Reportagem Rock in Rio Lisboa - 19 e 20 de Maio 2016
À sétima edição lisboeta, o festival de Roberto Medina regressa ao Parque da Bela Vista na vertente que lhe reconhecemos deste início: um espaço de entretenimento comercial, direcionado a “toda a família”, onde a música coexiste com um sem número de outras formas de ocupar o tempo. Algures entre um parque de diversões e uma arena quase ideal para concertos ao ar livre, o Rock in Rio tem vindo a habituar-nos a cartazes preenchidos com bandas de renome e de popularidade plena. Nesta edição, Bruce Springsteen e Queen (ou o que se si resta) tornaram-se facilmente os nomes mais convidativos para o grande público. Aproximadamente 70 mil pessoas estiveram presentes em cada um dos dois primeiros dias de festival.
19 de Maio
A multidão começou a juntar-se cedo em frente ao Palco Mundo - assim exige a devoção por Bruce Springsteen. Em conjunto com a sua E Street Band, subiria a palco pelas 23h45 para nos justificar presencialmente o porquê do seu estatuto enquanto um dos maiores ícones da música popular do séc. XX. Perante um cabeça-de-cartaz com esta imponência, tudo o que lhe antecede adquire uma aura de banda de abertura: os Stereophonics foram a primeira banda a pisar o Palco Mundo e apesar de uma carreira com quase 25 anos, ainda têm muito por fazer. Ainda indecisos quanto à direção que mais os favorece, a banda de Kelly Jones apostou num alinhamento onde a ausência de personalidade criativa própria tentou ser compensada com um manancial de som onde quase tudo se fez caber, sempre com um enquadramento pop-rock. Momentos de shoegaze (muito) domesticado coexistiriam no alinhamento lado a lado com espasmos de brit-pop - foram estas algumas das estratégias para a conquista de um público já numeroso que nunca aconteceu por completo.
Ao mesmo tempo, no palco Vodafone – o dito “segundo palco” do Rock in Rio – os Black Lips estiveram responsáveis pelo desafio de entreter uma plateia que claramente não era a deles. Foi a 5ª passagem da banda americana por Portugal, ainda assim terá sido esta a sua actuação mais desafiante: tanto em Paredes de Coura (2014) como no Primavera Sound (2012) foram recebidos por uma multidão de fãs fervorosos e bem capazes de retribuir a energia do rock de garagem de canções como “Sea of Blasphemy” ou, evidentemente, “Bad Kids”. Na Bela Vista, a plateia de curiosos com pouca paciência para os Stereophnics oscilava entre a apatia e o ceticismo. No final, veio a cedência: na realidade, o concerto de Black Lips tornou-se a boa surpresa deste primeiro dia de festival. Ao fim de alguns minutos, torna-se difícil resistir à vertente de Verão do punk (ou pop de guitarra em punho?) que se fez ouvir por aqui. Muito do que se escuta é na realidade matriz original de bandas como os Wavves, na sua forma original, o que dá azo a uma postura bem informal, potenciada pela troca de rolos de papel higiénico entre banda e público. O festim da noite.
Com o recinto cada vez mais preenchido, o trajeto entre palcos dificulta-se, o que garante alguns instantes para algumas considerações sobre o meio envolvente: a presença descaradamente agressiva de marcas por todo o recinto, bem como a quantidade de pessoas que se dedicam a um incessante caça a brindes deixa a nu o cunho comercial que é apanágio do Rock in Rio e que felizmente nunca adquire este tipo de magnitude nos restantes festivais que acontecem em Portugal.
Ao mesmo tempo que os Xutos & Pontapés pisam o palco principal para mais um concerto assente nos sucessos habituais, Fandango tomam posse de uma tenda eletrónica pouco povoada, mas expectante para a fusão entre percussão digital, guitarra portuguesa e acordeão. O resultado é – tal como assistimos no Lisb_On do ano passado – uma mescla eletrónica incomum, mas com músculo suficiente para convencer os poucos presentes. De seguida, os Psychemagik inauguravam o seu set com uma remistura de “Feel Up” de Grace Jones. Até regressarmos ao Palco Mundo, foi por aqui que dançámos ao som de excelentes dinâmicas rítmicas entre graves, tendências electro ou mesmo industriais.
