Reportagem SWR Barroselas Metalfest XIX
O metal regressa sempre a pacata vila do Barroselas. Trazendo consigo inúmeras bandas de peso de renome, e estreias absolutas em Portugal. Indo já na sua 19ª edição, o festival não parece abrandar, nem decair em qualidade. O resultado está à vista, pegando na grande maioria dos festivaleiros que nele comparecem, o consenso é uniforme; O Barroselas já é uma segunda casa para muitos, uma maneira de escapar ao mundano das nossas vidas.
Realizando-se sempre algures no mês de Abril, calha fora da “época”, no entanto é essa uma das suas vantagens. Não tendo propriamente concorrentes é um festival que porventura está muito bem posicionado. Embora não tenha uma dimensão de um internacional, certamente o é, pois o público presente é muito variado, desde malta da Galiza ate os mais aventureiros dos países do Leste.
Organizado pelos irmãos Veiga, já desde o longínquo 1998, demora um ano inteiro a ser posto em prática. É certamente uma paixão. Pôs a vila no mapa e agora serve também como um mobilizador para o turismo local. Juntar o útil ao agradável. Mas vamos ao que interessa.
Dia 1
Munidos do livrinho oficial, o “official battle codex” que nos guia pelo alinhamento e contém informações necessárias para sabermos o que vamos encontrar pelo recinto e arredores. Desde actividades paralelas no confortável SWR cafe, Meet & greets, caças ao “tesouro”, Metal Karaoke, o já famoso Brutal Soccer, entre outros.
Embora o festival, tenha oficialmente começado na sexta, dia 22, existe sempre o dia 0 para aqueles que já não tem paciência para a rotina. De entrada livre, opera no palco grátis, o SWR Arena. Dando a conhecer projectos nacionais bem interessantes como por exemplo os Plus Ultra, Mindtaker e Monolyth, que tem possibilidade de “competir” por uma oportunidade de tocar no mítico Wacken.
O dia 1 trouxe sem dúvida uma vaga de projectos curiosos. Tais como os Naðra e Misthyrming. Ambos da Islândia, que está a posicionar-se como um expoente mundial de black metal bastante único. Os Noruegueses Taake, que voltam para nos dar novamente uma tareia, depois de uma actuação brutal em 2011. Os lendários Ingleses, Doom que estreiam-se em Barroselas. E uma actuação surpresa, para preencher o lugar vazio que os Aborted deixaram após cancelarem a sua passagem muito em cima da hora.
Chuva miudinha deu o mote ao início dos concertos na Arena cá fora, enquanto ainda se via muita gente a chegar e montar as tendas. Mas já dentro do recinto, mais tarde se iniciava um ritual. Com os nacionais Lux Ferre, a apresentarem o seu novo trabalho “Excaecatio Lux Veritatis”, um dos álbuns mais interessantes do ano passado. A actuação sofreu por causa de um som bastante embrulhado, porém isso não afastou os fãs mais acérrimos.
Naðra tiveram a honra de ser a primeira banda internacional a incendiar o palco 2, intitulado engenhosamente de LOU! Dungeon. Com um a abordagem muito mais melódica do que a sua banda “irma”, também não tiveram grande sorte no som, no entanto foi um concerto super competente de um projecto jovem, que lançou o seu primeiro longa-duração este ano, “Allir vegir til glötunar”. Por entre riffs caóticos, gélidos os Islandeses conseguiram captar bem o isolamento do seu país com o resto do mundo, para bem e para o mal. Criando assim uma atmosfera densa e com pormenores interessantes que só pecaram pela alguma fraca legibilidade com a imensa parede sonora que nos ia tormentando, quase que sufocando.
Chegara então a hora para espreitar que banda surpresa nos seria desvendada. Nada mais que os Sinistro, banda Lisboeta que tem vindo a receber bastante reconhecimento, tendo tocado no estrangeiro precisamente nesta sua tour. Vindos do Roadburn, alojaram-se no palco principal e não defraudaram. Com o seu som bastante específico, agora com voz da Patrícia Andrade como membro permanente. Seguindo a sua evolução natural desde a colaboração “Cidade”. Apostaram mais no recém lançado “Semente”. Provaram ser um projecto interessante a ter em conta.
