Reportagem SWR Barroselas Metalfest XVI
Filipe Adão
Dezasseis anos de Barroselas dão para muitas histórias. Infelizmente, não pudemos estar presentes em todas as edições, mas de uma coisa não restam dúvidas: a qualidade consistente dos cartazes e o espírito de camaradagem metaleira que parece singrar pelo Alto Minho são difíceis de igualar.
Acabados de chegar à festa, sabemos que Utopium ganharam o dia zero, os Besta asseguraram um lugar honroso no pódio do estrilho, e que há novidades que ninguém quer revelar, um sussurro na floresta que acabaria por ser varrida a toque de vendaval.
Tendinhas montadas, geleiras cheias, algodão nos ouvidos (ou não). Check.
Ora então vamos lá.
Quinta – dia 25 de abril
Dos três dias do núcleo duro do SWR deste ano, o primeiro foi marcado pela homogeneidade no cartaz. Com as honrosas excepções de Agalloch e Cryptopsy, as restantes propostas despertavam apetites diversos, mas sem haver um grande pólo de atracção. Nada contra: nestas circunstâncias não raras vezes se encontram bandas para a vida.
Na estreia do palco 2 estiveram os italianos The Way Of Purity, repetentes em Portugal, com a sua mistura pujante de vários subgéneros mais ou menos ligados ao metal extremo. Seguiu-se uma das bandas que mais curiosidade suscitava à partida: os britânicos Fen. O black metal serpenteante e cheio de lições aprendidas na (boa) escola do post-rock europeu soa algo despido na abordagem ao vivo, ficando sobretudo a competência técnica e as interessantes texturas de guitarra. A demonstração técnica (desta vez na vertente death metal) não ficou por ai no palco principal, sendo que os Decrepit Birth foram dignos herdeiros da banda a que prestaram homenagem com a cover de “Crystal Mountain”. Seguiram-se os norte-americanos Cattle Decapitation, que pregaram durante meia hora sobre como as vaquinhas e outras criaturas de Deus um dia terão a sua vingança.
Pouco depois, no palco 3, actuaram os portugueses A Tree Of Signs. Com formação renovada (saída de V-Kaos nos teclados e voz, e entrada de Ricardo Remédio e Diana Piedade – sim, ela mesmo – para os respectivos lugares) apresentaram o primeiro trabalho, já com várias incursões a material mais recente. Entre rimshots potentes, linhas orelhudas de baixo e a hipnotizante presença da nova vocalista, ATS destacou-se pela identidade cada vez mais vincada, não obstante as mudanças de line-up.
As propostas de sonoridade bem própria continuaram mais tarde com uma das grandes atracções do festival: Agalloch. Os norte-americanos viajaram e fizeram viajar por entre uma atmosfera bucólica e passagens doomescas de grande intensidade que se complementaram na perfeição.
Visualmente afastados de forma dramática (alguns disseram Village People, nós preferimos Blue Oyster Bar) mas trilhando também caminhos ligados ao post-metal, a maior surpresa do primeiro dia do festival foi sem dúvida Heirs. Com uma assistência reduzida, a que também se deveu a sobreposição parcial com Cryptopsy, os australianos encarregaram-se de desfazer cada centímetro do palco 3 com o ataque duplo das suas Fender Jaguar. Entre feedback no limiar do suportável, temas a arrastar a asa ao Shoegaze e malhas poderosas saídas do melhor catálogo dos Neurosis, o impacto foi total. No palco dos grandes, os canadianos contentavam-se em fazer desfilar temas de “Whisper Supremacy” e de álbuns mais recentes. Muita técnica, pouca uva.
A encerrar o primeiro dia estiveram os locais Killimanjaro, cujos electrificantes riffs ainda conseguiram reavivar a madrugada.
Sexta – dia 26 de abril
Após uma animada partida no campo do Barroselas que opôs a equipa local à de Cerveira no escalão “Traquinas”, o segundo dia apresentou duas propostas no campo do black metal que não podiam estar mais distantes: Belphegor e Urfaust. Os primeiros apresentaram-se no palco 1 com uma toada sempre veloz, onde a frieza do seu black metalfoi intercalada com momentos de pendor mais tecnicista e ligados a um death metal mais obscuro.
Os holandeses Urfaust, por seu turno, eram uma das cartas fora do baralho, embora no bom naipe da organização do SWR. Pela sua abordagem original ao género, e também pela estreia em palcos lusos, eram um dos nomes mais referidos pela curiosidade que despertavam. A atmosfera que criaram no palco 2 foi das mais intensas e densas desta edição do festival. O minimalismo como bandeira foi complementado pela arrepiante voz de IX e não defraudou, com uma actuação a contemplar vários momentos da carreira da banda que este ano comemora a passagem da primeira década.
Depois dos holandeses, o momento mais esperado pela generalidade: Pentagram. Com quarenta e tal anos retalhados de carreira e peripécias para sete vidas, os americanos liderados pelo lendário Bobby Liebling,mostraram que ainda têm muito para dar, pelo menos ao vivo. Clássicos como
“Day of Reckoning”, “Relentless” e “Be Forewarned” fizeram as delícias tanto da comitiva da ganga como do cabedal.
Da tarde, ainda com os gritos de incentivo das soccer-moms a tinirem nos nossos ouvidos, destacamos os portugueses Hellcharge (bons covers de L7 e GG Allin) e Raw Decimating Brutality, que animaram o palco 3 com hinos como “Tenho um Calhau no Meu Quintal”.
Sábado – dia 27 de abril
O terceiro e último dia de concertos foi marcado pelo cancelamento de Antaeus, que levou a mudanças no horário. Os motivos de interesse, no entanto, mantiveram-se, logo a começar com a boa disposição canabinóide dos grinders mexicanos Piraña.
Os galegos Balmog fizeram nova visita a Portugal e trouxeram a devastação com uma cada vez mais interessante e refinada abordagem à escola norueguesa de Black Metal. A toada de elegância na brutalidade aprofundou-se com Secrets Of The Moon. O ritual dos alemães teve vários momentos de clímax e constituiu uma das grandes apostas do último dia, tendo deambulado por vários momentos de uma discografia que tem tanto de bipolar como de rica.
No entanto, o destaque maior jogou em casa. Os barcelenses Black Bombaim provaram (desnecessária mas brilhantemente) que continuam uma ascensão absolutamente imparável rumo a um patamar de qualidade já nada contido pelas fronteiras de onde saíram. Desde a frenética viagem do baixo, à corrida entre o tudo e o nada dos riffs psicadélicos que saíam disparados das 6 cordas e, claro, ao estalo de uma tarola de outro planeta, nada faltou (a não ser um pouco mais de tempo na actuação) enquanto demonstração de excelência do trio. Consensual.
A melhor banda portuguesa do momento foi interrompida pelo revivalismo dos Possessed, que, afinal, inventaram “a coisa”, e lá vieram os clássicos cantados a uma só voz dos dias de “Seven Churches” e “Beyond the Gates”, só rivalizados pelo coro afinadinho que se viu uma hora antes em palco, com os veteranos Manilla Road. Depois de anunciarem Mata-Ratos como a “banda surpresa” do festival, já tudo parecia perdido neste cair de pano, não fosse a intromissão providencial dos colombianos Internal Suffering, que nos lembraram com o seu estrebucho a razão por que estávamos ali. Um dia acabamos todos a fazer tijolo.
Mais uma vez, os nossos parabéns à organização e ao “Pérola do Neiva” por continuar a servir o melhor bagaço de todos os tempos.
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Organização:SWR Inc.
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sábado, 20 dezembro 2014