Reportagem SWR Barroselas Metalfest
Há vários tipos de festivais, mas talvez possamos dividi-los em dois grandes grupos: aqueles em que vamos lá porque estamos de férias – e até gostamos de uma banda ou outra –, e aqueles que nos fazem faltar ao trabalho, arrumar a trouxa, limpar o pó à t-shirt da melhor banda de todas, ficar empanados na A-28, mergulhar no submundo do mercado de reboques e carros alugados de Vila do Conde, e finalmente retomar a estrada, só para lá estar.
Este é o caso inequívoco do SWR Barroselas Metalfest, que em 12 edições já reuniu um quadro de honra impressionante de “mestres da siderurgia”, onde figuraram nomes como The Haunted, Sodom, Enslaved, Brujeria e os próprios senhores do caos, Napalm Death. As treze velas orgulhosamente cravadas no bolo de aniversário não deixam margem para dúvidas: é um número de sorte para os seguidores do evento.
Sexta – 31
Com a desilusão que foi o cancelamento dos sludgers Sourvein, coube aos Archgoat, veteranos finlandeses do death/black, o primeiro grande momento de 6º feira. Riffs demoníacos e palavras de ordem, a fazer lembrar os bons tempos dos Deicide. No segundo palco, os americanos Jucifer planeavam um ataque duplo que iria ensurdecer a comitiva. Cada vez mais frequentemente, assiste-se a esta “economia” de recursos que privilegia o uso de apenas dois instrumentos, neste caso guitarra e bateria, suficientes só por si para atingir uma fórmula eficaz. Foi o que fizeram os Jucifer, dependendo unicamente da habilidade e do poder decibélico para apresentar um bom set, pecando talvez apenas pelo excesso de estilos musicais que misturam no caldeirão.
Hora para os senhores da noite, os nova-iorquinos Immolation, regressarem a Portugal com o novo álbum “Majesty and Decay”. Bem recebido pelo público, arrebanhado na maior enchente da noite, o quarteto retribuiu com o seu death técnico, revisitando clássicos como “Hope and Horror”, “Unholy Cult” e “Swarm of Terror”.
Na tenda P-Jam, Dark Sombra e Grayceon vão dando o ambiente para o último grande momento da noite. Depois dos Celtic Frost e dos Hellhammer, Tom G. Warrior apresenta Triptykon, uma versão mais doomy de si próprio, numa actuação que equilibrou o álbum de estreia “Eparistera Daimones” com músicas de outros tempos, como “Procreation of the Wicked” e “Circle of the Tyrants”. Final em beleza, portanto.
Sábado – Dia da espiga
Sábado começou mais solarengo, mas com uma sequência bem “negra” de bandas de abertura, das quais se destacaram os portugueses Decrepidemic e Morte Incandescente, estes últimos com um black & roll que resulta surpreendentemente bem ao vivo. No campo internacional, os espanhóis Nashgul e os ingleses Mithras (nome que deu azo a uma série de trocadilhos), pulverizaram o público com doses massivas death-grind, proporcionando alguns dos momentos mais violentos do dia.
Os suecos General Surgery e os seus clichés gore não terão convencido totalmente o público, mais interessado nos seus compatriotas Vomitory. Com 20 anos de carreira e já uma larga legião de seguidores, apresentaram sem surpresas temas do consensual “Blood Rapture” e do mais recente “Carnage Euphoria”. Em palcos alternados, os franceses Celeste e os noruegueses Aura Noir, ambos praticando um black-metal inspirado, com tendências mais thrash e hardcore, abriam o apetite para o gigante da noite.
Será justo dizer que 99% dos músicos que actuam neste festival terão, a dado ponto da vida, dissecado ao milímetro qualquer um dos álbuns de Kreator. Logo à entrada dos alemães, é fácil perceber porquê. Mais de duas décadas de thrash puro e duro, com os riffs que deixaram a matriz para várias gerações de bandas, pesam bem na experiência em palco. E os Kreator ganham igualmente nos refrães. O público, que em dois dias, praticamente não fizera mais do que sacudir o esqueleto ou hastear o indicador e o mindinho, não se cansa de gritar: “Pleasure to Kill”, “Coma of Souls”, “Enemy of God”, “Hordes of Chaos”, todos temas-título entoados em tom de celebração por estes 25 anos.
Tempo ainda para os Haemorrhage (goregrind de nuestros hermanos) e os barcelenses Black Bombaim, para quem consegue acertar nos horários da tenda P-Jam, cada vez mais deslocada do “planeta metal”. Ainda assim, bom stoner-jam pela noite dentro.
Domingo – Dia da mãe
O dia dedicado a todas as mães arrancou de forma mais melancólica, com o metal arrastado dos portugueses Process of Guilt. Bom doom atmosférico a fazer lembrar as paisagens dos Isis, mas caindo frequentemente no monocordismo. Os escoceses Cerebral Bore levam o prémio de banda mais agressiva e incategorizável do festival. Com o baterista mais rápido de todo o meridiano de Greenwich e um imenso groove de baixo, praticam um grindcore implacável ao estilo de uns Cryptopsy. Se alguma cabeça parecesse estar parada nas imediações do palco secundário, era decerto porque se movia demasiado depressa para que os nossos olhos a acompanhassem.
Em dia de jogo grande, coube aos Men Eater e aos japoneses Zeni Geva a difícil tarefa de angariar simpatias durante 90 minutos. No último caso, a prova foi facilmente superada. Uma legião de devotos e curiosos assistiu sem arredar pé a uma autêntica sessão de alquimia por parte de K.K. Null e dos seus pares, provavelmente os três metaleiros mais sorridentes que alguma vez passaram por estas paragens. Os momentos mais inspirados de “10.000 Light Years” ou “Desire for Agony” terão sido um bálsamo para as almas mais atentas a um cartaz, caso contrário, demasiado monocromático. Mitsuru Tabata e Tatsuya Yoshida (também de bandas míticas como Ruins ou Acid Mothers Temple) provam do saké nacional – bagaço “caseirinho”, naturalmente – enquanto o vocalista dos Cerebral Bore, sob o nome de Putrid Pile, massacra os tímpanos dos resistentes com as altas-frequências do seu projecto a solo. A rever com mais atenção num ambiente menos festivaleiro. Cabia aos norte-americanos Dying Fetus as honras de fecho, missão que executaram competentemente, mas já perante um público mais disperso e a roçar os limites da exaustão. “Descend Into Depravity” é, não obstante, um bom momento de forma para o quarteto de Maryland, que já pouco tem a provar.
Nota geralmente positiva para um festival que tem vindo a afirmar-se passo a passo na última década, e que continua a angariar grandes nomes de peso no nicho (cada vez mais abrangente) da música extrema, pontualmente alternados com as novas promessas do palco secundário.