Os Taake, repetentes no Barroselas, eram uma das mais aguardadas bandas neste dia. Hoest, líder espiritual e um frontman contagiante abriu o concerto com um pontapé de saída, embora para o ar, e a energia já se sentia logo no primeiro som “Nordbundet” do aclamado “Noregs vaapen”. O grupo não fez questão de abrandar, tocando clássicos como Nattestid ou os épicos “Doedskvad”. Uma aura de negritude ia caindo sobre os presentes. Oscilando entre sons mais agressivos e movimentados para passagens mais lentas, “Umenneske”, um dos temas mais famosos do grupo deixou um rasto de destruição sonora e satisfação nos rostos dos que a presenciavam. Definitivamente um dos pontos altos do dia.
Que os Doom são uma das bandas que mais ajudou a criação do já acostumado género de crust punk ou de sons mais extremos não existe dúvida. Mas vê-los ao vivo traz sempre um sorriso. Tal é a devastação e agressividade primordial que o grupo transmite. Aliciando todos para um autentico motim quer seja no mosh ou no stage-dive o seu ponto forte recai nessa energia que só se sente no corpo ao vivo. Desde clássicos petardos como “Police Bastard” ou a “Means to an End”, guitarras a rugir e uma bateria que não parava de debitar agressividade durante quase uma hora de celebração de liberdade, quer seja musical ou ideológica. O público não cedia também, juntando-se assim para um festejo colectivo, dentro e fora do palco.
Seguiam-se os Misthyrming, com alguma ânsia por parte do público. Assistir a um dos projectos mais interessantes no actual panorama de black metal em solo nacional pode-se considerar uma regalia. Focando-se no “Söngvar elds og óreiðu”, por agora único álbum, estes quatro jovens provaram que esta sonoridade esta de boa saúde e a progredir conforme necessário. Continuando com a toada negra que os Naðra nos deixaram, mas mesmo assim elevando a fasquia com a intensidade que por vezes era estonteante. A atmosfera negra e assombrosa criava momentos bastante únicos e certamente dissuadiu aqueles que pensavam que o grupo apenas se tratava de hype por parte das editoras ou os próprios fãs.Embora ninguém se tenha defraudado com o testemunhado, as expectativas estavam altas demais, e com o som a não cooperar, a banda saiu um tanto prejudicada mas mesmo assim conseguiram focar-se no seu objectivo e dar um dos concertos mais interessantes desse palco.
Para acabar o dia, nada melhor do que dois nomes de peso e com preponderância. Os Vaee Solis e Scum Liquor. Dois opostos mas que caíram que nem ginjas. Vaee Solis a praticar um som pesado e arrastado, com contornos de doom e black, deram-nos a conhecer melhor o seu álbum de estreia Adversarial Light, lançado pela Signal Rex.
E para finalizar os Scum Liquor com o seu auto denominado rock’n roll do esgoto. Um som cru e de partir para a porrada, mas com sabor a álcool e ressaca que se avizinhava já no dia seguinte.
Dia 2
Depois de uma noite de alguma chuva, finalmente o tempo se posicionou no sol, e manteve-se assim durante os restantes dias. Apanhando muitos de surpresa, até a própria organização que construiu uma tenda extra na zona da restauração. Com as energias renovadas, seguia-se outro grande dia com um line-up diversificado.
Os veteranos Decayed, que renovaram a formação já faz algum tempo, estão mais coesos que nunca e a prova disso é a ardente actuação, com Nocturnus Horrendus na bateria incentivando o culto e Vulturius encarregue dos vocais, não deixou ninguém ficar indiferente. Não esquecer “Blasphemer” dos Sodom, bom pormenor.
Usnea, estreia absoluta em Portugal, trouxe consigo uma abordagem bastante refrescante ao rotulo doom. Banda de Portland, Estados Unidos, claramente sabe acarretar as suas influencias norte-americanas. Mas sem se comprometer, usam as suas raízes para precisamente trazer alguma novidade e um timbre único para a sua música. Lento mas com um compasso alertante, juntando gritos rasgados, foi uma das actuações mais sombrias do dia mas também das mais curtas. Roçando os 30 minutos, o set recaiu para o álbum “Random Cosmic Violence”.
Monolord, no entanto, gozaram de uma atuação bastante comprida no palco principal. Sendo um trio da Suécia, influenciados pelos grandes nomes do stoner doom como os Sleep e Electric Wizard, concentraram-se na repetição e uso exacerbado dos graves. Criando assim uma camada de som gritante. Embora tenham tido um problema no baixo logo na primeira parte do concerto, conseguiram transpor bem o seu ultimo álbum Vænir para um cenário ao vivo. Pecando talvez por não variarem e não saírem mais da sua zona do conforto.