Sendo a principal atração da noite, Bruce Springsteen tinha a noite conquistada como sua à partida. Um concerto que se antecipava centrado em “The River” pela sua recente reedição, acabou por incluir no seu alinhamento uma predominância de faixas originárias de “Born in the USA”, “Born to Run” e “Darkness at the Edge of Town”. Iniciando o concerto com “Badlands”, o ritmo é quase fulminante, tal como a forma acelerada com que “No Surrender” e “My Love Will Not Let You Down” são apresentadas. Solos de bateria e de guitarra à parte, tornou-se intuitivo o facto de que diante de nós atuava um dos símbolos que melhor representa a vertente descomplexada e com poucas pretensões do rock americano. Entre momentos mais melódicos como “Darkness on the Edge of Town”, o recuperar de “Because the Night” e o final acústico com “This Hard Land”, a sensação de satisfação perdura após as duas horas e meia de concerto.
20 de Maio
Foi durante o lusco-fusco que Fergie de tudo tentou para justificar a sua presença no Palco Mundo. A voz dos Black Eyed Peas, cujo único longa-duração a solo data de 2006, atuou com base num alinhamento constituindo pelos seus singles de maior sucesso e versões variadas (de Led Zeppelin a Rolling Stones). Na última meia hora, um extenso medley conseguiu incluir porções dos sucessos dos Black Eyed Peas (e David Guetta) onde a voz de Fergie ganha uma proeminência especial. Festivo, sem dúvida, mas quantas outras personalidades da música pop atual poderiam ter tido o dobro do impacto?
Por sua vez, reconhecíamos Mika de concertos anteriores, onde a cor e o elemento festivo estavam sempre presentes em palco, numa comunhão partilhada entre o artista e a banda que o acompanha. Desta vez, encontrámo-lo mais isolado, com um foco de luz sempre apontado a si, enquanto se movimenta pelo palco com uma linguagem corporal rica em trejeitos bowieanos. Algo problemática será a ausência de um repertório forte – para uma atuação neste palco, torna-se favorável a existência de um repertório onde singles de sucesso abundem. ”Big Girl”, “Grace Kelly”, “Relax” e “Love Today” esgotam essa lista para Mika, o que é pena: nele conseguimos reconhecer uma capacidade atípica de artista de palco, porém, faltam canções que sobrevivam para além dos seus refrães.
Tal como no dia anterior, o cabeça-de-cartaz teve o seu período criativo mais fértil numa época já ida. No caso dos Queen, foi durante os anos 70 que editaram peças-fundamentais para a cultura pop como a conhecemos atualmente: discos como “A Night at the Opera” ou “A Day at the Races” trouxeram na sua época uma versatilidade inédita a um panorama musical aborrecidamente masculino. E esse mérito em muito se deve a Freddie Mercury enquanto detentor de um dos aparelhos vocais mais eficientes na música rock, e a Brian May, pela virtuosidade da guitarra. Ambos partilham créditos de escrita no que diz respeito aos principais sucessos da banda. Brian May e Roger Taylor são os únicos membros originais da banda e contam agora com Adam Lambert como vocalista principal para digressões. A proposta tem tanto de tributo como de diversão nostálgica: canções que se tornaram mundialmente conhecidas têm poucas probabilidades de falhar perante uma plateia de perder de vista como a que encheu o recinto do Rock in Rio nesta noite. E se Freddie é insubstituível, Adam Lambert deu o seu melhor com resultados honrosos em “Somebody to Love” e “Another One Bites the Dust”. Porém, o atraso de meia hora conjugado com as primeiras canções do alinhamento não serem exatamente familiares a todo o público presente, gerou algum desconforto, por fim apaziguado com “I Want to Break Free”. Já no encore, o propósito foi claro: “Radio Ga Ga”, “We Will Rock You” e “We Are the Champions” tiveram o objectivo evidente de salientar o carácter vitorioso que a música dos Queen sempre teve. Não que alguém se tivesse esquecido. Contando com várias sequências audiovisuais nas quais Freddie ainda figurava – e cantava – houve ainda espaço para uma invocação merecida de Bowie aquando “Under Pressure”. São de facto uma banda lendária, com um apelo quase transversal: algo que de resto resulta de uma carreira sólida e de uma escrita ímpar de canções. Uma homenagem a Freddie ou uma banda a fazer versões do passado; independentemente da abordagem, a noite foi para eles uma vitória.
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domingo, 05 junho 2016