando-se ao pé do músico. Sim, é um pouco isso; um culto um pouco estranho, por vezes que parece à lambe-botas (quem ouviu bem a sua música e conhece bem Mangum, que ordena de imediato que se baixem as máquinas fotográficas e os telemóveis, jamais lhe gritaria “I love you!” ou bateria palmas ao som daquelas canções), mas que a sua música, afinal de contas, bem merece. In the Aeroplane Over the Sea é um álbum incrível, e ouvir algumas das suas músicas ao vivo é um verdadeiro luxo; ainda mais quando as podemos ouvir ali, numa sala tão ideal. A voz de Mangum é perfeitamente imperfeita, a sua aura fria mas ao mesmo tempo sorridente ajuda a criar o ambiente certo, e foi certamente um concerto que ficará na memória dos presentes; lindíssimo do início ao fim, ora negro ora inegavelmente belo. O que aquele homem faz com apenas a sua voz e a sua guitarra é de uma fragilidade e de uma imponência inexplicável, com canções como “Oh Comely” ou a grande “Naomi” a acertar em cheio no coração, tocadas duma forma que é, efectivamente, a mais correcta para as ouvir. Foi um daqueles concertos que, mais que um concerto, se assume também como uma experiência (algo muito raro). As lágrimas misturaram-se com sorrisos e melhor final para o festival era difícil.
No final, mesmo com cancelamentos e alguns pequenos problemas de organização, o saldo é francamente positivo. Com um público maioritariamente estrangeiro, o Optimus Primavera Sound veio ao Porto e mostrou bem o porquê de ser marca de qualidade dentro do mundo dos festivais de Verão. Para o ano, está de regresso à Invicta e nós lá estaremos mais uma vez.
{artsexylightbox path="images/stories/Reportagens/OptimusPrimaveraSound_-_2012" previewWidth="100" previewHeight="100" sort="asc" color="new_black" carousel="true" carousel_visible="8"}{/artsexylightbox}
-
quarta-feira, 26 junho 2013