Um dos cabeças de cartaz, os também Suecos Marduk voltaram a Portugal para apresentar o seu mais recente trabalho, intitulado “Frontschwein”. Iniciando precisamente com a faixa título e seguindo de “The Blond Beast” e percorrendo alguns dos seus temas menos tocados. Com Mortuus a ser o membro que mais puxava pelo público, não deixou de ser um desfilar de temas macabros só como os Marduk sabem fazer. Faltaram apenas alguns dos clássicos aos quais os fãs estão mais acostumados. E talvez uma postura de maior entusiasmo, mas entende-se, as tours exaustivas esgotam qualquer um.
Inverloch, banda Australiana que se formou a partir das cinzas dos míticos Disembowelment, veio pela primeira vez mostrar o que andam a fazer nos dias de hoje, e com boa confiança pode-se dizer que é inspirado. Nota-se o gosto de estar em palco e vontade de tocar. O alinhamento recaiu para o recém editado “Distance / Collapsed” e alguns temas do EP “Dusk”.
Grave trouxeram consigo um rajada sonante de death metal feito à maneira antiga, que pôs o público ao rubro. Resultando num dos concertos mais movimentados e de maior ânimo do dia. Fascinados com a morte, como o nome indica, não deixaram acontecer nenhum momento entediante, ao cuspir-nos em cima clássicos como “And here I die” que relembra algumas influências de Bolt Thrower. E a pujante “Into the Grave” que rebentou num mosh espetacular. Felizmente Ola Lindgren e companhia tem esta máquina chamada Grave, bem oleada mesmo passado tantos anos, desde o seu primeiro lançamento nos inícios dos anos 90.
Os Belgas Possession encarregaram-se de nós proporcionar um ritual de black/death metal que foi asfixiante e ao mesmo tempo energético. Grande densidade nos temas, viam-se muitos punhos cerrados no ar quase num tom de cerimonia demente. Nem a propósito a “Ceremony” tirada do EP 1585-1646 foi o culminar de êxtase sonoro que se presenciava.
Entretanto no palco principal os Spasm evocar um “Obscene Extreme” em escala menor mas tão igualmente hilariante e movimentado. Igualando os Gutalax no ano passado. Houve de tudo, muito humor e comportamento javardolas. Enfim, como só os Checos sabem. E para acabar em beleza e na mesma veia, embora menos brincalhona os Gorgasmico Pornoblastoma deram um grande baile a quem ninguém resistiu.
Dia 3
Último dia do festival é sempre o mais divertido e o mais melancólico. (Para aqueles que se lembram dele). Pois, começa-se a sentir o cansaço e a sensação de que amanha vai ser um dia “normal” outra vez. Mesmo assim isso não desanima as almas que Barroselas acolhe e muitos entram no modo de “tudo ou nada”. O que proporciona histórias engraçadas para mais tarde recordar.
Hey Colossus abriram o apetite espectacularmente, embora pareciam uma das bandas mais deslocadas para um festival deste género, foram uma óptima aposta. Com toques de algum krautrock viciante, sob o calor que se fazia sentir é de louvar a energia da sua prestação. Certamente ganharam mais fãs portugueses.
Os nacionais Infra, que o ano passado lançaram o excelente EP “Initiation on the Ordeals of Lower Vibrations” proporcionaram um concerto muito completo e competente, ornamentado de velas e de todo o imaginário ritualista. O que acabou ser uma perfeita transição para os Valkyrja que vinham a seguir.
Na veia de uns Dissection ou mais recentes Watain, os Valkyrja não se afastam muito dos nomes já mencionados, contudo é interessante ver o que se traz a mesa, pelo menos no formato ao vivo. E de facto não se pode por culpas em ninguém. O que fazem, fazem-no bem e com extremo profissionalismo. Músicas como “Laments of the Destroyed” mostram uma veia mais dinâmica do grupo. Há espaço para respirar e toda a atmosfera envolvente é culminada num som bastante coeso com riffs maquiavélicos que nós transportam para o universo macabro do grupo.
Serrabulho já é sinónimo de festa garantida. Com a sua famosa “rave party”, tocaram temas do novo registo “Star Whores” como também os já clássicos “Quero cagar e não posso”. Meteram a plateia toda a mexer-se. Gente imparável na linha da frente a recitar todas as letras, marcantes sem dúvida. Dando um pé de dança ao mesmo tempo, alguns vestidos de abelhas, outros com bonés helicóptero. Neste género de coisas o céu é o limite, e a criatividade e boa disposição reina.
Severe Torture trouxeram até nós o seu brutal death metal, tocado na perfeição e com grande pujança. Certamente para aqueles que os seguem com assiduidade sabem perfeitamente que estes rapazes da Holanda não brincam em serviço e como tal, isso transparece num dos concertos mais robustos e possantes dentro do género, no festival. Grande destaque para a “Mutilation of the Flesh” que mexeu bastante com o público.
Os Finlandeses Archgoat foram donos de um set curto mas conciso. Cheio de lodo e ritualismo de profanação do sagrado. Foi aqui que aconteceu um dos momentos mais marcantes desta edição. Alguém incendiou e colocou uma bíblia directamente no palco. Pela ferocidade da actuação, a banda parece ter apreciado o “gesto”. Vieram essencialmente apresentar o seu recente “The Apocalyptic Triumphator”. Perturbadores, caóticos e lamacentos, a sua aparição pode-se resumir em três palavras; “Nuns, Cunts and Darkness”.
Jucifer a regressar ao SWR pela 3ª vez, depois de dois concertões fenomenais. Nada mais, nada menos para uma outra carga de porrada sonora, embora não com a quantidade famosa de amplificadores que costumam usar no continente doutro lado do mundo. Resultando portanto, sempre, numa “wall of sound” ora voraz pela sua velocidade, ora pela sua lentidão e esmagamento de ouvidos, com os graves e riffs da Amber Valentine, em conjunto com o seu companheiro Edgar Livengood que dá cabo das baquetas e da própria bateria. Resultado está a vista, um amalgamento de sons extremos e brutos que nós fazem vibrar os tímpanos. Não é de todo para todos nem para aqueles que tem medo.
Veteranos norte-americanos Incantation regressaram finalmente após terem tocado neste festival essencialmente 11 anos antes. E neste caso a idade não parece interessar ao grupo nem ao John McEntee, que após estes anos todos continuam indiscriminadamente a dilacerar tudo a sua frente. Faz falta ouvir temas do “Golgotha” ao vivo. Passando por temas da fase mais moderna como “Oath of Armageddon” do “Decimate Christendom”. Barroselas é dos poucos sítios que tem a sorte de receber esta banda mítica pela segunda vez. Que traduz já varias gerações de ouvintes e fãs de música extrema.
Depois da bela castanhada dos Incantation, nada melhor que os Ingleses Conan para acalmar os ânimos. Nome inspirado no famoso bárbaro, tal como as letras a retratar o modo de vida depravado e violento de outros tempos. Se já os temas do “Monnos” soavam excelentes ao vivo, as novas malhas do “Revengeance” são ainda mais destruidoras. Para quem os chegou a apanhar no Amplifest, esta foi uma oportunidade de reviver uma das melhores bandas do género actualmente. E para aqueles que pensavam que o concerto iria ser uma monotonia, enganem-se. Foi um ritual catártico. Do mais pujante e hipnótico possível. Por entre as batidas fortíssimas, um baixo que chega aos purgatórios a sete palmos de terra. A guitarra monolítica de Jon Davis, esmaga tudo a sua frente. Tal como um bárbaro, sem piedade nem remorso.
Violator fecharam o festival com a chave de ouro. Thrash à Barroselas. Parece que todas as forças que restavam foram distribuídas a torto e a direito pelo mosh pit que se formou ao longo de sensivelmente todas as músicas do grupo Brasileiro. “Bem-vindos ao pesadelo nuclear” gritava o vocalista. Seguia-se a óbvia “Atomic Nightmare”. Certamente nada de novo do género mas a esta hora da noite não se pedia outra coisa senão uma destruição maciça dos pés e do corpo.
E estava acabado assim, o festival este ano, pelo menos nas arenas principais. Pois a finalizar a noite estavam encarregues os Miss Lava e Simbiose. Mas mesmo depois do rock deslavado e da descarga grind/crust de ambos os grupos Lisboetas, sentia-se um sabor agridoce no ar.
No entanto, muitos ainda arranjaram forças e foram até o SWR cafe para uma noite de metal karaoke até as tantas da madrugada. Eis o espírito do festival, sobreviver até ao próprio velório.
Para o ano há mais, e com um aniversariante. Barroselas completa 20 anos.
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terça-feira, 17 maio 2016